quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

RECENSEAMENTO DO RIO MURU

Constantino Tastevin

“Ego sum pastor bonus, dizia Nosso Senhor Jesus Cristo, cognosco oves meas et cognoscunt me meae”.

 

“Eu sou o bom pastor e por isso conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem”.

Dessas palavras depreende-se a necessidade para um vigário de conhecer os membros da sua freguesia, tarefa muito difícil e talvez impossível neste recanto da terra onde tudo é anormal.

Procuro pelo menos aproximar-me do ideal, embora de longe, recolhendo certos dados mais significativos sobre a população dos rios a quem levo o conforto de nossa religião.

Costumo sempre encontrar a máxima boa vontade da parte desta excelente população brasileira e é o que verifiquei mais uma vez durante a minha desobriga no rio Muru.

Vai aqui junto com os meus agradecimentos o resultado desse sucinto recenseamento:

Homens – 915, mulheres 345; menores de 16 anos – meninos 370, meninas 349; fazendo um total de 1979, com exceção do seringal “Victoria” e dos do rio Iboiaçú, mais ou menos 300 almas.

As famílias são: 295, das quais 134 pela igreja; 54 só civilmente; 37 amasiadas; 32 indígenas; 29 adúlteras; 5 adúlteras aos olhos da lei; 3 adúlteras e excomungadas; 1 bígamo e adúltero.

Os adúlteros excomungados são aqueles que sendo casados pela religião, atentam o casamento civil com outra pessoa.

Ficam 620 celibatários para 50 celibatárias, das quais algumas passaram de sessenta anos.

Daí resulta o desequilíbrio descomunal de mais de 12 celibatários para 1 mulher celibatária. Desequilíbrio numérico cuja repercussão se faz dolorosamente sentir na moralidade, como se vê no quadro das famílias, ao progresso, na higiene moral e física das nossas pobres ovelhas; e que vai tristemente repercutir, ainda sobre o futuro desta região.

É urgentíssimo que as pessoas de responsabilidade procurem fixar sobre as suas terras e multiplicar as famílias, único elemento estável e progressivo na sociedade.

Devem para isso oferecer-lhes algumas vantagens, facilitar-lhes o acesso à propriedade ou pelo menos seriamente garantir o resultado do seu trabalho agrícola, para que elas se afeiçoem a terra, e aí se desenvolvam.

Os sacrifícios aparentes do primeiro momento serão largamente recompensados quando crescer a nova geração mais numerosa, mais amante ao seu torrão natal, mais adaptada ao meio e, por isso, mais produtora de riquezas, e base de lucros maiores. Caveant consules: o perigo é grande. Basta notar que de 1920, para cá, em 3 anos, a população do Muru tem diminuído da metade.

Padre Constantino

 

Jornal A Reforma, Tarauacá-AC, 16 de março de 1924, Ano VII, n. 295, p. 2.

 

Nota I: O Pe. Constantino (Constant) Tastevin (1880-1962) esteve em Tarauacá, pela primeira vez, em fevereiro de 1923.

Nota II: “O padre Constant Tastevin, missionário da Prefeitura Apostólica de Tefé (AM) visitou Cruzeiro do Sul (AC) pela primeira vez em setembro de 1911, tendo retornados mais duas vezes, em 1913 e em 1914. No início de 1924, sobe o rio Muru e volta em fevereiro a Seabra (hoje Tarauacá); de 5 de abril até fins de maio, sobe parte do Tarauacá e Jordão. Em junho e julho, sobe o Tarauacá até suas cabeceiras. Visita pelo menos três aldeias kaxinawá que foram "amansadas" e fornecem serviços para os seringais. Até a década de 1980, o que se conhecia linguística, geográfica e etnograficamente do Juruá e do Jutaí reduzia-se essencialmente aos seus trabalhos.”

Nota III: A grafia foi atualizada conforme o acordo ortográfico vigente (2009).

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