Blog da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
Publicado em 1931, o romance O Gororoba, escrito por Lauro Palhano,
pseudônimo de Juvêncio Lopes da Silva Campos, foi um dos primeiros a retratar o
cotidiano dos trabalhadores brasileiros e as dificuldades enfrentadas ao longo
de suas vidas e se diferencia das obras publicadas até então sobretudo pelo
fato de colocar o trabalhador no primeiro plano da narrativa. Lauro Palhano era
engenheiro mecânico e trabalhou na construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré entre 1907 e 1912 (criada para escoar a produção da borracha).
Na obra, conviveu com trabalhadores que migraram para a região amazônica e essa
experiência lhe forneceu material para a escrita de O Gororoba. Além desse
livro, esse escritor pouco conhecido é dono de outras obras como Marupiara (1935) e Paracoera (1939) que também têm traços de crítica social.
Literatura Proletária e seu contexto
A literatura
proletária surgiu na produção dos escritores brasileiros no início da década de
1930, um momento da história marcado por transformações sociais, políticas e
econômicas que não podiam deixar de ser captados pela literatura nacional.
Encontrava-se no centro dessas transformações a figura do trabalhador urbano no
meio de uma incipiente industrialização, que era ao mesmo tempo tardia
comparada ao cenário dos países desenvolvidos.
A Revolução Russa de
1917 era o que se tinha de mais concreto como referência para os escritores
brasileiros, tendo inclusive alguns nomes importantes como Jorge Amado
(1912-2001) e Patrícia Galvão (1910-1962) entrado para as fileiras do Partido
Comunista Brasileiro (PCB). Essa fase da literatura nacional se aproximou do
movimento conhecido como Realismo Socialista, que foi adotado pela União
Soviética como forma estética oficial e tinha como objetivo a propaganda da
revolução em linguagem didática dirigida para a grande massa de trabalhadores.
O PCB na época, sob influência stalinista, assimilou esse movimento dentro do
país, que ficou conhecido como a fase obreirista. A longo prazo, essa
assimilação lhes proporcionou duras críticas, vindas até mesmo dos seus
militantes intelectuais citados acima.
O romance proletário
partilhou da proposta modernista de criar uma identidade brasileira e
acrescentou um novo objetivo, que era o de dar voz àqueles que nunca foram
ouvidos: os pobres e oprimidos. Segundo Denise Vieira, autora de uma
dissertação de mestrado sobre a literatura proletária no Brasil: “nem todos que versavam sobre o proletariado
continham a postura política de esquerda identificada ao novo gênero, sobretudo
porque tematizavam, em vez de luta de classes, a cooperação de classes”
tendo como exemplo disso a obra em questão O
Gororoba.
Essa vertente da
literatura nacional foi pouco explorada e por isso muitos escritores de grande
potencial foram esquecidos, como é o caso de Lauro Palhano e Ranulfo Prata,
autor de Navios Iluminados (1937).
Por outro lado, escritores já reconhecidos produziram importantes obras de
literatura proletária, como é o caso de Jorge Amado com Suor (1934) e Capitães da
Areia (1937), Patrícia Galvão com Parque
Industrial (1933), Oswald de Andrade com A Escada Vermelha (1934), Marco
Zero I – A Revolução Melancólica (1943) e Marco Zero II – Chão (1945).
Experiências de um proletário na
realidade brasileira
O Gororoba narra a trajetória de Cazuza Amaro, um
aprendiz de ferreiro do sertão nordestino, que cansado da vida que levava e sem
perspectiva para um futuro em seu local de origem, Caicó no Rio Grande do
Norte, decide tentar a sorte no “mundo” e acaba indo trabalhar com a extração
de látex da seringueira na região norte do país.
“Destruídos os lares, os rebanhos e os
paióis, ia a Fome, pegureira sinistra, aboiando os retirantes pelas estradas,
transbordando-as de cadáveres, para o andrófago repasto dos famintos e gáudio
da rapina voraz, pairando, asas negras e serenas, farta pela abundância de
carniça”.
Nesse período foi
muito intenso o fluxo de migrações para a região norte por efeito da demanda de
produção automobilística. O nordeste foi a região que mais teve dispersão
populacional devido ao cenário de seca muito rígida que predominava nesse
período. Antes de chegar à bacia amazônica, Cazuza passou por várias cidades,
onde acumulou histórias e experiências e teve que realizar diversos trabalhos,
tal como o de ferreiro, maquinista e professor. Criou laços com as pessoas que
conheceu ao mesmo tempo em que mantinha expectativas no romance com Cotinha,
que ficou em Caicó.
Depois de passar
alguns meses em Manaus, Cazuza se viu frustrado com o que encontrou por lá:
“O Amazonas
parecia-lhe agora um pasto de ambições vulgares. Toda a lenda de sofrimento
atribuído ao seringueiro, lhe pareceu pueril. A ganância entre os homens era a
mesma, quer dum, quer de outro lado”.
Encontrava-se então
desempregado, e por isso o personagem foi tentar a sorte que lhe restava no Rio
de Janeiro, rota comum entre aqueles que optaram por não voltar para o sertão.
Já no Rio, o personagem acaba no ramo industrial e vivencia de fato a vida de
um operário no meio dos subúrbios, onde era fácil notar o impressionante
contraste entre a fartura das classes abastadas e a miséria que escorria pelos
morros, bem diferente da imagem que era transmitida externamente da cidade como
um local que estava na dianteira no progresso nacional.
Por se tratar de um
romance de estilo proletário, Palhano constrói sua narrativa da maneira mais
próxima da linguagem cotidiana, tentando transpor fielmente as experiências
vividas para o papel impresso. O título do livro é um bom exemplo desse
aspecto. Seu significado é explicado pelo autor ao longo do enredo:
“As coisas indefinidas, sem cor, sem
forma ou consistência, misto de gelatina e grude; ao frouxo, ao tímido, ao
covarde, à flacidez de lesma e do uruá; ao pormenor que Victor Hugo achou
horripilante no povo: – Ser mole – chamam-no Pará GOROROBA”
Inserido no contexto
de polarização política entre socialismo e capitalismo, a ideia de luta de
classes, que talvez fosse considerada como pertencente à literatura proletária,
é neutralizada pelo escritor. O gênero em si não possui a finalidade de
apresentar uma solução para esse conflito. Na realidade o que se afirma na obra
é a noção de união pela oposição entre as classes, que no limite deveria
terminar em festividade:
“As classes
sociais eram perfeitamente distintas. Tão distintas como azeite e vinagre.
Viviam, entretanto, sem choques, sem separações odiosas independentes. […]
Estas classes, porém, tinham um traço de união a ligá-las todas: – a alegria
facilmente excitável; alegria comunicativa que passava às ruas a pretexto de
qualquer festa ou tarde de luz”.
Referências
PALHANO, Lauro. O Gororoba – scenas da vida
proletária do Brasil. Rio de Janeiro: Edição de Terra de Sol, 1931.
VIEIRA, Denise
Adélia. A literatura, a foice e o martelo. Dissertção (Mestrado em Letras)
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2004.
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