Há muitas maneiras de se medir a excelência
de um povo, a poesia é uma delas, quiçá, a mais autêntica, porque diz dos anseios
e sentimentos mais profundos que habita o íntimo de cada ser. O povo se faz ver
em seus poetas. O poeta faz ver o seu povo. De modo que uma sociedade sem
poetas, é uma sociedade sem profetas, uma sociedade que agoniza e fenece em
suas próprias misérias sem a capacidade de transcendê-las ou transformá-las. Se
cada um soubesse, como fez saber Guimarães Rosa em seu discurso de posse na
ABL, que a poesia é remédio contra a sufocação. Se a poesia fere, ela também
traz em si o bálsamo que cura. A poesia, a mais íntima, serve a liberdade
humana, empresta ao homem as asas necessárias para a mais instigante viagem, a
que é feita para os recônditos de si mesmo.
Lembro que, certa feita, encontrava-me fuçando
um sebo em Curitiba, e me deparei com um livro intitulado AMO, cujo autor era
J.G. de Araújo Jorge. Fiquei sobressaltado quando li que o poeta havia nascido
na Vila de Tarauacá. Até então nunca havia lido ou ouvido falar de Araújo Jorge
nos dezenove anos que havia morado no Acre. Desde então Araújo Jorge me
acompanha. Aos poucos estou reunindo sua obra, cujo propósito é reuni-la
completa. Outro poeta que sempre ouvia falar era o prof. Freitas, mas só mais tarde
me deparei com a sua obra. E assim, pouco a pouco, fui me aproximando da poesia
produzida por Tarauacaenses, como a do Raimundo Rodrigues e a da prof.a
Núbia Wanderley, além da Luísa Lessa, e do José Marques Lopes, que integra a
nova geração de poetas da terra do abacaxi.
Reuni, então, esta uma pequena antologia
poética dos principais nomes da poesia produzida por tarauacaenses. Inclui o
grande Leandro Tocantins, que sendo Belenense, nunca se desligou afetivamente
da região acreana, em especial, Tarauacá, que dedicou inúmeros poemas. Espero que
a nova safra de poetas tarauacaenses esteja pronta, pois onde não há poesia, cresce
o deserto da desesperança.
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JOSÉ GUILHERME DE ARAÚJO JORGE (Tarauacá, 20
de maio de 1914 – Rio de Janeiro, 27 de Janeiro 1987) – o maior poeta nascido
nessa terra. Ganhou projeção nacional, e se tornou um dos poetas mais lidos do
Brasil à sua época. Foi candidato a vereador e a deputado estadual
e federal no antigo Distrito Federal (posteriormente estado da Guanabara), hoje
Rio de Janeiro. Sendo eleito deputado federal em 1970, pela Guanabara,
reelegendo-se para o terceiro mandato, em 1978. Recebeu o título de Poeta do Povo e da
Mocidade. Publicou ao todo 36 livros, traduzido em diversos países, com milhões
de exemplares vendidos.
OS VERSOS QUE TE DOU
J.G. de Araújo Jorge
Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos... e serei feliz...
E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...
Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...
Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...
E ao lê-los... com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...
Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...
Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.
CANTO DO POETA MENOR
J.G. de Araújo Jorge
Sou o poeta menor, o trovador humilde,
que nasceu nesse Brasil grande, numa vila sem
nome,
em meio às árvores, aos pássaros, aos rios e
jacarés
porque o resto não há.
Não me recebem. Estão sempre em reunião
importante.
Estou na rua, com o povo, que “a praça é do
povo
como o céu é do condor”,
já cantou o grande Poeta.
Não trago quatrocentos anos na sacola,
não sou de ferro, não sou de bronze,
não desci orgulhoso da alta montanha
falando como Zaratustra,
– sou um poeta, de barro,
como qualquer homem...
Não cheguei de Ita, com alma palaciana,
disposto a conquistar a grande capital,
não invadi os jornais e suplementos
construindo “igrejinhas” sem fieis.
Sou o poeta menor, o poeta humilde, sem
história,
que nasceu nesse Brasil grande, numa vila sem
nome,
pra lá, muito pra lá...
– a vila de Tarauacá.
Poeta sem brasão, sem orgulhos, sem rodinhas,
apátrida entre irmãos,
poeta nu e sozinho, com sua poesia,
pelos quatro cantos de sua terra
misturado com o povo.
Sou o poeta antigabinete ministerial
sem rondós e sem falsas luxúrias,
não sou amigo dos reis,
sou simplesmente o poeta da rua,
como um violeiro e sua viola,
como um cego e seu realejo...
Quando toca a minha poesia
a criançada vem correndo para ouvir,
os trabalhadores param o serviço
e comentam,
as empregadas e os transeuntes fazem roda.
as moças se debruçam nas janelas
e ficam cantarolando.
Sou o poeta menor. Não me recebem.
Estão sempre em reunião importante.
Não faz mal. De mãos dadas com o povo,
como em noite de lua
faço ciranda na rua.
POEMA ACRE-DOCE
J.G. de Araújo Jorge
Onde estás rio Acre?
Por que rio Acre
se suas águas são doces como “alfinim”
no mapa de minha infância?
Onde estás Rio Branco, mal crescida
de vermelhos barracos
que a distância azulou?
Sinfonia da infância:
rumor de chuva no telhado de zinco,
tão bom para dormir!
– rumor de chuva na floresta, besourada
distante,
rumor das águas escachoando nas ruas,
caindo das calhas nas barricas cheias,
(que banho gostoso!)
– sinfonia da infância!
Música da banda passando na rua: do grande
trombone
rebrilhante, caramujo de cobre
gorda espiral soprando rolos de “dobrados”
que eu ouvia embevecido e curioso, trepado no
gradil
do coreto da praça.
Sinfonia da infância:
– o apito das “chatas” na curva da cadeia,
rompendo a madorra
dos dias parados, iguais;
o tchá-tchá dos remos das catraias
chapinhando na água do rio, ritmados dentro
da noite,
indo e vindo, Penápolis-Empresa, – Empresa,
do outro lado
as luzes tremendo em fieiras nas águas do
rio, –
(ó meus barcos de sonho, em rios de sombra
que ainda hoje correm sem margens, no tempo).
Onde estás
rio Acre, de Rio Branco,
rio vermelho que o tempo azulou,
que corres para a distância
e que foges de mim?
Rio Acre da minha infância
que sempre vais
de onde vim...
Onde estás Rio Branco, dos bois rodando nos
varais
das moendas do engenho, gementes,
(Meu Deus! a tristeza castrada do olhar dos
bois!)
dos bois arrastando madeiras pra serraria,
dos cajueiros carregados
das mangueiras noivando
dos cacaureiros da floresta,
e daquele alto cajazeiro que pintava o chão
das madrugadas
com salpicos de ouro
depois do vento da noite.
Onde estás Rio Branco
da baladeira na cintura pra caçar sanhaçu,
dos banhos de igarapé
das caminhadas no mato colhendo melão S. João
Caetano
as pernas sarapintadas de mucuim
dos ovos de tartarugas desenterrados nas
praias
na curva do rio?
Rio Branco
dos santinhos passados na aula,
das representações de fim de ano no Grupo
Escolar,
das pulseirinhas de chifre – Feito cobras de
olhinhos de pedras falsas –
que Eudóxia ganhava de presente.
Onde estás Rio Branco, de peito nu,
de pés no chão,
da molecada remexendo os sacos de açúcar
rindo à toa
com as bocas escancaradas no Mercado,
pulando sobre os montes de serragem na
Serraria;
das subidas nas altas mangueiras, mirantes
de inesquecíveis paisagens.
Onde estás Rio Branco
da igrejinha branca à beira do barranco
com a corda de seu sino no ar – balanço
tantas vezes
de minhas travessuras, – transformadas
em surpreendentes badaladas.
Rio Branco
do “velho” na sala, jogando gamão com o juiz,
do ordenança Manuel, sempre sentado, no
alpendre,
do “pega pinto”, refresco nos dias de calor,
Rio Branco das primeiras peladas
nos terrenos da igreja;
das primeiras lições de história natural que
os bichos ensinavam
nos quintais, nos currais, nas ruas, nos
terrenos baldios
na cara de toda gente.
Rio Branco
que para mim ficou, principalmente
neste meu ar de aventura
neste jeito de insubmissão
neste espírito de rebeldia,
nesse amor pela terra, pelas coisas simples,
pelos seres humildes,
nesse ácido gosto de liberdade que põe água
na boca
como cajá-mirim,
e é impulso, alegria, ânsia incontida e
festa.
Neste gosto de liberdade
que até hoje me acompanha,
como se ainda fosse o garoto de peito nu e
pés no chão
que fugia de casa manhã cedo e se perdia em
travessuras
no engenho, na floresta, nos igarapés
sem medo da surra que o esperava.
Rio Branco
meu princípio
sem fim,
que não sei onde estás, mas sei que estás
de onde vim.
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RAIMUNDO ACREANO RODRIGUES DE ALBUQUERQUE, o
Raimundo Rodrigues (Tarauacá, 26 de outubro de 1919 – São Paulo, 03 de outubro
de 2010) – poeta, escritor, professor e jornalista. Pertenceu a várias
academias de letras, entre elas, maçônicas. Viveu desde 1965 em São Paulo, onde
faleceu. Escreveu inúmeras obras didáticas, maçônicas, e literárias, entre as
quais: Riachão (1957); Trovas do Ontem e do Hoje (s/d); Sonetos e outras poesias (2009).
GOTÍCULAS
DE AMOR
Raimundo Rodrigues
A poesia desabotoa de mim
como o perfume desabrocha da rosa...
No jardim das musas de minha alma,
o roseiral da poesia se cobre de rosas
brancas, vermelhas e rosas cor-de-rosa.
Há flores e perfumes
e há espinhos também
no jardim da minha poesia.
O sereno da noite estrelada da minha vida
deixa gotículas de amor
nas pétalas olorosas
das rosas
da minha poesia.
TORRÃO
NATAL
Raimundo Rodrigues
(Para Tarauacá, a terra onde nasci)
Tudo passa na vida, tudo vai,
as nuvens do céu, as águas do rio,
o dia que nasce, o raio que cai,
a chama da vela, o calor e o frio.
O vento que avança rápido ou lento,
as ondas do mar que morrem na areia,
o amor, a alegria, a dor, o lamento,
o inserto que cai, da aranha na teia.
O urro da fera, a ave que voa,
o pó que o vento levanta no espaço,
o troar do trovão que longe ecoa,
a nostalgia, a tristeza, o cansaço.
A chuva, o sereno, a intempérie, a neve,
o outono, o inverno, a primavera, o estio,
o vagalume que voa tão leve,
o canto, a palavra, o grito, o assovio.
Tudo passa na vida, é tudo um instante,
só não passa a saudade, esta não corre,
de quem longe está da pátria distante,
oh! esta saudade, eu juro, não morre!
PARAÚNA
Raimundo Rodrigues
Nos contrafortes de uma linda serra,
Por onde a brisa, sussurrante, passa,
Ergue-se, majestosa, a minha terra,
Tão cheia de belezas e de graça.
Se pelo azul do céu, a lua erra,
E a sua luz a minha terra abraça,
Um panorama divinal encerra,
Dignificando um povo e uma raça.
Esta cidade que em meu peito mora,
De lindas moças, de crianças lindas,
É grande, hoje, como foi outrora...
Pois o seu povo sabe, com ternura,
Que sua honra e sua glória infindas
Escudam-se no amor pela cultura.
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LEANDRO TOCANTINS (Belém, 08 de maio de 1919 – Rio de Janeiro, 01 de julho de 2004) – escritor,
sociólogo, poeta, ensaísta. Chegou a Tarauacá com menos de um ano de idade. Era
filho de Van Dyck Amanajás Tocantins e Iraídes Góes, que
se estabeleceram no seringal Foz do Muru, de onde administravam os demais
seringais.
O escritor sempre fez questão de recordar a influência que exerceu sobre sua
vida e escritos a sua vivência em Tarauacá. Tornou-se um dos autores, à sua
época, mais respeitados em relação ao estudo amazônico. Escreveu obras que se
tornaram clássicas como O Rio Comanda a
Vida (1952) e Formação Histórica do
Acre (1961), agraciado com o Prêmio Joaquim Nabuco de História Social da
Academia Brasileira de Letras. Sobre Tarauacá escreveu um livro de memórias
chamado Os Olhos Inocentes (1984),
que recebeu o Prêmio Osvaldo Orico da Academia Brasileira de Letras, e diversas
poesias.
O SERINGAL GUARDA SAUDADES E SONHOS
Leandro Tocantins
O lar inunda o barracão na beira do rio Muru
em auroras de alegria.
Mas a sintaxe das tristezas
adormecida na família pelas saudades de Belém
caminha faminta e viva
girando na roldana das distâncias.
O menino apenas estreia nos sentimentos do
mundo
Quer agora escutar rente ao rio
os sons do motor e o secreto nascimento
de viagens naqueles funis de águas
encantadas.
O batelão, pássaro livre, desliza na torrente
que flutua nas margens adormecidas.
O menino não sente saudades de Belém
(a estrela de seu natal ainda distante para
ele)
segue apenas a mutação colorida dos sonhos
no mural trançado de folhagens
onde estão esculpidos astros e conchas
nos vales, vales que se desgarram
das dobras de florestas imemoriais, mais florestas
mais rios
Rio.
Rio de janeiro,1994
ONDE OS RIOS SE ENCONTRAM
Leandro Tocantins
Pode-se ouvir o tempo reler a paisagem
mesmo na nostalgia tendida para a infância
fugaz como todas as infâncias.
O ato de ver divide-se em dois rios
sossegados em sua alma subterrânea.
O rio Muru de águas esverdeadas e lentas, no
verão
(Na sua foz a minha morada no barracão)
flui para o mais inquieto e turvo Tarauacá.
Minha lembrança pastoreia vertigens de
imagens
A cidadezinha ronda as beiras do Tarauacá,
A catraia vai e vem, leva o menino, traz o
menino
Nas penumbras do silêncio do rio que mede o
tempo,
As matas fazem vibrações de verde,
O céu lugar-comum de azul.
Discursam os ventos em rastros irremissíveis
O infante exalando miragens de vida
E todas as vozes impressas na solidão.
Rio de Janeiro, 1994
ROTEIRO INFANTE
Leandro Tocantins
A José Néri da Rocha,
que foi, como eu,
menino de Tarauacá
Eis o rumo principal, Avenida Juvêncio de
Menezes.
O calçadão entornando-se no meio da rua
(não havia automóveis)
articula os passos do menino.
Aqui é o fórum adiante o mercado,
A maçonaria, a prefeitura, o telégrafo
(Ah! Sua torre, alta e esguia, a torre do
telégrafo
como um fio descido do céu, aproxima-se das
nuvens
para transmitir segredos ao pé do ouvido).
A avenida vem ao encontro da Praça do Coreto
Onde deslizam os sonhos, de onde vêm? Para
onde vão?
E o cinema no puro instante da imagem muda e
iluminada
Liberta fantasias na extensão de mundos
inalcançáveis.
Ali o menino vai receber
Aulas de piano na bonita casa da professora.
O médico, o delegado de polícia, a parteira,
o padre
Abrem as janelas e portas com vocação
De receber e armar gestos amigos.
A Avenida Juvêncio de Menezes
leva as almas no instante do amor e do
socorro
na Igreja de São José que oferece
a face, o perfil, a fonte da Santa Paz do
Senhor.
Nem o tempo íngreme imobiliza em meus ouvidos
Os sons da banda como borboletas encantadas
No coreto que se desprende do roteiro da
Avenida Juvêncio de Menezes.
Rio de Janeiro, 1994
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MARIA SILENE DE FARIAS – nasceu em 14 de
novembro de 1951, filha de Maria Deusa de Farias Franca, ilustre poeta e atriz
acreana, e José Farias Franca. Teatróloga e ativista cultural. Esteve sempre
muito envolvida com o movimento Cultural no Acre a partir dos anos 80. Em 2002
organizou e publicou Bairro Quinze e Cidade Nova, por meio da Prefeitura
Municipal de Rio Branco e Fundação Cultural Garibaldi Brasil, da qual ocupou
cargo de Presidente. Participou, entre outras, da Antologia dos Poetas Acreanos 1986 e Coletâneas de Poesia Acreanas, da Cia Teatro 4o Fuso
(1981). Em 2005, junto com os seus irmãos Cícero e César, idealizou o grupo
folclórico Jabuti-Bumbá.
CADÊ A MACAXEIRA?
Silene Farias
É pouca a farinha no prato
E muita água na macaxeira.
É da gripe crônica
À falta de lambedor.
É um filho no peito,
Outro no bucho,
Outros quatro lambendo o dedo.
A rapadura foi pouca!
É a tristeza do companheiro,
A goteira que aumenta
E molha um outro filho
Que arde em febre...
É a peste!
É o andar curvado,
Do peso secular da carga.
É o brilho dos olhos desfeito
Pela fumaça do látex.
A memória é forte!
O BAHIA TÁ ENCANTADO
(Soldado da Borracha, que conheci no Quinari)
Silene Farias
Vige Maria!
É o Bahia que vem lá
Fazendo assombração
Na madrugada
Cantando sua canção
Sem ser importunado.
Canta Bahia! Canta
Feito lobo alucinado
Pra essa lua cheia
E tão iluminada.
Canta tuas heresias
Tuas desventuras
No seringal
Que já não deu.
SEM PECADO
Silene Farias
Quando todas as igrejas
Arderem em brasas,
Sobre suas cinzas
Surgirá a verdade.
Quando todas as igrejas
arderem,
O sufoco secular dos fieis
terá seu fim.
Quando todas as igrejas
arderem,
Envolto em verdade pura,
surgirá clareando o dia.
Quando todas as igrejas
arderem,
Ninguém mais governará
Ou pecará a humanidade.
Glória ao homem nas alturas
E paz na terra!
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NÚBIA WANDERLEY – nasceu em 21 de agosto de
1951, filha de Benício Otto da Silva, grande agitador da cultura popular, e
Walzira Wanderley da Silva. A poetisa foi por muitos anos professora em
Tarauacá, onde reside. Publicou os seguintes livros de poesia: Miscelânea (1984); Miscelânea vol.2 (1986); Miscelânea
vol.3 (1988); a publicar, Miscelânea
vol. 4.
A POESIA
Núbia Wanderley
Existe a poesia
Nos olhos de uma criança
Feliz ou sofrida,
Preta ou branca
Existe a poesia
Nas lágrimas doídas
De alguém dilacerando
O coração sofrido
Existe poesia
No céu azul, no mar
Nos campos verdejantes
Nas asas ágeis das aves
Do canto madrugador
Do galo no poleiro
No marulhar das ondas,
No tic-tac do relógio
Nas noites de luar,
Nos corações apaixonados
Nos corações arrependidos.
Existe poesia
No adulto, no velhinho
No bebê choraminguento
Nas flores do caminho
Existe poesia
No céu enfarruscado
Nas ondas do mar encarpelado.
A poesia existe
Onde quer que ela esteja
A poesia viaja
Na mente, na mão
De quem se sente extasiado
Nas coisas da natureza.
QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ!...
Núbia Wanderley
Três personagens importantes
Certo dia se encontraram
Entreolharam-se
Sem uma palavra dizer
O primeiro, bem velhinho já,
Chamava-se Foz do Muru;
O segundo era mais moço
E chamava-se Vila Seabra.
E o terceiro como se vê, Tarauacá.
Foz do Muru, bem curvadinho perguntou:
– Quem é você?
Ao que ela retrucou:
– Sou a importante Seabra,
Mulher fina e orgulhosa...
E nem a deixou terminar:
– Baixe esse orgulho, senhora.
Também já tive honras e glórias
Hoje sou lembrada apenas
Como um fato da História.
Nisso, passa assobiando
Um rapaz fino e esbelto
Fino no corpo... e o resto
Já nem preciso contar
Disse-lhe a sorrir:
– Vim substituí-la!
Esse negócio de vila
Já não pode ficar assim
Chamo-me Tarauacá
Sou decidido no que digo
E o que serei vou mostrar.
Despediram-se... ela sumiu.
Ele permaneceu e tanto lutou
Que seu nome perdurou até hoje
E, com muita glória,
Seu nome ficou na História
E se eleva cada vez mais,
Que te viu Foz do Muru,
Seabra ou Vila Seabra,
Vendo hoje Tarauacá,
Fica parado sem saber
Como pôde acontecer
Tamanho desabrochar.
CALA-TE, CORAÇÃO
Núbia Wanderley
Cala-te, coração
Deixa de ser malcriado.
Se sofres, a culpa é tua
Por isso fica calado.
Tu és escravo do amor,
Por Cupido governado.
Mas, bate, continua a bater.
Enquanto bates tranquilo
Há muito ainda pra ver.
A vida não é tão mesquinha
Nós é que assim a fazemos
Não olhes o que já sofremos.
Quem sabe a felicidade existe
Não seja mera fantasia
E um dia, tu a encontrarás
E deixarás essa agonia.
Bate forte e compassado.
Nós dois sempre lado a lado,
Buscando o que não encontramos
De repente, plaf!
Encontramos a felicidade
E aí não se conta idade
Quando se tem amor.
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JOSÉ CARLOS DA
ROCHA – (Tarauacá, 07 de maio de 1929 – Brasília, 09 de maio de 2010). Estudou
em Manaus e em Fortaleza, onde se formou em Direito (1954). Participou de
vários movimentos estudantis: foi diretor da Tribuna Acadêmica da Faculdade de
Direito do Ceará, diretor da União Nacional dos Estudantes (1953-1954),
representou o Brasil no Congresso Internacional de Estudantes, em Istambul. Ocupou
vários cargos públicos, tendo aposentado-se como Procurador da república na
década de 1990. Aos 19 anos, reuniu os seus poemas no livro “Ela e outras
poesias”, que, todavia, não publicou. José Carlos era irmão do ex-senador e ex-governador
do Acre Nabor Júnior.
MARILENA
José Carlos da Rocha
Não preciso compor-te, no momento,
Desta tarde estival que me rodeia:
Mesmo me sendo amorfo o pensamento,
Não te sinto distante, nem
alheia.
Não preciso compor-te: estás presente
Em todo espaço e tempo e, mais que assim,
É a certeza de ter-te, permanente,
Inserida na tarde, junto a mim!...
Sinto-te o olhar, em torno, prolongado,
Tão pleno de ternura e de carinho,
Nos meus olhos, agora, fixado.
E, assim, tens sido, sempre, em meu caminho:
Nunca a certeza de não ter-te ao lado,
Sempre a certeza de não ‘star sozinho!
O TEU OLHAR
José Carlos da Rocha
Se existe, neste mundo, outra donzela
Que lhe compare em graça e formosura
E não tem, certamente, esta ternura
Que o seu olhar sublime nos revela.
Pois que tanto divina quão singela,
Esta princesa imensamente pura
Guarda no meigo olhar tanta doçura
Que ganho em me calar a descrevê-la.
E este olhar divinal que já não cabe
Nada mais revelar do que lhe assiste,
Só eu sei quanto o quero, só Deus sabe.
Mas, alcançá-lo, para mim, consiste
Em desejar que o próprio céu se acabe
E tudo seja meu – que nele existe!...
SONETO FINAL (Pela Paz)
José Carlos da Rocha
Inúteis, fatalmente, os calendários!
Aos séculos somente Deus resiste!
O céu desceu ao mar. É noite ou dia?
Pouco importa, a pergunta não existe.
Vãs as noites de insônia fatigante
E os versos surdamente murmurados.
Nem mesmo um pensamento se elabora
Nas vilas e nos campos desolados!
Deserta a lua triste e enegrecida,
Vagando um céu sem cor, sem movimento,
É o símbolo fatal da própria Vida.
Mas, em meio a paisagem tão sombria,
Resta, ainda, um suave monumento
A uma pomba franzina, muito
esguia!...
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FRANCISCO ALVES FREITAS – nasceu em 01 de
junho de 1953. Foi professor durante mais de 30 anos. É Licenciado em Letras
Vernáculo pela Universidade Federal do Acre. Seu primeiro poema foi escrito aos
dezessete anos. É autor das seguintes obras poéticas: O Homem, a natureza e o povo; e Brados
de vida.
SONETO ÀS MINHAS MEMÓRIAS
Prof. Freitas
Velha seringueira, onde descansei
Nos dias quentes, comendo meu pão,
Sentado ao teu tronco, lá eu estudei,
Fazendo exercícios; revendo a lição.
Fiz as refeições, sob a tua sombra,
Sobre folhas secas, pensava na vida,
Às vezes alegre, às vezes tristonho,
Com a alma festiva, às vezes abatida.
Velha seringueira, árvore centenária,
Foste derrubada, não tens esperança!
Hoje quando passo, me restam as lágrimas
A recordação, dos tempos de criança...
Mas vem-me à memória: tudo se acaba!
Das coisas da vida, ficam só lembranças.
QUERER
Prof. Freitas
Quisera eu, conquistar um amor
Que não duvidasse do meu coração
Que não me fizesse desgosto nem dor
Que me abraçasse com grande emoção.
Quisera eu, um anjo me amasse
Com tal ternura e felicidade
Sem magoar-me, nem tristeza causasse
Sem separação, pra me trazer saudade.
Quisera eu, esquecer os caminhos
Quando andei certo, ou se andei errante
Não sei se colhi flores ou espinhos
Só sei que devo prosseguir avante
Se acompanhado, ou mesmo sozinho
Se eu fique aqui, ou vou pra bem distante.
ESTE DIA
Prof. Freitas
Hoje acordei com saudade
Da brisa, da lua cheia
Do céu, das noites de estrelas
Das beija-flores de asas ligeiras
Das flores das cerejeiras.
Lembrei daquela noite fria
Da montanha, do vento gelado
Lembrei da música, da poesia
Das pedras cinzas, do céu recortado
Da tua presença que dava alegria.
Hoje olho o céu infinito
Nesta manhã quando o sol está branco
Que não tem luz nem tem calor
E meu coração exprime seu grito
Sentindo-se vazio sem o teu amor.
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LUÍSA GALVÃO LESSA – professora, pesquisadora e
escritora. É
pós-doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá;
doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; mestra
em Letras pela Universidade Federal Fluminense; membro da Academia Brasileira
de Filologia e da Academia Acreana de Letras. Pioneira na
Iniciação Científica na Universidade Federal do Acre, com quotas, via balcão,
pelo CNPq (1989); autora do Centro de Estudos Dialectológicos do Acre; autora
do Atlas Etnolinguístico do Acre;
autora do Dicionário Termos e Expressões
Populares do Acre (1985); autora do Glossário
do Vale do Acre: látex e agricultura de subsistência (1996); e autora do Dicionário do Acre (2003).
QUANDO
UM AMOR VAI EMBORA
Luísa Lessa
Quando o amor decide partir
Geralmente ele não consegue fingir
Ele segue sem olhar para o lado
Não deixa nenhum recado
E sai pelo mundo angustiado.
Quando ele descobre que chegou o momento
Não se apega a nenhum lamento
Esquece as memórias e histórias.
Não há nada que consiga prendê-lo
Nenhuma lembrança é capaz de detê-lo
Nada que o faça resistir e ficar.
Quando acontece de o amor acabar
Ele não avisa se um dia vai voltar
Tão pouco confidencia se vai renascer
Quando ele termina faz a gente sofrer.
Quando o amor escorrega por entre os dedos
Como mistério e com muitos medos
Ele não escuta os soluços, os apelos
Isso é sinal que ele se atropelou
Se rompeu, se partiu, se quebrou.
Então, quando o amor vai embora
Deixa uma ferida sangrando no peito
E uma esperança de ser um dia refeito.
Mas quando o amor foge para lugares distantes
Ele se perde em momentos intrigantes
Entre palavras e frases decepcionantes
Dando sinal que ele ficou fraco
Frágil, rasgado em farrapo.
Amor verdadeiro possui qualidade
Equilíbrio e quantidade
Tem muita sinceridade
É passivo nos estragos, mas com consertos
Pode esmorecer, mas sabe sobreviver.
Quando o amor vai embora
Ele parte com o peso dos ombros
É capaz de mover e remover os escombros
Sabe que chegou sua hora.
Quando o amor vai embora
Alguma cicatriz ele deixou
Algum arrependimento ficou
Sinal de tormenta restou
Assim como a dor
E soluços de lamento.
Mas aí vem o tempo
Grande amigo e companheiro
E faz parecer que nada foi verdadeiro
Cada segundo, cada hora e dia
O tempo segue e passa
Cada ano que se vai
Carrega consigo as lembranças
Leva na mala a tristeza, a desconfiança
Faz nascer nova esperança
Quando tropeça em outro amor
Esquece que viveu intensa dor.
Quando um amor vai embora
Significa que chegou a hora
De esquecer e apagar o passado
Olhar para o lado da vida que vai recomeçar
E um novo amor encontrar.
CAMINHANTE DA VIDA
Luísa Lessa
Caminhei pelo mundo,
Andei, naveguei, mergulhei,
Mais tarde aqui despertei
Não sei, não lembro aonde cheguei…
Só sei que caminhei à procura
De alguém, um lugar seguro,
Um coração valente, maduro…
Perambulei pelas incertezas da vida,
Vivi um dia a cada instante,
Um instante a cada dia...
No viver do passado que sorria,
Muitas noites perdi,
Em meio aos amores sofri,
Por paixões, encantos e ternuras…
Vi o rosto amado pelas ruas
Que ainda não esqueci...
Por muitos lugares naveguei,
Vivi outras paixões e pereci…
Mas nada adiantou
Deleitar em outros braços
As noites foram pueris,
Sonhei por onde passei...
Em lugar algum te achei,
Sempre tudo foi comum
Os dias quietos, sombrios,
As noites desertas, frias,
Não te encontrei em lugar algum...
Vou dormir sem a poesia dos cantos,
Encantos viris,
Sonhar no porvir,
Dias de outono que hão de vir,
O tempo que vivo sem ti...
A DESPEDIDA
Luísa Lessa
O amor quando chega acredita em eternidade,
Mas um dia se despede, vai por outra estrada
Não olha para trás, nem se despede
Leva no coração a mocidade
Parte, não fica, nada o impede.
O outro coração padece, mesmo em preces,
É o adeus...
Que deixa o peito angustiante,
No peito a dor dilacerante
O grito dos ais, dos lamentos agonizantes,
Dos instantes lacerantes.
De toda forma o Amor parte,
A despedida maltrata,fere, rasga o coração
A alma se rompe numa fração,
Corrompe-se, dilacera-se numa fração
É lâmina , navalha que sangra a afeição.
A alma sofre, chora, padece,
O coração se entristece,
Numa saudade que enternece,
Mas nada consola e o amor vai embora
O ser que fica compadece.
A despedida é triste,
É lástima, lágrima, drama
Pranto, sofreguidão,
É o adeus...
O desenlace de sentimentos,
A despedida de momentos,
De um tempo que não volta atrás
E um amor que não se esquece jamais.
O adeus é o desenlace
De sentimentos,
De presenças, lembranças, momentos.
O adeus é distância que se apresenta,
É a partida desesperada,
É o esquecimento...
Ou a lembrança do enlace
Que se foi em disparada.
A despedida,
Por mais lânguida, por mais que se evite,
É sempre triste.
São seres que se separam,
Que se partem,
Um amor que diz adeus,
São corações que pulsam, não param,
São vivências que se dissipam,
São vidas que se separam.
A despedida
É a tão evitada renúncia,
A tudo o que se pensava ter,
A tudo que se pensava viver,
Uma palavra balbuciada... ADEUS.
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JOSÉ LOPES MARQUES, natural de Tarauacá, é formado
em Teologia pelo Seminário Batista do Cariri, em Filosofia pela Universidade
Federal do Pará (UFPA), especialista em Ensino de Filosofia (UFC) e mestrando
em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará. Além disso, é professor de
Filosofia da rede pública do Estado do Ceará e da Faculdade Batista do Cariri.
É autor de Diário de Sonhos do Doutor
Satírico (All Print, 2013).
O MONÓLOGO DO ZIGOTO
José Lopes Marques
É o Beta evidência do meu ser,
Neste mundo estou e dele ausente,
E o líquido amniótico envolvente,
Minha metamorfose a tecer
O meu grito ainda é tão silente,
Mas sou eloquente em meu dizer,
Tenho o véu placentário a me envolver
E nutrindo meu ser constantemente.
Sou a parte que ao todo contraria,
Meu crepúsculo vital e inquieto,
Tem na plena potência o seu guia.
Desconheço o nome predileto,
Mas sou batizado a cada dia
Por ovo-zigoto, embrião, feto.
SIMÃO CIRENEU
José Lopes Marques
Homem algum sua cruz quis carregar,
Por isso, forçaram um cireneu,
Onde estavam os dois de Zebedeu,
Para a dor de seu mestre aliviar?
Filipe, André e Bartolomeu
Fugiram espantados do lugar,
Simão, resoluto em seu negar,
E o Messias sozinho padeceu.
Vencido pela dor o Nazareno,
Já quase perdendo a sobriedade,
Precisa de auxílio do terreno.
Mas todos em sua crueldade,
Não fazem um gesto tão pequeno
Ao que levou a cruz da humanidade.
A INFINITA SOLIDÃO DA HORA NONA
José Lopes Marques
Três horas de densa escuridão,
E o Filho, no Gólgota, em agonia,
Desejou de seu Pai a companhia,
Consumido de extrema solidão.
Recusou fel e vinagre ao fim do dia,
Não bebeu esse anestésico vão,
Já que era a dor da separação,
Que à sua alma inquieta consumia.
Só, o Filho contempla a eternidade,
Vê distante seu único Semelhante
E, sozinho, carrega a iniquidade.
Vendo o seu desamparo lancinante,
Grita a dor que sua alma inteira invade,
Dor infinda sentida em um instante.