Laurindo, acocado em frente à barraca, olha tristemente o rio. Faz tempo que a mulher e os filhos saíram para o roçado e nada de chegar. Acende outro cigarrinho de tabaco-de-corda, aspira o fumaceiro e vai soprando pelas narinas de bicho, sem despregar os olhos do pretume da mata, onde o rio parece começar. Nisso um pássaro de agouro vou rasante, triscando no capinzal ali à sua frente.
– T’esconjuro, alma penada! – exclama.
O cauré pousa no alto galho da castanheira.
Laurindo põem-se de pé, caminha até a beira do rio e ouve, benzinho, um gemido
às suas costas. Égua, murmura, incrédulo. O Sol lança suas derradeiras tintas
na curva do céu, e os alicornes capricham no seu triste canto, entreligando-se
aos lamentos das águas correndo.
Laurindo invade a barraca, acende a lamparina e
sente uma ferrada de espinho no pé. Abaixa-se e vê espantado uma aranha
caranguejeira mexendo-se nos seus artelhos. Toca com o outro pé no asqueroso
animal, ele encolhe-se e fica assombrado quando nota o arrastar de muitas
aranhas em torno de sua figura.
Pula pra fora do círculo e observa,
horrorizado, os caibros, a palha do teto, o chão de paxiúba repletos de aranhas
gordas e peludas, tecendo a rede de espumas, sem nenhuma pressa. Mas é
impossível somar-se as aranhas, são agora milhares, e a rede cresce a olho
visto, espalha-se, a barraca está inteiramente recoberta do tecido branco,
úmido, pegajoso, balançante. O homem mira-se endemoniado, os olhos esbugalhados
não se fecham, a lamparina cai de sua mão, rola pela paxiúba, espalhando um
fogaréu medonho.
Ele salta pela janela, o luar é esplêndido. As
aranhas são enormes, o terreiro está atapetado delas. Ele vai pisando e
espocando os bichos repelentes, escorrega, eles grudam-lhe nas pernas, no
pescoço, de vez em quando uma fisgada alucinante.
Sente-se enfadado, nauseado.
A barraca estala, o fogo cresce, o vento lépido
castiga a arborização. O homem vira-se, aperta nas mãos a elástica maciez das
aranhas, o cérebro lavado de qualquer imagem. Milhões de aranhas vão avançando
da mata, subindo e descendo das árvores, boiando nas águas do rio, ganhando o
aclive do caminho do porto. O luar permitindo ao homem enxergá-las, ele
certamente sentindo-se uma delas, já agora rastejando inteiramente preso ao seu
papel de lançar espumas, de tecer com as patas, não mais craquentas, a estranha
linguagem de um outro universo.
PINTO, Antísthenes. Os Suicidas: contos.
Manaus: Casa Editora Madrugada, 1988. p. 97-100
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