Américo Antony nasceu em 23 de setembro de 1895 e morreu em Manaus em 18 de agosto de 1970. Estudou na Inglaterra. Pertenceu à Academia Amazonense de Letras e ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.
“Em nosso século, o insólito se instalou através da postura de um simbolista tardio: Américo Antony (1895-1970), cujo único livro, intitulado Os sonetos das flores, foi publicado em 1959. [...] Situa-se Américo Antony, em termos literários, bem entendido, na fase posterior ao apogeu do ciclo da borracha, quando a Amazônia experimentou forte período recessivo na economia.” Marcos-Frederico Krüger
O DESABROCHAR DA FLOR DIVINA
Fechada, era em botão, o olor desconhecido.
E o interno colorido em forma de linguagem
Ninguém lhe compreendia, ou mesmo ouvia... a aragem
Somente prelibava o seu sonho escondido:
Mas, ao Supremo Ideal, a fez abrir no ouvido
Do mundo! que a ignorava... E então fez, na ramagem
O Seu Templo Divino! ... E aberto, da folhagem
O Seu Verbo de Luz, – o Idioma Incompreendido!
E lenta, lentamente ao descolar dos lábios
Aos sóis que libam sonho, aos siderais ressábios,
Fez em letras de ocaso e de auroras cantar...
Cantar, falar com a cor, com o perfume, e com a luz
Que traz no íntimo seu escondida, e traduz
Tudo o que faz Amar, faz sorrir, e chorar! p. 34
A FLOR SIMBÓLICA DA MELODIA
Para o maestro
Marcos Mecenas Sales, meu amigo.
Seu aroma é a lembrança que passou
E que volta animando as mesmas cenas,
Do interior da nossa alma, que chorou,
Volta abrolhando em florações serenas...
Volta cantando: é a Lira das Camenas,
Das irmãs da Memória, onde acordou
Os prazeres e as dores, de onde voou
Com sons de rosas, lírios, e açucenas...
Cromática Expressão do Tempo! – Ideal
Que tudo ressuscita em seu cristal
Que o Sonho excita, revivendo o Antigo!
Ah, Tinta Musical! que faz presente
O que nós já sentimos como um Poente
Que o gozo e a dor replanta em seu jazigo! p. 36
FLOR DA CINZA
Flor das recordações que anoiteceram,
Resquícios das lembranças apagadas,
Cinzas das noites que se arrefeceram
Das fogueiras de estrelas encantadas!
Florestas de emoções carbonizadas
Das verdes solidões que já morreram
Fechando o intuito alegre das estradas
Dos abertos clarões, que escureceram...
Porta das trevas aos excessos da alma,
Intransigente aniquilar da calma,
Das labaredas sufocando a vida!
Do esfuminhar das brumas da distância
Ergues, da névoa do QUE FOI, tua ânsia,
Flor das Cinzas da Luz! Flor Dolorida! p. 44
A FLOR DO ENTARDECER
Um invisível pincel esbate o poete
Em tons perdidos de uma estranha flor,
Com a palidez das luzes de um doente
Imprime às solidões a alma da Cor...
Suspirando e sorrindo, em gozo e dor,
Pressentimento em pálpebra dormente,
Sonâmbulo no ocaso abre o langor
De um longínquo painel, serenamente...
Que lábios falam de um final sem luzes
Dos ramos altos em sequentes cruzes
Num fundo de ouro, da Floresta imensa?
Há um segredo que geme nas raízes:
Da seiva, um suplicar de cicatrizes
Na atitude de quem desmaia e pensa! p. 65
ROSAS DE ESPETROS
Quem diz que árvores secas não dão flores?
Eu vos digo que dão: quando, ao sol-poente,
As colhereiras vêm serenamente
Pousar, num galho morto, a rósea cor:
E aí dormem florindo entre o negror
Da árvore-espetro desfolhada, frente
Aos borrões do negrume ocultamente,
Plumas de rosa, ocultas no atro horror
De noite imensa de tristezas densas...
Como um jardim alígero, suspensas
Nos braços fantasmais dos bamburrais...
Mas, logo ao vir do sol, voam perdidas
Rosas, dos velhos ramos já esquecidas..
Dos berços que embalaram seus rosais! p. 118
FLOR SOLAR
(Para os verdadeiros estetas)
A luminosa flor vai-se abrir do Latente:
Pedúnculos de luz vão-se esgalhar no céu,
Em garfos de esplendor do albor que amanheceu,
No etéreo coruscar de um rútilo tridente...
São as selvas só de luz no azul claro do Oriente,
Florescência sem-fim aureoladas de um véu,
Talagarça argentada a envolver lentamente
O abismo do terror da noite que a envolveu.
Essa planta de luz sobe mais, e mais bela,
Da semente que a fez brotar, do corações
Do infinito, vai alta, até apagar a estrela...
Envolve a lua casa, afogando-a o arrebol
De chamas frondejando em robles e clarões,
E abre, em flor gigantesca – o helianto de ouro – o Sol! p. 152
A FLOR DAS FLORES
Num celeste viver de singelezas,
Num langor de jasmins e de bromélias,
Flores viveste em todas as purezas,
E a morte sugestivas das Ofélias...
No invólucro de seda azul, das célias
Lactescências divinas de realezas,
Eras a excelsa flor das mais princesas,
A camélia de todas as camélias!
Mas, um dia, o teu ser subiu no aroma
Feito átomos libertos da redoma
Da terra humana, onde floriste em cores...
Levando o meu melhor de essência e canto
Dos meus poemas de sonho e céus de encanto,
Ó Flor mais flor que todas as mais Flores! p. 162
ANTONY, Américo. Os sonetos das flores. 2.ªed. rev. Manaus: Valer, 1998.
Foto de Américo Antony e para mais informações biográficas:
http://catadordepapeis.blogspot.com/2019/10/americo-antony-1895-1970.html