Pintura de Tatulino Macário Kaxinawá Ixã, aldeia Flor da Mata, rio Tarauacá. |
Tinham
muitas caças que estavam comendo o jenipapo, tinha veado, porco, anta... Dua
Busë fez tocaia e ficou lá dentro esperando a caça.
Lá
veio a anta para comer a fruta do jenipapo, quando chegou a anta juntou três
frutas e jogou no meio do lago chamando alguém.
Veio
uma mulher de dentro do lago toda bonita mesmo, trazendo pra anta uma cerâmica
desenhada cheia de mingau de banana para a anta beber.
Mulher e anta
namoraram e Dua Busë ficou olhando da tocaia.
Depois
a mulher jiboia voltou para dentro do lago e a anta foi embora.
Dua
Busë voltou para casa e não conseguiu dormir lembrando da mulher com a anta. No
dia seguinte, às 5 da manhã, ele pegou a flecha e voltou para tocaia sem avisar
a família. Ele fez a mesma coisa, pegou três sementes de jenipapo e jogou no
lago. Saiu uma espuma do rio e logo depois saiu a mulher com o vaso de cerâmica
com mingau de banana igual que fez com a anta!
Dua
Busë se escondeu na hora, mas depois agarrou ela sem avisar e até o vaso
quebrou. A mulher falava:
–
Me solta! Quem é você?
Ela
começou a se transformar em jiboia, transformar em murmuru (uma palmeira que
tem muito espinho), onça.
Ele
não soltou.
Finalmente
Dua Busë falou:
–
Te vi namorando com anta e quero te namorar também.
Ela
se transformou em gente e falou:
–
Vou namorar com você se você estiver solteiro.
Dua
Busë entrou em um acordo, disse que não tinha mulher e queria casar com ela. A
mulher jiboia fez remédio para o Dua Busë, pegou medicina para ele, mergulhou
com ele e saiu na aldeia do fundo do lago.
Encontrou
com o peixe arraia que já estava com a lança e o peixe mandim com flecha para
matar Dua Busë.
A
mulher falava que não era para matar Dua Busë, que ele era marido dela. Mais à
frente encontraram puraquê, um peixe que dá choque, que trazia a borduna dele,
mas a pedido da mulher o puraquê também se acalmou.
A
aldeia do fundo do lago tinha tudo, maloca, roçado, plantas, legumes. Quando
chegaram no limite do roçado, a mulher deixou o Dua Busë lá esperando para
avisar a família que estava trazendo um homem para casar com ela.
Os
pais concordaram e ela foi buscar Dua Busë.
Passou
tempo e eles fizeram dois filhos, uma filha e um filho.
Um
dia Huã Karu, sogro de Dua Busë, que estava dentro do lago, começou a preparar
ayahuasca. Ele tirou cipó, rainha e foi preparar o chá.
Dua
Busë perguntou:
–
O que é isso?
–
É um chá de cura, respondeu o sogro.
Huã
Karu preparou o chá à tarde e, à noite, enquanto preparava o ritual pediu para
filha avisar ao genro para ele não beber.
A
filha foi avisar ao marido que não era para beber o chá.
–
Se ele beber pode acontecer algumas coisas e talvez ele não vai aguentar.
Mas
o Dua Busë quis beber e finalmente ele bebeu...
A
esposa pediu para não beber, mas ele bebeu mesmo assim uma dose grande.
Quando
estava chegando a força o Dua Busë começou a agoniar e foi vomitar.
Quando
ele estava vomitando ele começou a ver a jiboia engolindo ele.
Ele
estava vendo o futuro.
Aí
quando o sogro viu falou:
–
Bem que eu avisei que não era para ele beber. Chama ele que vou cantar para
ele.
Quando
o sogro começou a cantar ele viu a jiboia estava apertando.
Dua
Busë começou a gritar muito. Até que amanheceu o dia, fizeram medicina para Dua
Busë tomar banho.
Dua
Busë ficou descansando até que um dia ele levantou para caçar.
A
mulher não queria deixar, mas ele foi mesmo assim.
Foi
indo até que chegou no largadouro, o lugar onde chega o igarapé que alimenta o
lago, e encontrou o Iskï, o bodó encantado.
O
Iskï falou:
–
Seja bem-vindo, meu txai! Queria encontrar contigo mesmo.
Iskï
estava sem cabelo e sem o rabo.
–
Olha, txai, você está vivendo bem com a mulher jiboia; a sua mulher está com os
seus filhos com fome. Eles me encontraram, tiraram meu nea rani, o cabelo do
rabo, então melhor você voltar para sua terra, cuidar da sua família, porque
eles estão sofrendo muito. Vem, vou te ajudar!
O
Iskï foi e pegou a medicina, colocou no olho dele e falou:
–
Pega meu cabelo e fecha o olho.
Saiu
com ele descendo o rio até chegar no roçado da família do Dua Busë. Chegando lá
o Iskï jogou ele na terra. Quando virou, olhou e reconheceu o roçado da família.
Ele foi entrando na terra dele... a família começou a gritar avisando que o Dua
Busë estava voltando, veio todo mundo, perguntando e levando ele para txitüte,
a pequena rede de pajé, e ele ficou deitado lá, contou a história que aconteceu
com ele e a família pediu para ele não sair da casa com medo da jiboia. Ele
ficou vivendo com a família um tempo e depois de um tempo foi caçar.
A
esposa do lago estava procurando ele com saudade e raiva.
Ele
falou que ia matar algumas coisas para fazer caçada, ele não quis ir pelo lago
e foi pelo lado da terra, viu o pássaro kushu, cujubim, e deu flechada. A
flecha dele caiu na beira do lago, no sangrador do lago, aí flechou de novo e
foi lá de novo.
Foi
catar as flechas no lago e quando chegou para pegar as flechas encontrou com
Bari Siri Ika, filha dele.
Depois
chegou a filha pequena e mordeu o dedão do pé dele. “Sirï sirï sirï...” Ele não
fez nada, ficou espantado, olhando. Com o canto da filha chegou o filho maior e
atacou ele comendo até o joelho. Ele não falou nada. Daqui a pouco vem a
mulher, tinha uma árvore no meio do lago. Dua Busë estava com o braço aberto
pendurado na árvore e a mulher comeu até o peito. Aí Dua Busë começou a gritar.
Chamando os seus parentes da comunidade.
–
Venham, meus parentes, a jiboia tá me engolindo!
Seguraram
Dua Busë e conseguiram tirar ele. Ele ficou com o corpo mole, ficou na rede e
falou para seu cunhado:
–
Quando eu morrer, me enterra. Passando seis meses pode me procurar na minha
sepultura. Na parte direita vou virar cipó e na parte esquerda vou virar
rainha. Tira o cipó, 1 metro mais ou menos, pega um pau e bate até sair a casca
e depois cozinha. Cantando eu fico dentro do cipó e explico para você.
Foi
explicando para o cunhado dele enquanto morria. Enterraram, passou seis meses e
o cunhado dele foi visitar a sepultura. Nessa hora tinha nascido o cipó,
nascido rainha. Tirou os dois juntos e fez como ele havia explicado. Fez o nixi
pae, tomou e veio a miração. Teve muita explicação. Mostrando o futuro,
presente e passado e a verdade. Assim nasceu o nixi pae e essa é a nossa
história.
Referência
Shubu Hiwea: livro
escola viva do povo Huni Kuin do Rio Jordão. Organização Itaú Cultural (1. ed.).
São Paulo : Itaú Cultural, 2017. p.31-33
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