JORNAL OFICIAL –
Semanário da Prefeitura
Ano I – 21 de maio de
1916 – número 6
Cidade de Tarauacá
COMO SE DEU O
LAMENTÁVEL ACONTECIMENTO
Para o conhecimento de todos reproduzimos na
íntegra os ofícios enviados ao Exmo. Sr. Dr. Prefeito pelo Sr. Dr. Sancho Pinto
Ferreira Gomes, escrivão da polícia que acompanhou o nobre delegado Sólon da
Cunha, na trágica diligência:
Vila Feijó, 12 de Maio
de 1916.
Exmº. Sr. Dr. José
Thomaz da Cunha Vasconcellos, m.d. Prefeito de Tarauacá.
Com o mais profundo pesar, cumpro o dever de
levar ao conhecimento de V. Ex. o lamentável incidente em que foi vitimado o
nobre e saudoso Delegado Auxiliar de Polícia deste 2° Termo, cidadão Solon da
Cunha, no dia 6 de maio, sábado, às 9 horas da noite.
Pelo ofício número vinte e quatro, aquela
autoridade comunicou a V. Ex. que iria fazer a diligência para abrir inquérito
e prender os culpados da tragédia do dia 21 de abril, da qual foram
protagonistas João Muniz Correia Lima, sócio da firma Correia Lima & Cia,
seu irmão Francisco Muniz Correia Lima, seu aviado e criminoso impune Antonio
Sobralino de Albuquerque, seus fregueses João Ribeiro, Pedro Paulo Pessoa
(vulgo Pedro Coxo), João Ignácio, José Malaquias, Frutuoso de Tal e mais 28
homens armados de rifles e em balados, cujos nomes ignoro, dos seringais Santa
Cruz e Sant’Anna; e Possidonio de Oliveira, sócio da firma Cardoso &
Oliveira, João Nogueira e o velho João Baptista Lima, José Candido de Oliveira
e Manoel Monteiro, do seringal Mira-Flores, tendo sido assassinados os três
primeiros deste seringal, e se evadido os dois últimos.
Dos seringais Santa Cruz e Sant’Anna somente
consta ter sido ferido, com uma bala no braço esquerdo, perto do ombro,
Francisco Muniz Correia Lima.
Partindo dessa Vila, no dia 1° deste, às 6
horas da manhã, chegando no seringal Mira-Flores do rio Jurupary, propriedade
de Cardoso & Oliveira, deste 2° termo e do 7° distrito de polícia no dia 4
às três horas da tarde, acompanhado pelo cabo e duas praças aqui destacadas; aí
foram notificados 8 homens deste seringal e partimos no dia seguinte a 1 hora
da tarde para o local das gravíssimas ocorrências que já aludi. Pernoitamos
numa barraca do seringal Mira-Flores, de onde partimos no dia 5 às 8 horas da
manhã passando ainda às 10 horas na barraca de “Carneiro”, e às duas horas da
tarde passamos na barraca “Maracujá” pertencente ao seringal Santa Cruz,
propriedade dos senhores Correia Lima e Cia. e aí efetuamos a prisão de Mariano
e Bernardino de tal, fregueses da firma, que nos acompanharam até a barraca dos
“Ambrosio”, nas proximidades da qual prendemos ainda Luiz de Almeida, que nos
acompanhou também. Ao chegarmos à referida barraca fez-se um reconhecimento
verificando-se que lá encontravam-se quatro indivíduos preparados para resistir
a quem chegasse, pois estavam deitados em suas redes com os rifles ao alcance
das mãos. O preso Luiz de Almeida fez ver ao delegado que dois daqueles homens
entregavam-se resistindo, porém, outros dois, efetivamente assim aconteceu.
Dissera ainda Luiz de Almeida, que tendo morto um nambú e indo deixá-la na
barraca aos companheiros, momentos antes de ser preso, os encontrou todos
quatro de rifles em punho e os quaes lhe disseram: Quando você se aproximar da
barraca, faça sinal gritando de longe. Depois de estarmos senhores do terreno,
o delegado saiu na frente do terreiro, acompanhado pelo cabo, os dois soldados
e os notificados, ficando eu e Luiz Barroso guardando os três presos,
entrincheirados na boca de uma estrada de seringueira, a cinco metros de
distância da dita barraca, indo o delegado um pouco adiante pediu licença
subindo as escadas da barraca, e disse: sou delegado de polícia. Os dois
atacaram-no de rifles em punho, tendo o criminoso Francisco Leandro disparado
seu rifle no delegado e o projétil atinjindo-o nas proximidades do umbigo, do
lado direito. Apesar de ferido Solon desfechou um tiro no peito do assassino
prostando-o e deu ordem de fogo, no que foi obedecido, caindo em seguida o
outro companheiro que de rifle em punho jurava vingar a morte de Francisco
Leandro, o qual chamava-se Bernardino de tal; os outros dois aproveitaram-se da
ocasião e evadiram-se em vertiginosa carreira. Tudo isso não demorou mais que
dois minutos. Sendo sabedor por Luiz Almeida, freguês de Correia Lima e Cia.,
que a uma hora de distância se achava em uma barraca o criminoso Antonio
Sobralino de Albuquerque, aviado da dita firma acima, com nove homens armados,
de rifles esperando qualquer aviso, achei prudente, regressar dali em
continente para obter socorro para o delegado que estava mortalmente ferido e
fiz partir a toda pressa dois dos notificados, Luiz Barros e Alexandre
Albuquerque para buscar medicamentos no barracão Mira-Flores e gente. Já eram
seis horas da tarde e receiava-se um novo ataque, tratando logo da condução de
Sólon, em uma rede que se fez, partindo dali às 6 horas da tarde, e assim
andamos em busca da barraca “Revolta”, por um varadouro horrível até 9 horas da
noite, hora em que o saudoso delegado fez parar o pessoal e perguntou se estava
com a fala mudada dizendo estar quase cego, dando em seguida um longo suspiro e
disse: aí meu pai! Assim faleceu o nobre e distinto brasileiro Sólon da Cunha,
no sagrado cumprimento de seus deveres. Prosseguimos com o cadáver até a uma
hora da madrugada, ora por varadouros, ora por estrada de rodagem. Ali
esperamos que o dia amanhecesse. Demos-lhe sepultura nas proximidades da
barraca de Carneiro de tal, freguês da firma Cardoso & Oliveira, do
seringal Mira-Flores. Após ter-lhe dado sepultura, segui para o seringal acima
citado e de lá regressei a esta Vila, conduzindo Luiz Almeida e mais três
testemunhas que presenciaram as ocorrências de 21 de Abril passado, bem como
cinco rifles, que apreendi à uma hora na barraca “Maracujá” e os quatros
últimos na barraca dos “Monteiros”, onde se deram as tristes e lamentáveis
ocorrências que acabo de expor.Sólon da Cunha, em foto dedicada à mãe Anna de Assis. In ELUF, Luiza
Nagib. Matar ou morrer: o caso Euclides da Cunha. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 112
Cumpri-me ainda levar ao conhecimento de V. Exa.
que o brioso e nobre Sólon da Cunha, ao sair desta Vila, para a infeliz
diligência, despediu-se de todos dizendo ter certeza de morrer, na mesma, ao
ponto de ter deixado cartas para a sua noiva e seu irmão; apezar disto sempre
alegre, delicado, destemido como bravo, colocando sempre o sagrado cumprimento
de seus deveres acima de tudo. Com o desaparecimento do morto ilustre perdeu-se
um dos leais e dedicados servidores, e a “pátria brasileira” um moço de
honestidade reconhecida e de um caráter puro e sem mancha, virtudes estas que
rarissimamente se encontram em nosso país, que chora a falta de homens da
fibratura de Sólon da Cunha.
Saudações,
Sancho
Pinto Ferreira Gomes
Referência
MESQUITA JUNIOR, Geraldo. O Acre e a vida
dramática de Euclides da Cunha. Brasília: Senado Federal, 2006. p. 46-49
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