O jornalista, poeta e cronista Jaques Flores
(Luiz Teixeira Gomes) nasceu em Belém, a 10 de julho de 1898 e faleceu em 12 de
dezembro de 1962. Publicou, entre outros, Berimbau e Gaita (1925), Cuia
Pitinga (1936) e Panela de Barro (1947).
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NA BORDA DA CUIA
Caboclo bom, papa-chibé de peso,
desses que sabem como se gapuia,
na terra firme meu andar é teso
e na água sempre eu fico de bubuia.
Si contra a panemice eu tenho veso,
e tomo banho só usando cuia,
isso é porque, graças a Deus, aceso,
tenho, nas veias, sangue de tapuia.
Sangue que enche de luz minha cabeça;
faz que eu esprema o murici do Sonho
e o sumo dele a todos ofereça...
Sumo que tira azar, tira caninga,
e que podem beber, pois eu o ponho
nesta puranga-été CUIA PITINGA! p. 9
XI
Sol a pino. Meio dia.
Ferve a panela de peixe,
sem que a mãe-velha Maria
de estar vigiando a deixe.
O Juca o terçado afia
e de lenha faz um feixe.
Isso para que a nhá tia
não reclame, não se queixe.
Estando o peixe cozido,
um prato de barro escolho
num paneiro assim metido.
No prato faço um pirão
de farinha d’água e molho
de sal, pimenta e limão. p. 23
XIII
Estamos no copiá.
É noite. O Remundo ensina
como se faz aturá
ao filho da nhá Sabina.
O Libório bebe um chá
de casas de louro e quina.
Com a tosse, que, após, lhe dá,
quase apaga a lamparina.
De dentro dum velho saco,
tiro uma faca de ponta
para migar meu tabaco.
Aí, então, o Remundo
se faz sabido e nos conta
casos de bichos do fundo. p. 25
XXV
É uma choça de palha de inajá,
de onde se avista, perto, o igarapé.
Nela, sempre, se bebe tacacá,
e, manhãzinha, é certo, o caribé.
Beijú, batata doce, mel, cará,
tudo se come na hora do café.
Às vezes, peixe assado também há,
com pimenta, limão e com chibé.
Depois do almoço, a cuia de açaí.
No copiá a rede de cipó,
onde me deito com o pensar em ti...
Camisa aberta, mostro o peito nu.
Feliz, ali, nada me aflige. Só
Acho que alguém me falta. Alguém que és tu. p.
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FLORES, Jacques. Cuia pitinga: humorismo da
Amazônia. Rio de Janeiro: Adersen-Editores, 1936.