terça-feira, 16 de julho de 2019

ALTO JURUÁ: REGULAMENTO DE UM SERINGAL

UM SERINGAL MODELO

Publicamos em seguida o regulamento do seringal Humaitá, pertencente ao sr. tenente coronel Absolon Moreira, ativo proprietário do Alto Juruá. O nosso inteligente amigo tem-se dedicado fervorosamente à cultura da árvore da seringueira, contando já milhares de pés vingados. É que ele sabe ser previdente, enquanto os outros dormem.
Absolon Moreira é o primeiro da esquerda p/ direita; depois Dr. Souza Ramos, Antunes de Alencar e Assis Hollanda. O Malho, RJ, 26 de novembro de 1910, Ano IX, N.428
“Sendo claro que os bons resultados de um pessoal na organização e execução de qualquer empresa dependem especialmente da maneira por que ele próprio os promove, conto que os senhores colocados nas minhas propriedades se harmonizarão com o seguinte regulamento. Se em alguns casos este regulamento não estiver de acordo às opiniões, inclinações e costumes de alguns – espero que lembrem de que este regulamento foi feito para bem de todos.
Art. 1º – Cada trabalhador, além de uma cópia do contrato que tiver feito, mencionando o seu salário, se for empregado, ou a renda do seringal, se extrator de goma elástica, receberá uma conta mensal, descrevendo dia a dia os seus débitos, os recibos dos seus créditos e, com as datas de 30 de junho e 31 de dezembro de cada ano, uma conta corrente das suas transações, balanceadas e autenticadas com a minha firma.
Art. 2º – Os extratores são obrigados:
I.              A adotar o barro para segurar as tigelinhas na árvore e muito especialmente nas seringueiras boas.
II.            A usar no corte das seringueiras machadinho de ferro, que será fornecido pela casa, tendo de gume 0,03, no máximo.
III.           A colocar tigelinhas na circunferência da árvore em distâncias regulares de 2 palmos de uma à outra.
IV.          A principiar as arreações, no máximo, na altura de dezoito palmos, a contar do chão.
V.           A dar os golpes levemente, de modo só cortem a casca da árvore, sendo um abaixo do outro sucessivamente, para as arreações ficarem bem alinhadas, guardando sempre o espaço de 0,10 ou de meio palmo.
VI.          A tapar cuidadosamente as brocas que darem nas seringueiras das suas estradas, o que farão a torno de pau ou a barro.
VII.         A limpar bem as estradas antes de começar o corte e depois de terminada a safra.
VIII.       A ter toda a precaução e vigilância na defumação da borracha, a fim de evitar (entrefina), não devendo em caso algum aquecer o leite.
IX.          A possuir uma marca da casa, com um número especial, com que marcará em quatro partes a borracha.
X.           A dar preferência à casa na venda dos seus produtos, que não embarcar por conta própria.
XI.          A entregar de mês em mês a borracha extraída os fregueses da margem e de dois em dois os do centro ou em menores prazos, para o que serão previamente avisados.
XII.         A plantar, anualmente, pelo menos 1000 seringueirinhas os habitantes da margem e 500 os do interior nas circunvizinhanças das suas estradas e habitação, perto do qual plantarão também bananeiras, mandioca, milho, feijão e cana para o seu sustento.
Art. 3º – O arrendamento do seringal, para os que se regularem pelas cláusulas do artigo 2º deste regulamento, será de 15% pago em dinheiro corrente, descontado do líquido das contas de venda ou em borracha sobre a extraída.
Art. 4º – Fica isento do arrendamento supra quem vender os seus produtos à casa a preço convencionado.
Art. 5º – O trabalhador recém-chegado do Ceará, ou de outro Estado, com elementos da casa, não embarcará borracha por conta própria no primeiro ano de extração, concessão esta a que terá direito depois de fazer um fabrico e isto se der provas de trabalhador e de boa conduta.
Art. 6º – O trabalhador recém-vindo só obterá permissão de embarcar os seus produtos por conta própria se se distinguir pela assiduidade no trabalho e completo cumprimento dos seus deveres.
Art. 7º – Incorrerão na multa de 10$000 réis por cada seringueira:
I.              Os que embutirem as tigelinhas, em vez de pregá-las a barro, especialmente nas seringueiras boas.
II.            Os que empregarem no corte das seringueiras machadinho de aço ou de mais largura que 0,03.
III.           Os que danificarem a árvore com a penetração da machadinha além do entrecasco.
IV.          Os que fizerem tigelamento inferior a 0,40 de uma a outra tigelinha.
V.           Os que cortarem com espaço inferior a 0,10 de uma a outra ou salteadamente.
VI.          Os que não taparem as brocas das seringueiras das suas estradas.
VII.         Os que inverterem os usos preestabelecidos no trabalho, cortando de baixo para cima, etc.
Art. 8º – Serão multados anualmente em 60$000 réis:
I.              Os que não fizerem as plantações designadas no § XII do artigo 2º e na forma estipulada.
II.            Os que fizerem complicações de estradas.
III.           Os que não limparem as suas estradas.
IV.          Os que aquecerem o leite para defumar.
Art. 9º – O que comprar cachaça a regatões, sem prévia autorização do proprietário, será multado em 20$000 réis.
Art. 10º – É expressamente proibido:
I.              O jogo a dinheiro ou coisas equivalentes. Multa 20$000 réis.
II.            O uso de bala na agulha do rifle. Multa 20$000 réis.
III.           Atirar nas árvores úteis. Multa 20$000 réis.
IV.          A prática de armadilhas. Multa de 20$000 réis.
V.           Derrubar as palmeiras bacaba, açaí, patauá e outras árvores frutíferas, sob pena de multa de 20$000 réis por cada árvore destruída ou danificada.
Art. 11º – Serão agraciados anualmente:
I.              Com 100$000 réis os que se portarem com correção, tanto moral como no cumprimento das suas obrigações de extratores.
II.            Com 20$000 réis todos os que fizerem 400 quilos de produtos elásticos ou mais.
III.           Com 50$000 réis todos os que fizerem 450 quilos ou mais, comportando-se bem.
IV.          Com 100$000 réis os que obtiveram 500 quilos ou mais, com exemplar comportamento.
V.           Com 200$000 réis os que fizerem 500 de borracha fina ou mais, distinguindo-se por superior comportamento moral.
Art. 12º – Com cem réis por seringueirinha os que plantarem na margem mil e no centro quinhentas anualmente e mais 50 réis durante cada ano que o plantador permanecer na colocação, zelando-as sempre, até a entrega.
Art. 13º – Serão remunerados com a quantia de 300$000 réis, no máximo, os que fizerem ou deixarem plantações bem cuidadas na expiração do prazo do seu contrato; retirando-se antes, porém, terão apenas uma pequena indenização.
Art. 14º – Neste seringal não se aceita pessoa alguma em débito para com terceiros.
Art. 15º – A fiscalização do seringal será feita por corretores ou mateiros, que farão cumprir fielmente as disposições deste regulamento.


Jornal O Cruzeiro do Sul, Cruzeiro do Sul-AC, 15 de julho de 1906, Ano I, N.10, p.1