terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

NOVA SUBÚRBIOS: poemas de Aldisio Filgueiras

Nova subúrbios (Valer, 2008, 2ª ed.)

Aldisio Filgueiras

 

o fim do mundo, já

se pode vê-lo, e se

revela, a curto prazo

no rio e na rua.

 

                A pretexto

o circuito das chuvas

varre com apetite

o aluguel dos quintais

para o olho da rua p. 30

 

 

            A alegria

derruba impostos

e atropela

com sua mudez

de farrapo

os discursos

e as seitas de cada esquina

 

porque se existe ordem

tudo está no fim da linha:

 

         a fome

         dos homens

         (qualquer fome

                          dos homens)

 

         envenena

         as formigas

         e a terra. p. 40

 

 

O riso que esconde

e revela

uma natureza

sem dentes e sem

dinheiro

quer lembrar

que existe ali

onde.

 

         O subúrbio é um aterro

         sanitário

         de onde oficiais

         de justiça despejam          (ontem um

         a exclusão dos campos        deles bebeu

         e das fábricas                comigo e não

                                                   estava feliz)

         mas tudo são ordens. p. 56

 

 

De tanto que veste

e despe a floresta

(ora mato ora mata)

em concreto armado

de unhas e dentes de aço

a cidade solta o verbo

matar em primeiro grau

e o declina

        dinheiro

        dinheiro

        dinheiro

na camisa das massas

como uma griffe

 

        assassina. p. 69

 

 

E como são pequeninas

as bronquites do amor

que aliciam multidões

de cegos nas esquinas! p. 106

 

 

Tudo termina na água

onde começa a viagem

da palavra e do homem.

Os bárbaros

barcos barrocos.

O exército de olhos

que sobe primeiro

o barranco do cais.

E depois, os pés

molhados e o medo

faminto de paisano

no convés das calçadas. p. 115

 

 

Nem mamelucos nem cafuzos

cabocos mansos também não

muito menos índios letrados

nem nordestinos selvagens

tataranetos de holandeses

filhos de padres mulas-sem-

cabeça judeus errantes árabes

todos mortos como ciganos

armados de facas nas mãos

 

todos mortos como ciganos

pregados na cruz para nos salvar p. 130

 

 

E logo o olho se apruma

já quase vesgo, meu Deus!,

por entre as linhas tortas

dos cronistas e viajantes

para ouviver nos berreiros

civis: cidadãos ou morte!

 

E as novidades dos outros

de toda sorte: subúrbios!

 

Todos mortos como cabanos. p. 132

 

                                   Manaus,

um dia desses um ano desses

 

Amadas crionças

foferas minhas

e filhotes idem

se vocês não se conformam

como é o figurino cristão

eu trago vocês todos e tranco

em Manaus até o Juízo Final

e vocês aprenderem o bê-a-bá.

Daí que adeus rios e florestas

canibais mundo feliz e tudo

mais onde cantam os sabiás.

Vocês não bem sabem

ainda o que é bom pra tosse

quando se chega em Manaus

como eu cheguei sem um cu

pra dar de troco embora vocês

saibam melhor com quantos paus

se faz uma canoa daquelas gran-

des.

Mundo desempregado é a oficina

do diabo. Estoilhes avisando

e quem aviso amigo é.

E aí, tudo bem?

Mandem logo notícias boas. p. 137

 

FILGUEIRAS, Aldisio. Nova subúrbios. 2.ª ed. Manaus: Valer, 2008.

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