João Veras 23/09/23
Que a cultura sempre foi tratada, pelas gestões
públicas, de forma, para dizer o mínimo, negligente, isso não é novidade
alguma. Houve um tempo em que os gestores principais eram nomeados seguindo,
pelo menos, uma norma básica que é seu envolvimento biográfico e profissional
com a área. Eram pessoas, como costumamos dizer, da cultura. Não podemos
esquecer-nos de ter tido um Francisco Gregório Filho como um exemplo mais que
perfeito, um cânone, por esse critério.
Não que isso – por si – tenha resolvido alguma
coisa estruturalmente. Mas é bem diferente quando um estranho empossado se
apossa de uma causa que não é sua.
Ultimamente, basta ser presidente de partido político,
assessor de político, cabo eleitoral, candidato derrotado de eleições, mas
candidato para as próximas... e pronto: vira autoridade máxima na área da
gestão pública de cultura.
O movimento cultural – grupos, entidades e
instituições da sociedade civil - tem de alguma forma participado disso quando
fica calado diante dessas nomeações inconvenientes que se acumulam. Já se sabe
no que vai dar em prejuízo para a gestão de política de cultura. Os exemplos
estão na história e à nossa frente martelando na nossa cabeça todo dia.
Vamos ao último deles que acaba de sair do
forno do inferno pelo qual temos passado – nós da cultura - especialmente
nestes últimos anos.
Todos sabem que os editais das leis de cultura
sempre foram – pouco bem e muito mal – administrados diretamente pelas próprias
gestões públicas. Isso em todos os níveis federal, estaduais e municipais.
Tais gestões sempre ofereceram mais problemas
que soluções por várias razões. A descontinuidade dos serviços; seja pela
alternação sistemática de gestores e daí as formas diversas de governar; seja
pela ausência de política de formação de pessoal especializado na área
cultural, nesse sentido a falta de concursos públicos para área e a manutenção
de um exército de cargos de confiança mais confiados – coniventes - que
competentes etc.
De qualquer modo, com todos os problemas, não
podemos negar a constituição no corpo da gestão pública de uma especialidade
nessa área. Por tantos anos fazendo, não se pode descrer na competência,
relativa pelos problemas que se repetem, da gestão pública para administrar os
editais. Era para fazer bem feito. Não
fazem porque não querem. E se não sabem fazer estão em lugar errado. São pagos.
Simples. Por que temos que pagar pelo mal feito?
Mas eis que a Fundação de Cultura do Município
de Rio Branco Garibaldi Brasil resolveu inovar para a gestão da Lei Paulo
Gustavo.
Seria para melhorar? É da sua obrigação. É o
que se espera. É o que todos merecemos.
Acaba de contratar, por dispensa de licitação,
um restaurante da cidade de Sena Madureira, o Spetus Bar, que prestará
“serviços de assessoria para elaboração de trabalhos técnicos e prestação de
contas referente à operacionalização (implementação e execução) da Lei Paulo
Gustavo (Lei Complementar nº 195 de 8 de julho de 2022) no âmbito do Município
de Rio Branco.”
É assim mesmo que está formalmente firmado pelo
Contrato nº 370/2023 (Proc. Administrativo nº 300/2023-FGB), já regularmente
celebrado e assinado no dia 15 do corrente mês, cujo estrato foi publicado no
Diário Oficial do Acre, de nº 13.619, no último dia 20 agora. É tudo bem
rapidinho...
Fato: Conforme Comprovante de Inscrição e
Situação Cadastral da Receita Federal do Brasil, a atividade principal da
empresa contratada é de restaurantes e similares; e no rol das atividades
secundárias (um milhão de atividades) não consta a de “serviços de assessoria
para elaboração de trabalhos técnicos...” ou alguma atividade de serviço que
seja equivalente, tanto quanto de assessoria, tanto quanto de elaboração de
trabalhos técnicos, intelectuais.
A empresa em questão, pelo fato de existir a um
pouco mais de um ano e meio (foi criada em fevereiro do ano passado), não teria
como ter experiência na área. Não teria
como estar consolidada no mercado, ter expertise na área dos serviços
contratados. Não é a sua especialidade, nem secundária! É de se perguntar: como
os fará bem feito? E o fato em si já responde: não tem como!
Acho legítimo o gestor público buscar formas
alternativas e legais para oferecer um serviço público eficiente etc. Todavia,
não pode, em nome disso, buscar legitimar uma tragédia anunciada, isto é, o
contrário do que deveria já sabendo que não deve.
Uma tragédia administrativa anunciada e paga
com dinheiro público. A conta começa com a bagatela de R$205.000,00 (duzentos e
cinco mil reais), por um serviço de um pouco mais de três meses. Não ficando
certamente nisso, nem no prazo nem no valor, face às suas prorrogações e
aditivos financeiros de costume etc. e tal.
É de se perguntar: pelo lastro de experiência
que tem, é justificável a administração pública pagar um terceiro que não tem
nenhuma experiência no ramo, tampouco exerce e foi criada para prestar tais
atividades?
No que se justifica tal decisão que parece só
servir ao fato de “tirar da boca” do produtor cultural um valor tão necessário
à sua sobrevivência? Qual é mesmo a finalidade da lei?
Gostaria de saber a motivação de tal decisão.
Seria baseada numa autodeclaração de incompetência para fazer o que toda a vida
fez?
Essa prática de terceirização tem virado moda
há muito tempo. É a gestão pública direta se esvaziando e se eximindo da sua
obrigação de prestar um serviço público de qualidade. No caso em questão,
parece se apresentar um exemplo padrão.
A regularidade jurídica da decisão de dispensa
de licitação, da necessidade dos serviços e também da aprovação da empresa
Spetus Bar realizar os serviços contratados ficam para a análise jurídica dos
órgãos externos de fiscalização da administração pública como Ministérios
públicos e Tribunais de contas. É o que se espera. São de suas obrigações, que
ainda não foram terceiradas!
Se estiver tudo legalmente justificado, então
precisamos saber o que é o legal nessa história, sem deixar de considerar que a
moralidade é um dos princípios constitucionais basilares da gestão
pública.
O fato é que, sob o ponto de vista da moral e
opinião públicas, o quadro nos impõe pensar haver no caso algo no mínimo
bizarro nessa história. Depois de tudo que aconteceu nesse sentido em volta
justamente da Lei Paulo Gustavo, nós da cultura não merecemos mais viver cenas
de horrores!! Não mesmo!!!
Hum... Podemos imaginar de imediato o quadro de pessoal de um restaurante: Chefe, cozinheiro, auxiliar de cozinha, garçom, equipe de limpeza, gerente. Talvez o quadro esteja perfeito para uma congestão cultural, caso eles cumpram o contrato com a Prefeitura de Rio Branco.
ResponderExcluir