domingo, 27 de fevereiro de 2022

TRÊS POEMAS DE ALBERTO DA CUNHA MELO


AEROPORTO

 

Tempo gigantesco é um dia,

para quem perdeu a viagem,

o endereço para onde iria,

seu bilhete, sua bagagem,

 

para sua alma não vadia,

tempo gigantesco é um dia,

 

para quem sonhava distância

da própria história e não consegue,

sem asco, lembrar-se da infância,

 

mesmo com Deus por companhia,

tempo gigantesco é um dia. p. 415

 

CASA VAZIA

 

Poema nenhum, nunca mais

será um acontecimento:

escrevemos cada vez mais

para um mundo cada vez menos,

 

para esse público dos ermos,

composto apenas de nós mesmos,

 

uns joões batistas a pregar

para as dobras de suas túnicas,

seu deserto particular,

 

ou cães latindo, noite e dia,

dentro de uma casa vazia. p. 416

 

PARQUE 13 DE MAIO

 

As pupilas velhas disparam

seu rancor nos jovens casais,

que se abraçam no parque em festa,

por entre pombos e pardais,

 

pálidos de ressentimento,

aqueles anciãos se sentam

 

vencidos, nos bancos de pedra,

enquanto a noite, muda arqueira,

já lhes aponta a negra fecha,

 

por não saberem, na partida,

que obscena é a morte, não a vida. p. 422

 

MELO, Alberto da Cunha. Poesia completa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2017. 

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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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