“Ler e escrever,
assim como viver, rimam (fácil fácil) com prazer. Esta é a grande vantagem do
livro de Betho sobre os livros sisudos ou então, piegas, publicados ultimamente
por jovens poetas acreanos.
Variedade é a
palavra de ordem. Tudo é vário no livro: a temática, a abordagem, a forma, o tom
ora brincadeira ora seriedade.
Eu gosto das duas
coisas: de sorver a poesia do livro como um suco de cupuaçu nessa morosidade de
Rio Branco fofoqueira e calorenta; assim como demorar em cada verso para uma reflexão sobre os avessos do mundo.”
Laélia
Rodrigues
in
À guisa de apresentação
A vovó
Quando me viu,
Jogou em cima de
mim
Histórias,
margaridas, lantejoulas
E croketes.
Parecia que tinha
ganho um buquet de rosas,
Que nada
Tinha levado era
uma sova.
Vinha do fundo das
quebradas
Louca e solteira
Fazia firula
Com a boca cheia de
espuma.
Olhava para os
lados
Com medo de ser
currada.
Quando percebeu que
eu a procurava
Correu, escorregou,
caiu e balbuciou:
– O salto do meu
sapato quebrou.
Ficou tão
desinchavida coitadinha.
Levantou, arrumou o
echarpe,
Retocou a
maquiagem, afrouxou o cinto
E finalmente na
frente do meu ar imponente,
Ajoelhou-se,
benzeu-se, comoveu-me e perguntou:
Cadê, Dr., o papel
pra limpar o meu bum-bum,
Que eu fiz cocô!
-
- -
Por onde ficaram
meus tamancos,
Minhas manias, doce
bijoterias?
Aquele azul véu
prateado
Que ganhei de
aniversário
Em meus quinze
anus?
Acho que deixei
escorregar pelas cadeiras
No baile de debu...
Tenho um pouco de
saudade sim
Aqui, agora, a essa
hora
Nesse mundo ao léo
Se peço peixe me
sai pastel
Se peço bife me cai
o anel.
Por onde ficaram
minhas alegrias?
Aquela bluzinha
tomara que caia?
Aquele short tomara
que tirem?
Meus encantos,
minha realidade está assim:
Cansado no espelho
mau olhado,
Desanimado, bem
quati
......................................
Ah! Vou botar meus
sapatos altos
Passar ruge e batom
e sair atrás de mim...
-
- -
Saindo dentro da
noite
Ele dá as costas
E sai andando
E nem me olha
E nem me vê
Feito a lua
Erguendo-se dentro
da noite
Ele vai andando
E nem me olha
E nem me vê
Feito a lua
Sumindo dentro da
noite
Ele nem me olha
E nem me vê
Feito a lua
Penetrando no dia
Ele nem me vê
Feito a lua
Ele dorme
Eu levanto
Ele some.
-
- -
Os meninos do meu
país
Punham-se a soltar
Pepêtas
E por entre capins
navalha
Voavam andorinhas
Em busca do mel
Carros subnutridos
Escorregavam nas
ruas
Sua cólera
Eu, de pé
Diante da minha
casa,
Estava ansioso para
que a noite chegasse
E um anjo vadio
Viesse estacionar
O seu cansaço
Sobre o meu cansaço
E dividisse comigo
As aventuras
De uma nova
realidade.
-
- -
Uma noite dessas.
E aí,
Bebi frases lindas
Em copos que
embriagaram
Milhões de solidão.
Abusei dela
Como um cão
Perambulando por
entre ruas
Já desertas
Arranquei de minha
alma
Esperança de vida
grande
Que nem sabia
Se existiam mais.
Agora,
Mergulhei por
inteiro
Dentro de meu peito
E me vi
completamente só.
-
- -
Fiz de mim,
Uma variedade de
coisas.
(Com muito brilho,
é muito claro)
Uma mulher maravilhosa,
Solta, orgulhosa,
louca,
Debochada e
destemida.
Metade de mentiras,
Outras de
serpentinas.
Nos dedos ouro e
prata.
Na boca pedaços de
ferro e lata.
Sorridente,
presunçosa e esculhambada.
Um lado de verdade,
Outro de
variedades.
As roupas de seda
pura,
Na cabeça doce
frescura.
Parte gostosura,
Outra pura gordura.
Nos pés Pierre
Cardin
Entre as pernas
penas de “passarin”.
Rodando gloriosamente
a bolsa assim...
Nos motéis e
botequins.
-
- -
Baleados.
A noite que
passamos
Trocamos:
Confetes,
Serpentinas,
E bofetes...
Beijos mordidos
Versos rasgados
Lençóis amassados.
A tua cara foi ao
chão.
A minha cueca,
No teu dedão.
As tuas sandálias,
Nas minhas mãos.
Os meus artelhos,
Comeu ou não?
Legal!
A tua fome, passou
então?
Que barato, cara.
Viva a sensação..........
-
- -
Deixei meus sapatos
altos
Fervendo dentro da
panela.
Será que devo sair
de saia amarela?
Ou ir para os
conchavos do PMDB de chinelos?
Não posso dá muita
bandeira,
Se não a vice vai
pensar
Que quero o lugar
dela.
Acho melhor,
Fazer uma roupa de filé
Botar na cabeça um
enfeite qualquer
E entrar o mais
rápido possível
Na passarela,
Antes que o
governador
Fique morrendo de
inveja
E saia fantasiado
de gazela
Correndo atrás,
aqui da Cinderela.
– Oh! Mai Góde.
Essa minha vida é
uma verdadeira novela.
Gostaria tanto de
ser uma estrela velha.
-
- -
Vou andar
Por entre terras
Ainda não
descobertas.
Se não houver
amanhã,
Cantarei hoje ao
som do silêncio
A minha última
canção em vida.
E pelos caminhos
transcendentais
De por aí...
Quero estar nu.
Por que a minha
alma
Vai entrar no
infinito da morte
Na certeza que
serei eterno.
-
- -
Se fôssemos
Todos muito
coloridos
Pintaríamos os
lábios de batom
E colocaríamos
roupas de papel crepon.
Correríamos sem
medo do Projeto Rondon,
Soltando penas
Para o Times
registrar.
Mais cedo ou mais
tarde
O arraso chegaria
E nós faríamos amor
Em cima da pia.
A maravilhosa
noitada de orgia
Seria agonia.
Se fôssemos
Todos muito
coloridos
A sina seria
filosofia
E a China, utopia.
Aí teríamos um
pouco de dau,
Outro de crau...
Tchau lobo mau sem
sal cabeça de pau.
-
- -
Pus-me diante do
espelho
Ui!
Será que sou uma
pessoa assim?
Assim, como?
Assim!
Ah! Sim.
É.
Vi algumas penugens
na minha cara.
Hum lá vem sujeira.
Vulgarmente chamei-os
de barba,
Poderia chamá-los
de penas,
Mas ficaria muito
bandeira.
Poderia chama-los
de plumas,
Mas ficaria muito
estrela.
Poderia dizer que
era um véu,
Aí teria gosto de
fel.
E barba mesmo
porque tem gosto de mel.
Continuei olhando
pra mim.
Tirei um cravo
aqui, uma espinha ali.
Na mesma horinha
ficou limpinha
– O que?
– Ora o quê.
A minha carinha.
Passei um pouco de
batom.
Gostei não,
Ficou parecendo um
pão.
Passei um pouco de
rouge.
Gostei sim,
Ficou parecendo um
pudim.
Dei um toque no
penteado,
A cara ficou
igualzinha um tacho.
– Um tacho de que?
– Interessa?
Dei meia volta,
Fiz que ia sair e
voltei,
Peguei tudo que
tinha na minha frente
E quebrei.
Só não quebrei o
espelho
Porque foi o que eu
mais gostei.
ROCHA, Betho. Aqui Jaz...
De Batom Lilás. Folheto (sem data nem paginação).
BETHO ROCHA
(Alberto Antônio Araújo da Rocha) nasceu em 14 de setembro de 1958, em Rio
Branco. Após passar temporada no Rio de Janeiro, voltou ao Acre, em fins da
década de 1970 e início da década de 1980, e encontrou a cena cultural local em
plena efervescência, com vários grupos de teatro amador. Integrou o Grupo
Semente e junto a outros integrantes, fundou o espaço Teatro Horta. Abandonando
o Teatro Horta, migrou para o SESC, onde deu continuidade ao trabalho. Criou o
Grupo Adsabá – Núcleo de Pesquisa Teatral, onde iniciou suas experiências de iluminação
e sonorização, chamando a atenção para os valores culturais, políticos e
sociais dos povos indígenas. O espetáculo “História de Quirá” foi um grande
marco, que nasceu do trabalho de nove anos com os Madija, tendo como o tema o
mito da criação, com um inovador jogo de iluminação cênica. Lançou dois livros:
“O camicase medroso”, em parceria com Silvio Margarido, e “Aqui Jaz... de Batom
Lilás”, ambos na década de 1980. Também foi professor da Universidade Federal
do Acre. Foi assassinado em 1º de setembro de 1997, num crime até hoje não
elucidado.
Muito bacana, Isaac. O livro postado não está completo, né? É somente uma parte?
ResponderExcluirSim, Danilo. É uma espécie de "folheto" com alguns poemas dele. Não é daquele livro que ilustra este post. Só tenho esse folheto. Não tenho o livro.
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