quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

SILVIO MARGARIDO: Sobeijos (1986)

sobeijos

Silvio Margarido

 

20 pó emas prum natal desigual...

30 aí pro rango.

          oferecido aos cirurgiões da vida,

que fazem das tripas coração

poemas e canções.

Aos bucheiros,

lixeiros,

ao alimento das baratas,

ao níquel náusea.

Aos amigos e ao tempo,

pro natal desigual,

ao maracá e as máquinas

e pro ano que vem.

 

o poeta.

 

__________________

índice

 

XX – o fim

XIX – louco

XVIII – natal desigual

XVII – o céu

XVI – tesouro

XV – mãe

XIV – mal

XIII – toque

XII – beijo

XI – dactilografando

X – casa

IX – papagaio

VIII – violão

VII – tempo

VI – outra crise

V – amor

IV – existencial

III – fome

II – medo

I – solidão

 

 

I

 

somente o recolhimento

o estar

o sentimento

dita

a solidão

única multidão

do turbilhão

do único

 

II

 

a solidão me traiu

o rei abacaxi...

passou do tempo

e a lua

aluá

trará num susto

o medo

e o último grito de pavor

horror

dirá...

Não

 

III

 

não

o alimento

não falta

me enlata

meu pacote deteriorado

sujou meu integral

vai mal

destrói

meu natural

fome...

 

IV

 

nem Sartre

nem eu

quem sabe ?

seria alguma existência

tão existencial

crer

que o divino ser

nos salvará.

e o material

apodrecer

nomeupoder

 

V

 

senti o bem

um onda e arrepio

correu na espinha

após o beijo quente

a tua boca calada

murmurou...

amor...

 

VI

 

e novamente o fogo

queimou a esperança

sofrer

desatinar

afogar-se

se possível

a embriaguez

e pela tal vez

o desejo do não

ser

novamente

o ex

 

VII

 

dilui-se

a miolionésima

existência

horas

minutos

segundos

e de início

o tempo mostra

forma de fim...

 

VIII

 

teus seios pontos musicais

infinitos

astral que alimenta

e dói

soa aos dedos trêmulos

como no teclado

dactilograsondo acordes

assim como teu

feminino corpo me excita

o coração

na canção...

teu preço meu...

violão

 

IX

 

e o som não para

daí pra caos

eletrônicos gritos

repetem

o dito

tido todo

grande industrial

sonoras pilhas

vermelho papagaio

rádio

sintonia hertz

dos AMs e FMs

made inhongkong

 

X

 

canto

no teu seio

mãe fria

me esqueço

só não posso

é te chamar...

lar.

 

XI

 

teu loco

teclado

o silêncio quebra

os tlex letras

ritimam a emoção

a máquina diz

em versos o código

organizando

o alfaboema

em dedos sujos

de arroz e feirão.

 

XII

 

de novo

nova

boca

sacia saliva e sal

num velho beijo

 

XIII

 

me faz bem

teu toque

me toca

musicalmente espreguiço

energia e amor

deitado

 

XIV

 

falta-me ar

e a febre

convulsão

teu fogo

me chama aos infernos

deixe meu caminho

livre...

pra buscar o que quero

encruzilhada

e bó...

a verdade

são únicas

axé.

 

XV

 

tuas lágrimas

e tua reza

me valem bem mais

que teu pão

na hora do sufoco

gritar

mãe...

 

XVI

 

sonhei

todo ouro do mundo encontrei

o brilho e luz me deu febre

sem razão

contei moedas

e todo o tesouro

esvaiu

como sangue

da alma

e da mão

não quero nunca mais tê-lo

pobre

luz negra

de mão em mão.

 

XVII

 

olhar pra cima

cabeça

teto

esperança

que do céu

nos venha

a estrela irmão

e voltar

num pensamento

azul chapéu.

 

XVIII

 

papai...

cadê papai Noel ?

ta de saco cheio...

também quero ser

esvaziar o meu

presentes

ausentes

todos que ele não deu

 

XIX

 

louco.

tens cabeça ?

e pensamentos ?

tens razão ?

sofrimentos

viagem matinamarga

da velha tarde cansada

que minha nau...

descontrole feliz

traçou

na ponta do meu

nariz.

 

XX

 

é doce sentir

este desejo sem fim

de finspiração

                   e só...

 

MARGARIDO, Silvio. Sobeijos. Rio Branco: 1986.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


Outros contatos poderão ser feitos por:
almaacreana@gmail.com