quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

NOKE SHOVITI: História da Criação (Katukina)

Os Katukina vieram debaixo da terra. Logo que surgiram não havia mulheres, somente homens. Vieram caminhando e cantando o mariri. Não tinha canto, era só hi, hi, hi. Vieram cantando na beira do rio. Aí disseram: 
          – Pra onde nós vamos morar? Vamos procurar um lugar para morar. Vamos embora procurar uma ponte para atravessar do outro lado do rio.
Os Katukina não usavam roupas, só usava a tanga. No caminho, encontraram duas mulheres. Essas mulheres só carregavam um paneiro. Só usavam tanga e chapéu de pena de arara, de taboca, pena de japó. Usava um enfeite no nariz. Aí foi um mês procurando para atravessar o rio. Aí falaram:
– Vamos subir, aonde a gente achar uma ponte a gente atravessa pro outro lado.
Todos falaram:
– Vamos embora. Seguindo e cantando hi, hi, hi.
Vieram debaixo e encontraram o Juruá. No Juruá encontraram um jacaré muito grande. Ele afundava e subia. E era só mato nas costas dele. Aí eles disseram:
– Será que esse jacaré serve de ponte para atravessarmos para o outro lado?
Ali fizeram um tapiri para todo mundo. No outro dia de manhã o jacaré falou:
– Como eu sou grande, vou dar passagem para vocês atravessarem para o outro lado. Mas se vocês querem passar para o outro lado, limpem as minhas costas.
Passaram três dias limpando as costas do jacaré. Ele mandou as cabas, aranha, tucandeira e formigas picarem os pés do pessoal para pararem de limpar. Mas mesmo assim limparam. Então, o jacaré falou:
– Vou avisar vocês para comerem somente carne de macaco. Não comam filhote de jacaré. Eu vou dar passagem, mas vou olhar os dentes de todos vocês para ver se não comeram jacaré. Agora eu vou avisar vocês que não tem nome, vocês prestem atenção que eu vou dizer os nomes, cada qual vai ter seu nome: Taramachê roapá, Taratecá roapa, Tarawani roapa, Taramesi roapa. Já que eu dei nome para vocês, eu vou atravessar vocês do outro lado.
Assim, o pessoal começou a passar. O jacaré falou:
– Podem ir passando em cima das minhas costas. Se comerem meu filhote, eu vou largar vocês.
Até que apareceu um homem que tinha no dente carne de jacaré. Logo que ele (o jacaré) viu a carne de jacaré ficou triste e abaixou um pouco na água. Em seguida falou:
– Eu vou atravessar só os que estão nas minhas costas. Os outros eu não vou atravessar mais não.
Esse homem que tinha comido jacaré estava no meio daqueles que ainda poderiam atravessar. O jacaré foi então até o meio do rio e virou. O pessoal que estava em cima do jacaré caiu no rio e as piranhas comeram todos.
Aí ficou dividido: metade em cada lado do Juruá. Quem ficou do outro lado foram os Marubo. Estes que passaram do outro lado, começaram a perguntar o nome de todos. Cada um dizia seu nome. O jacaré tinha dito para eles que era para continuarem usando os nomes que tinha dado para cada um.
Os homens só usavam lança de pupunha para matar os bichos, por isso eles não tinham nada. Não sabiam fabricar panelas, nem roupas. Os Katukina tinham mulher, mas não sabiam fazer filhos. Não sabiam fazer relação com a mulher. Faziam relação no joelho e no sovaco da mulher. Até que um dia apareceu um macaco macho, um cairara. Aí o macaco disse assim:
– Desse jeito vocês nunca vão ter filhos.
Eles deram uma mulher para esse macaco para ele fazer relação sexual com essa mulher. O macaco falou:
– Vocês têm que ter relação com as mulheres de vocês. Assim vocês nunca vão acabar, vai aumentar a população de vocês.
O macaco reuniu o pessoal, falou para a mulher deitar no chão e teve relação com ela. Todo mundo ficou olhando para aprender. Dali para frente os Katukina aprenderam a ter relações com as mulheres, para ter filhos.
Até hoje.
Quando começaram a fazer filhos pensaram em fazer copixawa, shobo, uma casa grande para morar, para criar os filhos. E ficaram morando ali.
Naquele tempo não tinha caça, macaxeira, não existia nada. Só existia a floresta, mas dentro da floresta não tinha nenhum tipo de bicho. Um dia, uma mulher chamou seu marido para colher pama no alto do pé. O marido estava lá em cima e a mulher ficou embaixo esperando ele quebrar o galho para jogar para ela... Lá em cima do pau ele imitou macaco-preto. Assim que ele imitou, tinha um pau grande perto da pama, a mulher estava embaixo e viu esse pau mexendo e de lá saiu só uma pessoa. Era do pessoal que mora embaixo da terra, maeyuxinvo. Essa pessoa saiu com uma zarabatana. Então, mulher se escondeu. O marido dela, lá em cima, imitou de novo o macaco-preto. O homem que saiu debaixo da terra assoprou com a zarabatana e acertou na perna e depois no peito dele. O marido imitou de novo o macaco-preto e o homem assoprou novamente com a zarabatana e acertou no pescoço dele. Ele começou a vomitar e caiu no chão. A mulher estava escondida vendo o que o outro estava fazendo com o marido dela. Quando ele caiu, o homem o colocou nas costas e entrou de novo no pau, para debaixo da terra. A mulher dele saiu correndo para avisar seus parentes como foi e quem foi que matou o marido dela. Quando chegou na maloca ela contou pro pessoal. Ela falou que havia sido um homem que mora embaixo da terra. No outro dia, todos se reuniram e decidiram matar o homem debaixo da terra, queriam vingar o parente morto. Saíram todos e foram observar o pau de onde o homem tinha saído. Havia umas formigas pretas carregando o cabelo do homem para fora. A mulher do homem morto falou que tinha sido ali mesmo. O pessoal começou a cavar buraco para debaixo da terra. Todos homens e mulheres se reuniram, limparam em volta do pau para cavar. Só tinha um homem velho que colocou nome nos bichos todinhos. Achou um bicho e colocou o nome de paca. Cavaram mais e saiu um tatu, saiu tatu canastra. Esses bichos que foram para debaixo da terra. A paca não conseguiu ir. O tatu-canastra fez um buraco bem grande embaixo da terra. Faltava só um pouco para chegar no maeyuxinvo, que é o povo que mora embaixo da terra. Aí os Katukina reuniram todos. O tatu fez um buraco bem pequeno para atravessar para a aldeia deles. Mandaram um calango para ver se o homem estava em casa. O calango foi lá e encontrou somente uma velha. O calango avisou ao tatu canastra que só tinha uma velha lá. Aí mandaram o jabuti. Jabuti foi para debaixo da terra e só viu a velha. Aí mandaram o veado ir olhar. O veado foi e só viu a velha. Aí mandaram a tartaruga e o homem ainda não estava lá, só a velha.
Nesse tempo, a onça não estava pintada. O pessoal reuniu e resolveu pintar a onça e o gato. Pintaram ela com jenipapo e ela ficou toda malhada. Aí a cotia que tinha pintado uma outra onça, ficou com preguiça de pintar com jenipapo e colocou só urucum, por isso que existe essa onça vermelha. Aí mandaram a onça para debaixo da terra, ela viu e matou a velha. A onça subiu e avisou que tinha matado a velha, que o homem não tinha chegado. Aí o homem da tribo dos maeyuivo não era homem, era um gavião do tamanho de um avião. Aí pensaram: a gente tem que tomar cuidado que esse homem vai querer matar a gente. Koka pinho txari, avisou que esse homem era gavião grande. Koka pinho txari fez as pessoas virarem veado, paca, anta, macaco-preto, cotia... Ele que deu nome aos bichos. Por isso, quando a criança está doente não pode comer carne de caça.
Aí o gavião grande chegou. Logo que chegou viu a mãe dele morta no terreiro e falou:
– Foi o pessoal de cima que matou minha mãe, eu vou lá matar tudinho.
O pessoal escutou a zoada do gavião. Koka pinho txari avisou:
– Corre logo senão o gavião vai pegar vocês todos.
O gavião espantou todos os bichos. Aí os homens viraram veado, outro virou queixada, paca... Só tinha bicho de 4 patas, não tinha ave de pena. Aí Koka pinho txari arrancou os cabelos da perna e assoprou. Virou jacamim, jacu, nambu, tucano, arara...


Noke Shoviti – História da Criação
Tradução e escrita: Maurício da Silva Ni’i
Narrador: Baía Paixão Mae e João Assis Me’o

Referência
KATUKINA, Benjamin André; SENA, Vera Olinda [et al.]. Mito Katukina: Noke Shoviti. Rio Branco: Editora Poronga, s/d. p.10-16

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


Outros contatos poderão ser feitos por:
almaacreana@gmail.com