segunda-feira, 18 de abril de 2022

MUNDURUCÂNIA: poemas de Homero de Miranda Leão


MUNDURUCÂNIA 


Mundurucânia é a minha Terra. um dia

um povo altivo, de alma resoluta,

lança um brado de angústia e rebeldia

e marcha decidido para a luta...

 

Sua voz guerreira o grande vale escuta,

e eis que em breve história preludia;

e a brava gente, destemida e arguta,

para sempre a injustiça destruía...

 

Louvo-te, minha Terra, nestes versos

por onde, entre emoções, andam dispersos

meus sentimentos... Estes versos são

 

Alguma cousa do teu solo. O traço

que junta, pelo tempo e pelo espaço,

o meu ao teu vibrante coração! p. 47

 

 

O GUARANÁ

 

Cerêçáporanga

era a mais bela

da taba dos “Maués”...

Por isso aquela

afeição dos selvagens

que a resguardavam

muito mais que às suas irmãos...

 

Eis que surge, no entanto, em seu caminho

um índio viril

e, de pronto,

violenta paixão

lhe irrompe

no coração...

 

Resistência tenaz

foi-lhe, porém, oposta

a essa união!...

 

Mas, Cerêçáporanga,

insubmissa,

resiste à opressão...

Foge, com o bem amado!...

 

A tribo se levanta!...

Tambores vibram!

Índios, afoitos, percorrem

a selva

de flecha

à mão...

É s caça ao sedutor!...

 

Mas... ante o espanto dos “Maués”,

do bando ante o torpor,

ao pé de velha árvore,

fulminados

por um raio certeiro,

dormiam, para sempre,

os dois enamorados...

 

E dos olhos de Cerêçáporanga,

tempos depois,

no solo verdejante

nascia o Guaraná...

 

E de seu amor verdadeiro

– amor desfeito pela sorte má –

ficou esta lenda comovida,

que diz do amor e da vida

dos “Maués”... p. 49-50

 

 

AJURICABA

 

Altivo e crepitante, indômito valente

sentindo dentro d’alma um resplendor de sóis,

tu foste a própria vida deste sangue ardente

que ilumina e fecunda esta raça de heróis...

 

cortando com nobreza a audácia do invasor

que tentava levar o teu irmão, jamais

voltaste sem trazer em tua fronte o fulgor

das conquistas febris, das conquistas reais...

 

Abatido, afinal, depois de luta insana

eis que reprimes ainda a cruel e tirana

mão que te ousa deter em amarga atrocidade...

 

E atirando-se ao rio – ampla baía revolta

sumiu-se a tua figura luminosa envolta

na martirização sem fim da LIBERDADE!... p. 53

 

 

CATEDRAL DOS MEUS SONHOS

 

A André Araújo – grande pelo

pensamento e pelo coração

 

Na catedral magoada dos meus sonhos

vibram, chorando, os sinos da saudade...

Longe se vão os cânticos risonhos

das límpidas manhãs de alacridade...

 

Hoje, gemendo dentro a soledade

rezam o rosário da melancolia

E, como outrora, no festim da tarde

não mais arpejam em notas de poesia...

 

E oh! Catedral dos sonhos meus doirados

que iluminaste o meu cantar de moço

entre o esplendor de líricos noivados,

 

Como estás triste, como estás dorida!

Não mais em ti o íntimo alvoroço

dos teus cantos de amor na minha vida. p. 58

 

 

MEU CANTO

 

(Ao acadêmico Pe. R. Nonato Pinheiro,

fulgor das letras Amazônicas)

 

Eu faço versos como quem respira!

Da sístole e diástole da vida

minh’alma inquieta e sôfrega retira

a palavra no tempo prometida...

 

Plúmbleo que seja o céu ou de safira

eu me deslumbro, irmão, e sobre a terra

lanço meu canto em cuja voz se encerra

a pureza do sonho em que delira...

 

Olho os lírios do campo, olho as estrelas,

as rosas dos jardins que pra colhê-las

antes me curvo em genuflexão...

 

Meus versos falam pelas cicatrizes

das dores mudas, pelos infelizes

que têm fome de amor, de luz e pão!... p. 114

 

 

VITAE

 

Nós morremos, irmão, a cada instante!

E a cada instante há uma ressurreição.

Se temos hoje u’a hora de diamante

teremos o amanhã só de aflição...

 

E em meio desse amor e transição

pensamos nos mais rútilos castelos.

Sonhos atormentados, sonhos belos

erguendo e derrubando o coração!...

 

E nessa mutação pelo destino

imposto, nossas vidas vão correndo,

ora em paz, ora em triste desatino...

 

Há sempre em nós uma ilusão querida!

Mas por ela também vamos morrendo

num sabor de chegada e de partida... p. 162

 

 

LEÃO, Homero de Miranda. Mundurucânia: poemas. 2ª ed. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1988.

Homero de Miranda Leão. 
Arquivo da família


Homero de Miranda Leão, poeta e político amazonense. Nasceu em Maués-AM, em 01 de janeiro de 1913, filho de Manuel José de Miranda Leão e Eponina Martins de Miranda Leão, casou-se com a Sra. Letícia Faraco de Miranda Leão com quem teve seis filhos. Faleceu em Manaus, em 08 de agosto de 1987. A primeira edição de “Mundurucânia” saiu em 1960, pela Sérgio Cardoso Editores.


Um comentário:

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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