Joaquim Gondim de
Albuquerque Lins, segundo O Portal da História do Ceará, nasceu em Sobral, no
dia 28 de agosto de 1889, filho de Jesuíno Figueira de Albuquerque Lins e Maria
de Nazareth Gondim Lins. Com 12 anos iniciou-se como aprendiz de tipógrafo e,
muito jovem, mudou-se para a Amazônia. Jornalista em Belém, trabalhou na “Folha
do Norte”, “O Jornal”, “O Tupi”, “A Província do Pará” e “Iracema”. Em Manaus
cursou a Faculdade de Direito, diplomando-se em 1926. Inspetor do Serviço de
Proteção aos índios, adentrou-se na região, colhendo importante material
etnográfico e conhecimento das línguas indígenas. Deputado Estadual, no
Amazonas. Retornou ao Ceará e ingressou na magistratura. Foi Juiz Municipal de
Santa Quitéria, Mombaça, Assaré e Missão Velha. Orador brilhante, poeta de
extrema sensibilidade: Membro da Sociedade Cearense de Geografia e História e
Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Publicou: Visões do Passado (1911); Através do Amazonas (1922); Folhas Secas
(1923); A Pacificação dos Parintins
(1925) Etnografia Indígena (1938), Flores e Espinhos (poesia), etc. Para o
teatro escreveu o drama pastoril “Natal de Jesus” e “É Buraco”, revista de costumes
amazonenses. Morreu em Fortaleza-CE, em 5 de setembro de 1939.
JOAQUIM
GONDIM E TARAUACÁ
Joaquim
Gondim viveu em Tarauacá, então vila Seabra, nos anos de 1911 e 1912. Aqui,
entre outras funções, foi Adjunto de Promotor Público do 1º. Termo da Comarca
do Tarauacá, e curador-geral de órfãos e ausentes; além de gerente, por pouco
mais de 6 meses, do jornal O Município,
de Pedro Leite. No período em que esteve em Tarauacá, sua presença foi assídua
na imprensa, tanto por meio de artigos quanto por meio de poesias.
Abaixo,
reproduzimos três textos publicados e retirados do jornal O Município, que era editado em Seabra desde 1910: o primeiro
comenta o surgimento do livro “Visões do Passado”; o segundo, é uma nota sobre o
desligamento de Gondim do jornal, a pedido deste, por motivos de viagem, à negócios,
ao rio Muru; e terceiro, e último, uma esclarecedora carta aberta, em que o autor
fornece preciosos dados da sua biografia. Não foi possível apurar se Joaquim
era parente de Mozart Donizetti Gondim, que, além do sobrenome em comum, ambos
eram naturais de Sobral, no Ceará.
Nota: atualizamos a grafia, tanto dos textos quanto dos poemas.
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Aparecerá
brevemente à luz da publicidade, nesta vila, o novo livro – “Visões do
Passado”, devido à pena do nosso companheiro Joaquim Gondim, esforçado cultor
da Arte Poética.
“Visões do Passado”
é um livrinho de 100 páginas, de versos escritor pelo autor e esparsamente
publicados em vários jornais do Brasil, dentre eles “O Jornal”, de Belém do
Pará; “O Rebate”, “A Nação”, “O Theatro”, “A Penna”, “O Corymbo”, “Correio
Pinheirense”, “A Alvorada”, “O Imparcial”, “O Municpio”, “A Cidade”, “O Tupá”,
“O Fanal”, “O Sol” e a “Província do Pará”; neste último como colaborador da
seção Os que começam, a título de
emulidade.
Joaquim Gondim é
membro da importante Oficina de Letras, de Belém e orador, licenciado, de
várias sociedades literárias. No Pará foi redator de diversos jornais, tendo
ultimamente fundado o “Correio Pinheirense”, hoje confiado à direção de seu
irmão, sr. Galdino Gondim Lins, autor do drama A vingança de Gilberto.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 26 de março de 1911, Ano II, N. 26, p.2
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Por motivos
particulares e independentes de nossa vontade, retirou-se do lugar que ocupava
nesta casa o sr. Joaquim Gondim no dia 18 deste mês.
Sentimos a sua
ausência, ainda mais porque não concorremos para este resultado como ele mesmo
confessou em nosso escritório; tanto assim que continuamos com as mesmas
relações que dantes existiam.
O sr. Gondim
demorar-se-á por uns quinze dias nesta vila, depois do que seguirá para um dos
nossos rios, segundo nos disse; cremos que para o Muru.
Que seja feliz,
quanto merece são os votos do Municipio.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 20 de agosto de 1911, Ano II, N. 47, p.2
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CARTA ABERTA
Meu caro C: - Dando
cumprimento à sua estimada cartinha relativamente ao infeliz individuo que
julgando-se conhecedor da minha vida público-particular, andou a externar
infâmias sobre a minha pessoa por meio de instrumentos clandestinos, tenho a dizer-lhe
em breves palavras:
Quanto ao 1.º
ponto: Que minha família é conhecida geralmente por quase toda a população
tarauacaense como pobre, porém, honesta, digna e laboriosa.
Quanto ao 2.º: -
Que iniciei a minha vida jornalística aos 13 anos de idade, quando publiquei os
meus primeiros jornais “A Bala” e “O Diabo”, em Sobral, Ceará, conforme consta
na revista do Instituto Histórico e Geográfico do mesmo Estado, dirigido pelo
sr. Barão de Studart; que aos 14 anos cheguei ao Pará, entrando como
compositor-tipográfico para as oficinas d’A
Provincia, de onde saí 2 anos depois, de espontânea vontade, passando-me
para “O Jornal”, trabalhei alguns anos como tipógrafo, passando mais tarde, a
chamado do íntegro jornalista sr. Major Licinio Silva, seu ex-diretot e atual
secretário da intendência de Manaus, para o corpo de reportagem, onde sempre me mantive debaixo das melhores referências
do conhecido jornalista; que sempre colaborei n’ “O Jornal”, em sua página de
honra, oferecendo para isso como testemunhas não só o íntegro e venerável
jornalista sr. Major Licinio Silva, como os srs. Dr. Genuino Maciel, acadêmico
Dejar Mendonça e major Luciano Magalhães, o primeiro rador d’ “O Correio da
Noite” e os dois últimos redator e gerente, respectivamente do “Jornal do Commercio”
de Manaus, todos estes cavalheiros, para mim conhecidos como caracteres
verdadeiros, a esse tempo pertencentes ao “Jornal”: que no Pará publiquei
inúmeros jornais e revistas, conjuntamente com alguns amigos, como sejam: a “A
Alvorad”, “O Tupá”, “O Fanal”, “O Theatro”, “O Correio Pinheirense”, “A Faca”, “A
Penna”, “O Sol”, “O Leque” e “A Nação” esta última como polianteia, no dia da
chegada do saudoso Dr. Afonso Penna ao Pará, com o talentoso advogado cearense
sr. Galdino Chaves e o esperançoso poeta Raymundo d’Oliveira, os quais me
coadjuvaram na parte redacional; que colaborei n’ “A Provincia do Pará”, na
seção Os que começam, a título de emulidade
e ultimamente tomava conta (em novembro do ano findo) d’ “O Rebate”, de Sobral,
na ausência do jornalista Vicente Loyola, deu diretor, a esse tempo acamado em
vista de uma intervenção cirúrgica a que se submeteu.
Quanto ao 3.º
ponto, tenho a dizer-lhe ainda: - Que fui orador oficial de várias sociedades
literárias – dançante e beneficente do Pará, como sejam: a Oficina de Letras, o
Grêmio Recreativo Pinheirense, o Clube Madame Sarmento, e a Liga Social das
Artes Gráficas, e ainda em dezembro de 1910, era convidado em Sobral para uma
comissão de mocos cearenses a tomar conta do mesmo cargo no Congresso Lítero-Sebralense,
para o qual era nomeado, cargo esse que aceitei de boa vontade, tendo que
deixar dias depois em vista de minha saída para Belém do Pará.
Esta é que é a
verdade, para a qual chamo a atenção da consciente população deste Termo.
Serei um indigno se
houver quem desminta qualquer um dos pontos contidos nesta resenha de verdades;
também chamarei de indigno o meu censor e difamador barato se não vier em
público contar a palinodia das suas infâmias, mostrando à guisa pérfida de
caluniador, a sua figura degenerada e sobre tudo digno de figurar n’um gabinete
de exposição antropométrica-policial.
É o que de coração
lhe diz o am.º sincero
Joaquim Gondim
Foz do Tarauacá,
25/12/911
O Municipio,
Tarauacá-AC, 28 de janeiro de 1912, Ano III, N. 70, p.3-4
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TELA CEARENSE
Manhã. Contemplo a
tela. O panorama é lindo
E lindo o próprio
mar que cintilante espelha.
No alto o
firmamento escuro-azul semelha
Um bojo magistral
de pérolas fulgindo.
Em tudo acresce o
encanto... Aqui, gentil, vermelha,
Desprende o agudo
canto uma jandaia. Infindo,
Ali palpita o lago
onde a brilhar, sorrindo,
O sol mergulha a
cauda argêntea de centelha.
Além, tudo redobra
a bela expectativa!
Em baixo, em verdes
tons, poética se aviva
A tela colossal dos
floridos palmares.
No alto,
atalaiando, em claro-azul demora
A serra gigantesca
onde Iracema outr’ora
Quebrara,
aventureira, a paz dos Tabajaras.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 26 de fevereiro de 1911, Ano II, N. 22, p.1
NOITE
Quando ao vivo
clamor de atroz melancolia
A noite se distende
em meio d’amplidão,
Ofuscando da tarde
o lívido clarão
E envolvendo de
crepe a abóboda sombria,
Palpita-me no peito
a dor da nostalgia;
E, como a ave a
gemer, sem ninho e sem paixão,
Pressinto
tristemente a voz do coração
Murmurar-me
baixinho o nome de Maria...
E, debalde, a
cismar, relembro seus olhares;
Ouvindo a cada
instante, em meio da tortura,
O soturno planger
da harpa dos pesares.
A nem sabe Maria o
quanto me entristece
Ver, ausente de si,
morrer a tarde pura
Ao triste badalar
do Angelus da prece.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 5 de março de 1911, Ano II, N. 23, p.1
HALLEY
Quando te vejo assim,
imaculado,
Quando te vejo
magistral, fecundo,
De cauda erguida,
olhar incendiado,
Do céu rompendo o
dorso mais profundo.
Quando penso que
agora agigantado
Vais de terror
amedrontando o mundo,
E, que depois,
vencido, esfacelado,
Hás de rolar nas
trevas morindo,
Certo, comparo a
tua vida à minha:
Outrora eu tinha
vida e luz eu tinha,
E muita luz e muita
mocidade...
Mas hoje às ilusões
esmaecendo,
Vou pressentindo o
coração morrendo
No perihelio imenso
da Saudade.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 12 de março de 1911, Ano II, N. 24, p.1
DIANTE DO MAR
Desça embora do
espaço em sublime transporte
O clarão do luar
majestoso e fecundo,
E de luz abrilhante
o teu dorso profundo,
E de amor o teu
seio acalante e conforte,
Que tu és sempre o
mar, sempre temível e forte
Gladiador da
procela e do vento iracundo,
O terror dos
bateis, o Netuno do mundo,
O tormento da
Noite, o sepulcro da Morte.
Mas, um dia virá,
em que tu’alma errante
Vergue aos pés da
Vingança; e o próprio céu, tremendo,
Desabe sobre ti do
pélago distante...
Então, como trovões
ecoando na serra,
Aplacado de horror,
sob os astros gemendo,
Hás de morto rolar
no coração da terra.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 19 de março de 1911, Ano II, N. 25, p.1
VISÕES DO PASSADO
A
Quintela Junior
Tempo grato e
feliz! Passado azul de outr’ora!
Quando n’alma seu
sentia o fogo de uma Aurora
Toda cheia de amor,
de luz, brilhante pura,
Não sei porque de
mim roubando a grata sorte
Fostes ceda da
vida, aos funerais da morte,
Cair pelos umbrais
da eterna desventura.
Tempo grato e
feliz! Passado de criança!
Quando à mente eu sentia
a luz de uma Esperança
Aclarando os gentis
rimários de meu Verso,
Não sei porque no
roxo ocaso da Saudade
Para sempre o meu
sonho azul da mocidade
Deixastes como um
sol em tenebras submerso.
Tempo grato e
feliz! Passado azul de gozo!
Quando à boca eu
sentia o pomo dulçuroso
Dos lábios liriais
de uma gentil menina,
Quando ao vivo
calor de palpitos desejos
Desprendia em seu
lábio um turbilhão de beijos,
Tão doces como o
doce aroma da bonina.
Tempo grato e
feliz! Passado azul de amores!
Relembro o vosso
céu, o vosso céu de flores,
Tão claro como a
luz de uma estação florida;
E quanto mais
relembro, em misterioso assomo
Sinto a alma a voar
pelos vergéis, bem como
Em serenas manhãs a
borboleta amada.
Tempo grato e
feliz! Passado azul de outr’ora!
Quando n’alma eu
sentia o fogo de uma Aurora
E o frescor de uma
Brisa em divinal açoite...
Por vós, como um
romance eterno de maldade,
Agora eu sinto o
peito ardente de saudade,
Agora eu trago
n’alma as trevas de uma noite.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 21 de maio de 1911, Ano II, N. 34, p.1
PARTINDO
Parto, minh’alma...
em vão, tudo é deserto e lento
E lenta vem a noite
além no descampado.
Nodoa o Sol de
sangue o azul do firmamento,
Tristonho e quase
extinto, ameno, apapoilado.
Nodoa... e tudo
vago : desde a serra ao prado.
O prado – esse
bendito doce isolamento
Do afeto – onde
nascera o nosso amor sonhado,
Entre os beijos da
tarde e os afagos do vento.
Parto... e que
importa o dar – esse cruel, tremendo
Martírio que me
aplaca e me tortura agora
E deixa o coração
em lágrimas gemendo...
Que importa! Se nas
ânsias desta mágoa infinda
Eu sigo satisfeito
a minha estrada em fora
Por saber que tu és
o meu amor ainda.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 16 de julho de 1911, Ano II, N. 42, p.1
23 DE JULHO
À
memória de Silveira Martins
Os mestres do
pincel, nas mais custosas telas
Procuram te moldar
a imagem cintilante,
Buscando a fantasia
eterna e palpitante
De mil traços de
luz e cores as mais belas.
Os ricos de
talento, em descrição brilhante
Modelam-te o perfil
e até procuram pelas
Sonoras vibrações
das notas mais singelas
Cantar do teu
passado o hino triunfante.
Mas eu, pobre
amador do Verso, mestre, apenas
Procuro manejando a
pena desditosa
Grafar o teu perfil
em frases mais amenas.
Frases cheias de
dor, que na mais terna calma
Te levam nesta data
infinda e lutuosa
A prece da saudade
imensa da minh’alma.
Vila Seabra, 23 de
Julho de 1911
O Municipio,
Tarauacá-AC, 23 de julho de 1911, Ano II, N. 43, p.1
EXCERTO DE UMA CARTA
Para
o meu amigo Dejard Mendonça
Lutei, muito lutei
para encontrá-la um dia
A sós... Mas,
celebrei um dia o pensamento:
Ela, em breve passo
inesperado, lento,
Transpunha do
colégio a vasta escadaria...
Sedento de paixão,
nesse feliz momento
Falei-lhe... Ela
corou... (suprema fantasia!)
Julguei os olhos
seus os olhos de Maria
Formosos, do Sinai
fitando o Firmamento.
Desde esse dia,
esse sublime ensejo,
Divina comunhão do
seu primeiro amor,
Suprema comunhão do
meu primeiro beijo,
Hemos levados a vida
em doce alacridade,
Como dois rouxinóis
pelos campos em flor
Cantando as ilusões
azuis da mocidade.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 6 de agosto de 1911, Ano II, N. 45, p.1
ACRÓSTICO
Ao
amigo Pantaleão
Senhor! Um lar na
terra é um Paraiso n’alma.
A alma é o grande
altar em cujo adro santo
Um dia, aos pés de
Deus, a criancinha em calma
De preces desfibrou
o seu primeiro canto.
A alma é a luminosa
fibra onipotente
Das noites de
tristeza, as noites de cismar,
E cofre onde
palpita o peito mais dolente,
Suspiros imortais
Serenos de luar.
Ditoso o que tem
alma e suspiroso passa
O tempo ante o seu
lar, distante da desgraça.
Gozar... nem sempre
o gozo aqui na humana terra
Em Sonhos e
venturas magistrais encerra
O que de muito
n’alma angélica perdura
Risonho o que, por
certo, vive de tristeza
Gozar demais vida é
vaidade acesa.
É dor que não tem
fim, é mal que não tem cura.
Santa Julia –
16-9-1911
O Municipio,
Tarauacá-AC, 8 de outubro de 1911, Ano II, N. 54, p.1
TRIBUNAL DO AMOR
Para
o Argemiro Alves de Lima
Vamos, minh’alma,
ao tribunal... É certo
Que em vão tentaste
assassinar-me a vida,
Ficando à pena
máxima infligida,
E eu, in totum, de razões coberto.
Bem vez? Diz todo o
inquérito aberto
Que de paixão me
apunhalaste o peito...
Não há portanto,
coração, Direito
Que te faça sair do
mal liberto.
Vamos...
Prossegue... Eis a denúncia feita.
A pena a que
tu’alma está sujeita
É muito justa –
alega o Promotor.
Vê qué conclusa a
formação de culpa,
E o Julgador teu
crime não desculpa
Pronunciando-te às
galés do amor.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 7 de janeiro de 1912, Ano III, N. 67, p.1
NUNCA MAIS!
Para
o Manoel de Moura Negrão
Vestiam-se de neve
os matagais... Disseste:
– Podes partir em
paz. O teu amor, querido,
O amor tão puro e
santo que a chorar me deste
Ficara ao meu peito
eternamente unido: –
Parti... Não sei se
jura ainda me fizeste...
Mas tenho na
memória em breve instante ouvido
O teu lábio dizer:
– o nosso amor reveste
Um laço de aliança
eternamente fido... –
Hoje – escravo de
ti, do teu olhar, sozinho,
Exilado de amor,
por tu’alma esquecido,
Passo a vida a
chorar como uma ave sem ninho.
Gemo, praguejo,
cismo, exclamo: aonde estais!?
E não responde
nunca! Apenas dolorido
Me fala o coração:
é de outro... nunca mais!
O Municipio,
Tarauacá-AC, 25 de fevereiro de 1912, Ano III, N. 74, p.3
PRIMAVERA
Não vês? Olha o
matiz! Perfumam-se de flores
Os campos imortais.
Sobre a plácida areia
A luz do loiro sol
poética pompeia
Como um lindo fanal
de esparsos esplendores.
Desponta a
Primavera. Em místicos olores
Embriaga a flor do
prado à brisa que vagueia.
E no verde ramal,
sutil bandolincia
O pássaro gazil dos
lúcidos amores.
Das pétalas gentis
de lindas violetas
Em sereno bailado,
em mágicos valsejos,
Fogem mansos cais
de loiras borboletas.
E elas partem n’um
voo, à perfumada esfera,
De azas soltas ao
sol em trêmulos adejos,
Saudando o
firmamento azul da Primavera.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 10 de março de 1912, Ano III, N. 76, p.1
SONETO
À
minha desolada irmã Lourdes
Irmã: como feliz eu
fora se te visse
Com aquele mesmo
rosto angélico, venusto,
Com aquele mesmo
olhar divinamente augusto
Lembrando qual da
lenda a deslumbrante Eunice.
Como feliz eu fora,
estrela, se sentisse
Teu peito de
alegria anda hoje onusto,
Se ainda na
minh’alma, alacrimente a custo
Embora, a tua voz
tão palpitante ouvisse.
Seria eu bem assim,
e mais clemente
O fado que hoje
arrasto, intérmino a vogar,
Vogar por sobre um
mar de desventura insana...
Mas, ao contrário,
irmã, te vendo assim doente,
Sou da dor o Sísifo
eterno a tatear
Pelo arco sem fim
d’esta existência humana.
O Municipio,
Tarauacá-AC, 14 de abirl de 1912, Ano III, N. 81, p.1