DADOS PARA A HISTÓRIA DE VILA SEABRA
Anastácio Rodrigues de Farias
Há muito que se
tornava de grande necessidade, a criação desta Prefeitura, porque esta rica
zona só pode caminhar para o progresso tendo a autonomia Prefeitural e
Municipal.
Graças
aos altos poderes da República e ao Marechal Hermes da Fonseca, esta ambição do
povo do Tarauacá, Muru e Embira tornou-se realidade, sendo breve o começo desta
nova fase, que entregue a sua primeira administração a homens honestos e
trabalhadores, a rica zona da nova Prefeitura, em pouco tempo poderá ser
apontada como modelo aos outros departamentos.
O
Departamento do Alto Juruá, com sede no Cruzeiro do Sul, pouco nos adiantou
enquanto estivemos debaixo de seu domínio, pois foi para nós sempre padrasto,
pelo que passamos a analisar os seus enviados, começando pelos delegados de
polícia, que sendo em crescido número, pouco adiantou-nos.
Chegados
aqui, sem recursos, passavam meses esperando que a Prefeitura mandasse e
desenganados, começavam a calotear o comercio, em nome da Prefeitura, sendo
muitas dezenas de contos de réis que os comerciantes ainda estão no desembolso,
aguardando melhores dias, para recebê-los.
A
11 de Março de 1905, chegou na lancha Tauaré,
o nosso 1º. Delegado, tenente Luiz Sombra, que representando o Prefeito General
Thaumaturgo de Azevedo, organizou de alguma forma o policiamento, criando em
cada seringal um inspetor de quarteirão e pacificou questões que existiam entre
os proprietários de seringais, ficando moralizadas as contínuas queixas com os
confinantes destes seringais, sobre estradas de seringueiras. Autorizou a
celebração de casamentos, sem estarem competente despacho do Juiz de Distrito
nos autos, levando estes para o arquivo do Juizado de Paz. Levou de diversas
pessoas procuração para requerer terras devolutas quando fosse criada a
repartição de terras, não se sabendo o resultado de tais procurações que foram
acompanhados de quinze mil réis, a título de selos e reconhecimentos de firmas.
Vindo,
em Maio na lancha Saracura, deste
mesmo ano, chegou o capitão Guapindaia, que vinha em comissão abrir inquérito
na questão Teixeira e Menezes.
Em
sucessão ao segundo chegou aqui em Junho do mesmo ano, o delegado Pinheiro,
acompanhado de Marcolino Duarte de Oliveira; chegando esta autoridade intimou a
vir à sua presença o comerciante José Augusto Fernandes Teixeira, que não
comparecendo, motivou o tiroteio, em que foram vítimas o Delegado, Fernandes
Teixeira, o escrivão do Posto, e um seringueiro do Estirão. Foi este o efeito
do terceiro enviado da Prefeitura, que sem ter tempo de armar a rede, dormiu o
sono eterno, em companhia de três vítimas.
Para substituir o
delegado morto, chegou o tenente Thomé que pacificou os ânimos que se achavam
exaltados em consequência do tiroteio Teixeira, deixando de sua passagem muitos
amigos; um dos delegados modelos.
Sucedeu o tenente
Thomé, o enfatuado moço Carneiro Monteiro, que por ser filho de alta personagem
pouca importância ligou ao cargo a que vinha investido, retirando-se para o Rio
de Janeiro.
Depois
de Carneiro Monteiro, substituiu-o o tenente Correa Lima, com seu povo heroico de minha terra, nada
fazendo, prometendo muito.
Correa Lima foi
substituído pelo sr. Arraes, que muito se ocupava no jogo, deixando a polícia
em pleno abandono; homem viciado na jogatina, uma ocasião escondeu no bico da
chinela uma nota de quinhentos mil réis, culpando depois um velho honrado de
haver roubado o dito dinheiro, verificando-se ele próprio tinha ocultado para
não pagar o que devia a Antonio Alves de Andrade.
Ao
delegado jogador veio-nos Manoel do Valle Silva, homem violento e irrefletido,
tendo como resultado de sua violência o espaldeiramento de Alexandre, que
morreu horas depois em consequência de muitos ferimentos. Foi na gestão desta
autoridade que em Cocamera foi assassinado o seu proprietário Angelo da Silva,
resultando do inquérito feito por esta autoridade a soltura dos criminosos.
Este foi um dos delegados que mais prejudicou o comércio em nome da Prefeitura.
Com a retirada de Valle Silva para o Cruzeiro do Sul, foi nomeado Thiago de
Figueiredo, que passou nesta localidade, como um cometa. Foi delegado da
Prefeitura e da Junta Governativa do Juruá.
Com
a queda da revolução, e normalizado o Departamento, chegou como delegado
regional o dr. Agripino Nazareth, que organizou os comissários de polícia, e
fez uma excursão nos rios Muru e Tarauacá, sendo de útil proveito se não fosse
este competente moço, substituído por Antonio Pereira da Silva, nada adiantando
por exercer o cargo pouco tempo.
Em
penúltimo lugar esteve no cargo o sr. capitão Góes, que fez publicar um boletim
pelo qual o exm.º Prefeito o demitiu.
Por
último chegou para assumir o cargo o sr. major Honorio de Pontes, quando
tivemos a notícia do desmembramento deste rio do do Juruá, continuando o mesmo
em exercício, até que venha a nova organização, podendo o sr. major Delegado
fechar a polícia desta vila, com chave de ouro, pois é o último, assim cremos,
se bem que não seja muito lisonjeiro o número que completam pois é o 13
delegado que tivemos enquanto fomos governado pelo Juruá.
POSTO
FISCAL
O
Posto Fiscal foi uma repartição anarquizada no começo de sua fundação, em parte
motivada pelos chefes interinos nomeados pela Prefeitura. Provamos com os
fatos:
Chegando
a esta vila, em 1.º de Janeiro de 1905, o sr. Honorio José Teixeira, escrivão,
em exercício de encarregado, procurou desarmonizar-se com o comerciante José
Augusto Fernandes Teixeira, não consentindo a construção de uma barraca no lado
Itamaraty, em frente com o lado de Oliveira, Andrade & Ca., motivando esta
recusa terem alguns engenheiros dito, que derrubada a mata o rio sacava e
desapareceria o lado acima causando imenso prejuízo a mesma (parte ilegível)
inimiga de Fernandes Teixeira. Para ser executada esta ordem do encarregado
houve aparato bélico, sendo requisitado força do seringal vizinho. Foi este o
primeiro ato de Honorio.
Sem
ter o tino administrativo este chefe depositou todo o seu prestígio no patrão
Gerado que tudo fazia tendo o apoio de seu chefe, muito lucrando, pois dispondo
de seis remadores tinha criados e trabalhadores à vontade.
Com o auxílio
destes homens construiu a casa onde hoje reside o comerciante Sapha.
O
Posto sendo uma repartição fiscal era hospedaria, hotel, botequim e casa de
jogo, e muitas vezes, transformado em cadeia, porque naquele tempo o Posto
Fiscal acumulava tudo.
Muitos
cunhetes de balas gastou-se em tiroteio, pois este chefe tinha uma mania dos
tiroteios festivos.
Estava
nessa fase complicado quando chegou do Rio de Janeiro, o coronel Bemvindo
Meira, nomeado efetivo, acabando com a hospedaria, hotel e cadeia existente,
ficando em pouco tempo normalizada. Foi rápida a sua passagem neste Posto, não
tendo tempo de aprender o nome do rio em que andou, conforme diz em seu
Relatório de 1906.
Saindo
Meira, foi nomeado pelo Sombra o coronel Marcos Oliveira, ficando pouco tempo,
por ter de passar o exercício a Mario Azambuja, nomeado pela Prefeitura. Este
chefe era honesto, cobrando em duas
vias de um documento dois selos, ficando com parte em seu bolso. Foi no tempo
deste encarregado que se deu o tiroteio em Itamaraty: morrendo Afonso Alves,
Escrivão do Posto, Teixeira, um seringueiro e o Delegado. Nessa noite Azambuja
atravessou a nado duas vezes os rios Muru e Tarauacá, saindo ilesos, e a muito
custo convenceu-se que não estava ferido.
Com
a visita do Dr. Virgolino a esta vila, acompanhou-o José Pereira de Araujo
Barros que foi nomeado interino ficando o Posto, pela segunda vez, anarquizado,
demitidos os seus remadores, e transformado em cadeia e hotel. Em substituição
aos remadores Pereira arranjou uma preta que era sua amasia e cozinheira,
figurando nas folhas de pagamento como remador.
Nesta
época chegou com nomeação efetiva, Marcos Oliveira que assumindo teve que pedir
exoneração, por ter o Dr. Virgolino de Alencar removido-o para o Posto do
Jurupary, continuando em exercício, o mesmo Pereira, que mais tarde retirou-se
levando o rendimento do Posto, da Capatazia e Prefeitura, para prestação de
contas em Cruzeiro do Sul, indo embora de S. Felipe para Manaus, ficando a
Fazenda livre do encarregado e do cobre.
Não
se conformando o Ministro com o pedido de demissão de Marcos Oliveira ordenou
que o Prefeito o reconduzisse ao cargo, assumindo a muito custo, normalizou de
novo a ordem perturbada por Pereira, sendo porém pouco tempo que esteve em
exercício, porque sem ser esperado chega Frederico Barbosa, nomeado interino,
por ter o Prefeito lido em um jornal a demissão a pedido de Oliveira.
Passado
o exercício, Barbosa tornou-se outra vez a anarquizar a repartição, por querer
o Delegado Correa Lima, ter ação no Posto, mania dos primeiros delegados em
confundir as atribuições policiais com o fisco.
Resultou dessa discórdia de Barbosa e Correa Lima, a retirada de Barbosa
para o Cruzeiro do Sul, queixar-se ao Prefeito, q’ atendendo mandou que o mesmo
viesse assumir novamente o cargo. Ficou em exercício o escrivão Anibal, que
mudou o Posto desta vila para a Leoncio de Andrade. Chegando em Manaus o
coronel Marcos de Oliveira verificou o engano de sua demissão, voltou a
reassumir, continuando até a presente data.
E
hoje o Posto Fiscal uma repartição moralizada, muito custando o que é, graças
aos seus encarregados efetivos. O coronel Oliveira muito custou a assumir o
cargo, parecendo haver no começo mal entendidos a sua pessoa, fazendo com que
ele lutasse para chegar a chefiar esta repartição, o que faz com zelo e
dedicação. (O MUNICIPIO, Tarauacá-AC, 24 de novembro de
1912, Ano III, N.113, p.3)
Os
Juízes de Paz estiveram em desordem, apesar de sempre estarem em organização.
Em todos estes rios pertencentes a esta região, foram poucos os atos praticados
por estas autoridades, que não sejam nulos. Os casamentos que deviam ser
escrupulosamente praticados, era exatamente onde muito pouco escrúpulo havia.
Contando-se mais de uma centena de casamentos, são quase todos anuláveis, pela
falta de compromisso do Juiz, que nomeado sem ter autorização alguma começava a
casa a torto e a direito. Autoridades sem remuneração, pouco ligavam a
investidura do cargo.
O
Juizado de Paz desta vila, sendo fundado pelo general Thaumaturgo e empossado
pelo seu representante Luiz Sombra, foi seu primeiro juiz, o coronel José
Victorino de Menezes, que presidiu o ato de diversos casamentos, faltando o
processado do Juiz de Distrito; não teve culpa porque foi autorizado pelo
tenente Sombra. Com a organização dos Termos Judiciários, passando esta de
circunscrição a distrito sendo o nono, vindo como Juiz o sr. Vicente Alves de
Oliveira, que fez uma viagem ao Tarauacá.
Com
a retirada deste Juiz, foi nomeado, estando em exercício até que veio a
revolução do Cruzeiro do Sul, o sr. coronel José Vicente de Assumpção. Depois
da queda da revolução foi nomeado a atual, que muito custou a ter uma ação
decisiva, pela situação, criada aqui, pelo suplente de Juiz Preparador, não o
reconhecendo como autoridade legal. Com a administração do capitão Rego Barros
foram modificados os juízes de Paz, ficando sendo este o primeiro Distrito.
Nunca
foi possível organizar-se este Juízo, pois sem recursos, os livros existentes
acham em condições de irem diretos para a vala comum. A estatística pedida pela
repartição de estatística do Rio de Janeiro nunca foi possível mandar pela
falta de ordem que existe. Só existe neste Termo um só juiz legal: o neste Distrito.
Com
a organização dos Termos, em nunca entender ocasião de ver em exercício dois
suplentes sem se saber deles o legal, a ponto de um dia quererem que o segundo
suplente, José Richelieu de Andrade assumisse o exercício para decidir uma
questão, em que era advogado, Pompilio Borges, estando em exercício Ulisses
Castelo Branco e Amarante. Outro fato igual a este deu-se com o primeiro
suplente, na fundação deste Juizo, um senhor Carvalho que estando em exercício, o Prefeito nomeou
Frederico Torres Neto, dizendo que tinha havido engano na nomeação de Carvalho.
Torres Neto fez confusão no fórum, e no inventário de Porfirio, dando soltura
por “habeas-corpus” em uma prisão feita pelo Delegado Raymundo Arraes. Em
Dezembro de 1908, chegou o primeiro juiz formado, dr. Carlos de Rezende, que
julgou-se acima das leis e mandou espancar um guarda da Delegacia, por ter este
pilheriado, com uma mulher que estava por conta do Juiz. O dr. Rezende pouco
demorou se passando o cargo ao suplente Ulisses, passando este mais tarde ao
major Lebre. Quando triunfou a revolução do Juruá, estava no cargo o dr.
Belford, que muito fez organizado os autos crimes que existiam arquivados,
remetendo ao Juiz competente. Moço distinto, de fino trato, conquistou muitas
simpatias, porém devido a revolução retirou-se para o Rio de Janeiro, só
voltando depois que fracassou a mesma, assumindo novamente, demorando-se pouco,
voltando novamente ao Rio.
Passou
ao cargo de 1.º suplente, major Lebre, que provocou a questão, com o Juizado de
Paz, não querendo reconhecer o Juiz nomeado, pelo Prefeito Pedro Avelino. (O
MUNICIPIO, Tarauacá-AC, 1 de dezembro de 1912, Ano III, N.114, p.3-4)
Resultou
dessa recusa a intervenção do Prefeito e do Juiz de Direito, tendo concorrido
para um fim lisonjeiro, o dr. Agripino Nazareth. Baixando em Novembro do ano
passado, o major Lebre, passa o exercício a Antonio Alves de Andrade, 2.ºa
suplente, sendo que este deixou por o ter de assumir o dr. Araújo Jorge, que
pouco demorou-se, saindo em Maio indo para o Rio de Janeiro, deixando entregue
o cargo a Antonio Andrade, que poucos dias esteve, para ceder ao capitão
Bacellar. Com a baixada deste novamente foi elevado ao cargo permanecendo até a
presente data. Pelo que exponho vê-se que só houve discórdia na justiça, quando
estiveram em exercício os suplentes, que são nomeados, pela Prefeitura. (O
MUNICIPIO, Tarauacá-AC, 8 de dezembro de 1912, Ano III, N.115, p.4)
Difícil
é historiar a sede escolar d’esta vila, sempre complicada devido a falta de
professores e recursos, nunca preenchendo as exigências da população d’esta
vila. Criada a escola mista “Alcindo Guanabara”, pelo Prefeito dr. Virgolino,
funcionou no lado da vila Leoncio de Andrade sob a regência de d. Virginia que,
não tendo casa nem recursos, andava com os meninos, procurando onde devia dar
aula.
Demitida
d. Virginia, foi nomeado o competente estudante de direito, Sansão Gomes de
Souza, eu continuando sem casa para dar aula, foi-lhe oferecida a casa de
Anastácio Farias, funcionando pouco tempo, sendo substituído por Luiz Felipe,
ébrio habitual; viveu em constante capoeiragem, com as árvores do extinto
bosque “Aluízio de Abreu”; felizmente zarpou se dando o lugar ao sr. Raymundo
Arraes, delegado e professor, que, contrário a Guerra Junqueiro, dizia:
“feche-se a escola e abra-se o jogo”, ficando a escola em abandono e ele à banca do jogo. Demitido Arraes, substituiu-o
o professor Abreu, retirando-se sem nada ensinar aos pequenos.
Como
elemento competente tivemos o professor Amarante, que em curto espaço de tempo,
deu alguma luz aos seus alunos, fazendo exame, notando-se adiantamento durante
o seu tirocínio escolar. Sendo também bastante habilitado, não podia
sujeitar-se a mesquinho ordenado e
aliada ter de esperar que a Prefeitura um dia mandasse ou não os seus ordenados.
Saindo, deixou a escola entregue a Joaquim Nogueira Bezerra, que sem ter
nomeação, permaneceu pouco tempo, sendo substituído pelo atual, José Julio
Nogueira, que aqui continua a lutar com a falta de elementos, não tendo
expediente e funcionado em uma casa quase em ruínas.
Julgo,
com a história que fiz, ter cumprido com o dever de mostrar ao público, o que
foi a administração pública d’este rio e d’esta Vila Seabra durante o tempo que
estivemos sob o domínio da Prefeitura do Alto Juruá.
Anastacio R. de
Farias
O MUNICIPIO,
Tarauacá-AC, 15 de dezembro de 1912, Ano III, N.116, p.4
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