sexta-feira, 15 de maio de 2020

GESTA DO ONÍRICO RIO DAS MUITAS ALMAS

Diego Mendes Sousa

 

Para Márcio Souza

 

“É tempo de partirmos

para o espanto desmedido.

Do que fomos, fizemos ou cantamos,

ficará, apenas, o invisível traço

do voo da ave indivisível

que se consumiu no espaço.”

       

L. Ruas (Manaus, 1931-2000)

 

 

Muitas almas dormem nos rios da Amazônia –

que acesos dos sonhos humanos

viajam como pássaros

delirantes 

para rumos inexatos

ante o alarido

do tempo.

 

Muitas almas dormem nos rios

da Amazônia –

não somente os espíritos secretos da floresta –

que vitalícios nas ilusões

de uma lenda

encontram o fundo vagido

de todos os seus encantamentos

e de cabalas indígenas

também revestidas

de presságios

que naufragam...

 

Muitas almas dormem nos rios da Amazônia –

não somente os descaminhos

da cobra grande e misteriosa –

que imortalizada pelo brilho matutino

da sua ferocidade incomum

desperta no forasteiro afetivo, 

melancolia e magia

ausentes

na ribanceira doída

de fortuna e de sabedoria comovidas,

nessas águas enchidas

de clarões.

 

Muitas almas dormem nos rios

da Amazônia –

não somente as vísceras dos peixes –

que noturnos

e abismados

nas noites

enfurecidas

por uma neurose atrevida da vida,

embebem sons

sob os dias que voam sem passar.

 

Leio os rios da Amazônia

com uma flor de lótus nas mãos

e espelhos d’agora e adiante,

como se o sésamo fosse a sombra úmida

de Altair,

e o existir: o rosário urbano do massacre

das muitas almas metafísicas apreendidas

que ainda descansam

nos braços

desses rios de lume

escurecidos

– de fados sonolentos e de canções de ardor movidas...

 

 

Cruzeiro do Sul (AC), Amazônia, 13 de maio de 2020.

Diego Mendes Sousa, piauiense, escritor, jornalista, advogado, indigenista, ambientalista e ativista cultural. Autor de Divagações (2006); Metafísica do Encanto (2008, Prêmio Nacional de Poesia da UBE-RJ); 50 Poemas escolhidos pelo autor (2010, Edições Galo Branco); Fogo de alabastro (2011, Coleção Madrugada); Candelabro de Álamo (2012, Coleção Madrugada); O viajor de Altaíba (Penalux, 2013); Alma Litorânea (2014); Gravidade das Xananas (Penalux, 2019); Tinteiros da casa e do coração desertos (Penalux, 2019) Fanais dos verdes luzeiros (Penalux, 2019); e Velas náufragas (Penalux, 2019). Adquira os livros do autor: https://www.editorapenalux.com.br

Um comentário:

  1. Oi, POETA, assim grande, gosto da anáfora no poema, "muitas almas dormem nos rios da Amazônia...
    Tua poesia, impacto na alma!

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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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