sábado, 22 de junho de 2019

DADOS PARA A HISTÓRIA DE VILA SEABRA

PREFEITURA
DADOS PARA A HISTÓRIA DE VILA SEABRA 
Anastácio Rodrigues de Farias 

Há muito que se tornava de grande necessidade, a criação desta Prefeitura, porque esta rica zona só pode caminhar para o progresso tendo a autonomia Prefeitural e Municipal.
Graças aos altos poderes da República e ao Marechal Hermes da Fonseca, esta ambição do povo do Tarauacá, Muru e Embira tornou-se realidade, sendo breve o começo desta nova fase, que entregue a sua primeira administração a homens honestos e trabalhadores, a rica zona da nova Prefeitura, em pouco tempo poderá ser apontada como modelo aos outros departamentos.
O Departamento do Alto Juruá, com sede no Cruzeiro do Sul, pouco nos adiantou enquanto estivemos debaixo de seu domínio, pois foi para nós sempre padrasto, pelo que passamos a analisar os seus enviados, começando pelos delegados de polícia, que sendo em crescido número, pouco adiantou-nos.
Chegados aqui, sem recursos, passavam meses esperando que a Prefeitura mandasse e desenganados, começavam a calotear o comercio, em nome da Prefeitura, sendo muitas dezenas de contos de réis que os comerciantes ainda estão no desembolso, aguardando melhores dias, para recebê-los.
A 11 de Março de 1905, chegou na lancha Tauaré, o nosso 1º. Delegado, tenente Luiz Sombra, que representando o Prefeito General Thaumaturgo de Azevedo, organizou de alguma forma o policiamento, criando em cada seringal um inspetor de quarteirão e pacificou questões que existiam entre os proprietários de seringais, ficando moralizadas as contínuas queixas com os confinantes destes seringais, sobre estradas de seringueiras. Autorizou a celebração de casamentos, sem estarem competente despacho do Juiz de Distrito nos autos, levando estes para o arquivo do Juizado de Paz. Levou de diversas pessoas procuração para requerer terras devolutas quando fosse criada a repartição de terras, não se sabendo o resultado de tais procurações que foram acompanhados de quinze mil réis, a título de selos e reconhecimentos de firmas.
Vindo, em Maio na lancha Saracura, deste mesmo ano, chegou o capitão Guapindaia, que vinha em comissão abrir inquérito na questão Teixeira e Menezes.
Em sucessão ao segundo chegou aqui em Junho do mesmo ano, o delegado Pinheiro, acompanhado de Marcolino Duarte de Oliveira; chegando esta autoridade intimou a vir à sua presença o comerciante José Augusto Fernandes Teixeira, que não comparecendo, motivou o tiroteio, em que foram vítimas o Delegado, Fernandes Teixeira, o escrivão do Posto, e um seringueiro do Estirão. Foi este o efeito do terceiro enviado da Prefeitura, que sem ter tempo de armar a rede, dormiu o sono eterno, em companhia de três vítimas.
Para substituir o delegado morto, chegou o tenente Thomé que pacificou os ânimos que se achavam exaltados em consequência do tiroteio Teixeira, deixando de sua passagem muitos amigos; um dos delegados modelos.
Sucedeu o tenente Thomé, o enfatuado moço Carneiro Monteiro, que por ser filho de alta personagem pouca importância ligou ao cargo a que vinha investido, retirando-se para o Rio de Janeiro.
Depois de Carneiro Monteiro, substituiu-o o tenente Correa Lima, com seu povo heroico de minha terra, nada fazendo, prometendo muito.
Correa Lima foi substituído pelo sr. Arraes, que muito se ocupava no jogo, deixando a polícia em pleno abandono; homem viciado na jogatina, uma ocasião escondeu no bico da chinela uma nota de quinhentos mil réis, culpando depois um velho honrado de haver roubado o dito dinheiro, verificando-se ele próprio tinha ocultado para não pagar o que devia a Antonio Alves de Andrade.
Ao delegado jogador veio-nos Manoel do Valle Silva, homem violento e irrefletido, tendo como resultado de sua violência o espaldeiramento de Alexandre, que morreu horas depois em consequência de muitos ferimentos. Foi na gestão desta autoridade que em Cocamera foi assassinado o seu proprietário Angelo da Silva, resultando do inquérito feito por esta autoridade a soltura dos criminosos. Este foi um dos delegados que mais prejudicou o comércio em nome da Prefeitura. Com a retirada de Valle Silva para o Cruzeiro do Sul, foi nomeado Thiago de Figueiredo, que passou nesta localidade, como um cometa. Foi delegado da Prefeitura e da Junta Governativa do Juruá.
Com a queda da revolução, e normalizado o Departamento, chegou como delegado regional o dr. Agripino Nazareth, que organizou os comissários de polícia, e fez uma excursão nos rios Muru e Tarauacá, sendo de útil proveito se não fosse este competente moço, substituído por Antonio Pereira da Silva, nada adiantando por exercer o cargo pouco tempo.
Em penúltimo lugar esteve no cargo o sr. capitão Góes, que fez publicar um boletim pelo qual o exm.º Prefeito o demitiu.
Por último chegou para assumir o cargo o sr. major Honorio de Pontes, quando tivemos a notícia do desmembramento deste rio do do Juruá, continuando o mesmo em exercício, até que venha a nova organização, podendo o sr. major Delegado fechar a polícia desta vila, com chave de ouro, pois é o último, assim cremos, se bem que não seja muito lisonjeiro o número que completam pois é o 13 delegado que tivemos enquanto fomos governado pelo Juruá.

POSTO FISCAL

O Posto Fiscal foi uma repartição anarquizada no começo de sua fundação, em parte motivada pelos chefes interinos nomeados pela Prefeitura. Provamos com os fatos:
Chegando a esta vila, em 1.º de Janeiro de 1905, o sr. Honorio José Teixeira, escrivão, em exercício de encarregado, procurou desarmonizar-se com o comerciante José Augusto Fernandes Teixeira, não consentindo a construção de uma barraca no lado Itamaraty, em frente com o lado de Oliveira, Andrade & Ca., motivando esta recusa terem alguns engenheiros dito, que derrubada a mata o rio sacava e desapareceria o lado acima causando imenso prejuízo a mesma (parte ilegível) inimiga de Fernandes Teixeira. Para ser executada esta ordem do encarregado houve aparato bélico, sendo requisitado força do seringal vizinho. Foi este o primeiro ato de Honorio.
Sem ter o tino administrativo este chefe depositou todo o seu prestígio no patrão Gerado que tudo fazia tendo o apoio de seu chefe, muito lucrando, pois dispondo de seis remadores tinha criados e trabalhadores à vontade.
Com o auxílio destes homens construiu a casa onde hoje reside o comerciante Sapha.
O Posto sendo uma repartição fiscal era hospedaria, hotel, botequim e casa de jogo, e muitas vezes, transformado em cadeia, porque naquele tempo o Posto Fiscal acumulava tudo.
Muitos cunhetes de balas gastou-se em tiroteio, pois este chefe tinha uma mania dos tiroteios festivos.
Estava nessa fase complicado quando chegou do Rio de Janeiro, o coronel Bemvindo Meira, nomeado efetivo, acabando com a hospedaria, hotel e cadeia existente, ficando em pouco tempo normalizada. Foi rápida a sua passagem neste Posto, não tendo tempo de aprender o nome do rio em que andou, conforme diz em seu Relatório de 1906.
Saindo Meira, foi nomeado pelo Sombra o coronel Marcos Oliveira, ficando pouco tempo, por ter de passar o exercício a Mario Azambuja, nomeado pela Prefeitura. Este chefe era honesto, cobrando em duas vias de um documento dois selos, ficando com parte em seu bolso. Foi no tempo deste encarregado que se deu o tiroteio em Itamaraty: morrendo Afonso Alves, Escrivão do Posto, Teixeira, um seringueiro e o Delegado. Nessa noite Azambuja atravessou a nado duas vezes os rios Muru e Tarauacá, saindo ilesos, e a muito custo convenceu-se que não estava ferido.
Com a visita do Dr. Virgolino a esta vila, acompanhou-o José Pereira de Araujo Barros que foi nomeado interino ficando o Posto, pela segunda vez, anarquizado, demitidos os seus remadores, e transformado em cadeia e hotel. Em substituição aos remadores Pereira arranjou uma preta que era sua amasia e cozinheira, figurando nas folhas de pagamento como remador.
Nesta época chegou com nomeação efetiva, Marcos Oliveira que assumindo teve que pedir exoneração, por ter o Dr. Virgolino de Alencar removido-o para o Posto do Jurupary, continuando em exercício, o mesmo Pereira, que mais tarde retirou-se levando o rendimento do Posto, da Capatazia e Prefeitura, para prestação de contas em Cruzeiro do Sul, indo embora de S. Felipe para Manaus, ficando a Fazenda livre do encarregado e do cobre.
Não se conformando o Ministro com o pedido de demissão de Marcos Oliveira ordenou que o Prefeito o reconduzisse ao cargo, assumindo a muito custo, normalizou de novo a ordem perturbada por Pereira, sendo porém pouco tempo que esteve em exercício, porque sem ser esperado chega Frederico Barbosa, nomeado interino, por ter o Prefeito lido em um jornal a demissão a pedido de Oliveira.
Passado o exercício, Barbosa tornou-se outra vez a anarquizar a repartição, por querer o Delegado Correa Lima, ter ação no Posto, mania dos primeiros delegados em confundir as atribuições policiais com o fisco.  Resultou dessa discórdia de Barbosa e Correa Lima, a retirada de Barbosa para o Cruzeiro do Sul, queixar-se ao Prefeito, q’ atendendo mandou que o mesmo viesse assumir novamente o cargo. Ficou em exercício o escrivão Anibal, que mudou o Posto desta vila para a Leoncio de Andrade. Chegando em Manaus o coronel Marcos de Oliveira verificou o engano de sua demissão, voltou a reassumir, continuando até a presente data.
E hoje o Posto Fiscal uma repartição moralizada, muito custando o que é, graças aos seus encarregados efetivos. O coronel Oliveira muito custou a assumir o cargo, parecendo haver no começo mal entendidos a sua pessoa, fazendo com que ele lutasse para chegar a chefiar esta repartição, o que faz com zelo e dedicação. (O MUNICIPIO, Tarauacá-AC, 24 de novembro de 1912, Ano III, N.113, p.3)

Os Juízes de Paz estiveram em desordem, apesar de sempre estarem em organização. Em todos estes rios pertencentes a esta região, foram poucos os atos praticados por estas autoridades, que não sejam nulos. Os casamentos que deviam ser escrupulosamente praticados, era exatamente onde muito pouco escrúpulo havia. Contando-se mais de uma centena de casamentos, são quase todos anuláveis, pela falta de compromisso do Juiz, que nomeado sem ter autorização alguma começava a casa a torto e a direito. Autoridades sem remuneração, pouco ligavam a investidura do cargo.
O Juizado de Paz desta vila, sendo fundado pelo general Thaumaturgo e empossado pelo seu representante Luiz Sombra, foi seu primeiro juiz, o coronel José Victorino de Menezes, que presidiu o ato de diversos casamentos, faltando o processado do Juiz de Distrito; não teve culpa porque foi autorizado pelo tenente Sombra. Com a organização dos Termos Judiciários, passando esta de circunscrição a distrito sendo o nono, vindo como Juiz o sr. Vicente Alves de Oliveira, que fez uma viagem ao Tarauacá.
Com a retirada deste Juiz, foi nomeado, estando em exercício até que veio a revolução do Cruzeiro do Sul, o sr. coronel José Vicente de Assumpção. Depois da queda da revolução foi nomeado a atual, que muito custou a ter uma ação decisiva, pela situação, criada aqui, pelo suplente de Juiz Preparador, não o reconhecendo como autoridade legal. Com a administração do capitão Rego Barros foram modificados os juízes de Paz, ficando sendo este o primeiro Distrito.
Nunca foi possível organizar-se este Juízo, pois sem recursos, os livros existentes acham em condições de irem diretos para a vala comum. A estatística pedida pela repartição de estatística do Rio de Janeiro nunca foi possível mandar pela falta de ordem que existe. Só existe neste Termo um só juiz legal: o neste Distrito.
Com a organização dos Termos, em nunca entender ocasião de ver em exercício dois suplentes sem se saber deles o legal, a ponto de um dia quererem que o segundo suplente, José Richelieu de Andrade assumisse o exercício para decidir uma questão, em que era advogado, Pompilio Borges, estando em exercício Ulisses Castelo Branco e Amarante. Outro fato igual a este deu-se com o primeiro suplente, na fundação deste Juizo, um senhor Carvalho  que estando em exercício, o Prefeito nomeou Frederico Torres Neto, dizendo que tinha havido engano na nomeação de Carvalho. Torres Neto fez confusão no fórum, e no inventário de Porfirio, dando soltura por “habeas-corpus” em uma prisão feita pelo Delegado Raymundo Arraes. Em Dezembro de 1908, chegou o primeiro juiz formado, dr. Carlos de Rezende, que julgou-se acima das leis e mandou espancar um guarda da Delegacia, por ter este pilheriado, com uma mulher que estava por conta do Juiz. O dr. Rezende pouco demorou se passando o cargo ao suplente Ulisses, passando este mais tarde ao major Lebre. Quando triunfou a revolução do Juruá, estava no cargo o dr. Belford, que muito fez organizado os autos crimes que existiam arquivados, remetendo ao Juiz competente. Moço distinto, de fino trato, conquistou muitas simpatias, porém devido a revolução retirou-se para o Rio de Janeiro, só voltando depois que fracassou a mesma, assumindo novamente, demorando-se pouco, voltando novamente ao Rio.
Passou ao cargo de 1.º suplente, major Lebre, que provocou a questão, com o Juizado de Paz, não querendo reconhecer o Juiz nomeado, pelo Prefeito Pedro Avelino. (O MUNICIPIO, Tarauacá-AC, 1 de dezembro de 1912, Ano III, N.114, p.3-4)

Resultou dessa recusa a intervenção do Prefeito e do Juiz de Direito, tendo concorrido para um fim lisonjeiro, o dr. Agripino Nazareth. Baixando em Novembro do ano passado, o major Lebre, passa o exercício a Antonio Alves de Andrade, 2.ºa suplente, sendo que este deixou por o ter de assumir o dr. Araújo Jorge, que pouco demorou-se, saindo em Maio indo para o Rio de Janeiro, deixando entregue o cargo a Antonio Andrade, que poucos dias esteve, para ceder ao capitão Bacellar. Com a baixada deste novamente foi elevado ao cargo permanecendo até a presente data. Pelo que exponho vê-se que só houve discórdia na justiça, quando estiveram em exercício os suplentes, que são nomeados, pela Prefeitura. (O MUNICIPIO, Tarauacá-AC, 8 de dezembro de 1912, Ano III, N.115, p.4)

Difícil é historiar a sede escolar d’esta vila, sempre complicada devido a falta de professores e recursos, nunca preenchendo as exigências da população d’esta vila. Criada a escola mista “Alcindo Guanabara”, pelo Prefeito dr. Virgolino, funcionou no lado da vila Leoncio de Andrade sob a regência de d. Virginia que, não tendo casa nem recursos, andava com os meninos, procurando onde devia dar aula.
Demitida d. Virginia, foi nomeado o competente estudante de direito, Sansão Gomes de Souza, eu continuando sem casa para dar aula, foi-lhe oferecida a casa de Anastácio Farias, funcionando pouco tempo, sendo substituído por Luiz Felipe, ébrio habitual; viveu em constante capoeiragem, com as árvores do extinto bosque “Aluízio de Abreu”; felizmente zarpou se dando o lugar ao sr. Raymundo Arraes, delegado e professor, que, contrário a Guerra Junqueiro, dizia: “feche-se a escola e abra-se o jogo”, ficando a escola em abandono e ele à  banca do jogo. Demitido Arraes, substituiu-o o professor Abreu, retirando-se sem nada ensinar aos pequenos.
Como elemento competente tivemos o professor Amarante, que em curto espaço de tempo, deu alguma luz aos seus alunos, fazendo exame, notando-se adiantamento durante o seu tirocínio escolar. Sendo também bastante habilitado, não podia sujeitar-se  a mesquinho ordenado e aliada ter de esperar que a Prefeitura um dia mandasse ou não os seus ordenados. Saindo, deixou a escola entregue a Joaquim Nogueira Bezerra, que sem ter nomeação, permaneceu pouco tempo, sendo substituído pelo atual, José Julio Nogueira, que aqui continua a lutar com a falta de elementos, não tendo expediente e funcionado em uma casa quase em ruínas.
Julgo, com a história que fiz, ter cumprido com o dever de mostrar ao público, o que foi a administração pública d’este rio e d’esta Vila Seabra durante o tempo que estivemos sob o domínio da Prefeitura do Alto Juruá.


Anastacio R. de Farias
O MUNICIPIO, Tarauacá-AC, 15 de dezembro de 1912, Ano III, N.116, p.4

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