terça-feira, 26 de setembro de 2023

JOÃO VERAS: MINHA NOTA À NOTA DA FGB QUE NÃO NOTA QUE SE EQUIVOCOU

João Veras 26/09/23

 

Sei que tem muita gente que não tem saco para ler esse tipo de debate longo e cheio de juridiquês. Não tem como ser de outra maneira. Paciência. Coragem. É melhor assim!

Em resposta, mas sem fazer referência, ao que escrevi semana passada aqui sob o título “Como um restaurante de Sena Madureira será o gestor da Lei Paulo Gustavo no Município de Rio Branco. Como? Comes?”, a FGB emitiu a Nota de Esclarecimento publicada ontem na página da Prefeitura (leia aqui), pela qual deixa mais claro – esclarece sem deixar qualquer dúvida - o fato de ter dispensado licitação para contratar uma empresa que vai administrar tecnicamente a Lei Paulo Gustavo e cujas atividades principal e secundárias não são desse ramo técnico, mas de restaurante e similares.

A ideia aqui não é ficar batendo boca com a FGB, tampouco fazer às vezes de Ministério Público, Tribunal de Contas e Judiciário, seus naturais fiscais. Volto apenas para sustentar o que disse. Por uma questão moral também. O que faço desta feita me valendo da própria Nota de Esclarecimento que, de fato, esclarece não no sentido de desfazer, mas de, no fundo e expressamente, reafirmar o que eu disse.

E o que eu disse está em todo lugar. A Nota da FGB só sintetiza mais. Eu disse que um restaurante – o Spetur Bar - foi contratado por ela para ser o gestor da Lei Paulo Gustavo. Eu disse que tal decisão significa trocar o certo pelo não certo. É não garantir qualificação, eficiência, eficácia e efetividade na execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo (conforme determina o art. 18 da Lei nº 11.525, de 08 de julho de 2023, que regulamenta a Lei Paulo Gustavo.).

Que tal prática como se apresenta significa colocar no lugar da gestão municipal – que há anos vem administrando as leis de cultura - uma empresa que tem um ano e seis meses de existência cujas atividades - principal e secundárias - para as quais foi criada nada tem a ver com o objeto do contrato.

Vou voltar a fazer chuva no mar. Paciência. Coragem! É melhor assim.

O Edital de Coleta de Preços nº 004/2023–FGB delimita o requisito essencial para a contratação, diz a FGB: “...Convidamos os fornecedores, Pessoas Jurídicas (PJ) de direito privado, em que abrangem o ramo do objeto especificado, para apresentarem COTAÇÕES DE PREÇOS, visando dar prosseguimento na instrução processual para futura contratação de empresa especializada para prestação de serviços de assessoria para elaboração de trabalhos técnicos e prestação de contas referente a implementação e execução da Lei Paulo Gustavo (Lei complementar nº 195 de 08 de julho de 2022), no âmbito do Município de Rio Branco”.

A Nota não foge – na verdade o reitera - desse conceito fechado de empresa especializada quando se dispõe por suas próprias palavras a “esclarecer como todo o processo de contratação de uma empresa especializada para executar a Operacionalização da Lei Paulo Gustavo transcorreu.”.  É uma linguagem condizente com o Edital de Coleta de Preços.

A Nota diz que a sua decisão estar fundamentada no artigo 17 do Decreto Regulamentador da Lei Paulo Gustavo, de nº 11.525, de 08 de julho de 2023.

E que “Esse dispositivo autoriza o uso de até 5% dos recursos para a contratação de uma empresa especializada na execução dos serviços...”.

Falou bem aqui. Os recursos da Lei Paulo Gustavo autorizam a contratação de empresa especializada para a execução dos serviços previstos na norma.

Por que sendo especializada, repito, busca-se a garantia a técnica da qualificação, eficiência, eficácia e efetividade dos serviços (art. 18, da Lei nº 11.525, de 08 de julho de 2023).

Já que a questão diz tanto da ideia de especialização e ramo, é imperioso trazer o § 1o do art. 25, da Lei  nº 8.666/93, que conceitua normativamente a ideia de empresa especializada: “Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

A mesma Lei no seu artigo 13, vai elencar o que considera serviços técnicos profissionais especializados quais sejam, entre outros, os trabalhos relativos a estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; assessorias ou consultorias técnicas, gerenciamento de obras ou serviços; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal.

E que serviços técnicos são esses previstos no Decreto que regulamenta a Lei Paulo Gustavo (art. 18)?

São aqueles voltados especificamente para a realização de: “I - ferramentas digitais de mapeamento, monitoramento, cadastro e inscrição de propostas; II - oficinas, minicursos, atividades para sensibilização de novos públicos e realização de busca ativa para inscrição de propostas; III - análise de propostas, incluída a remuneração de pareceristas e os custos relativos ao processo seletivo realizado por comissões de seleção, inclusive bancas de heteroidentificação; IV - suporte ao acompanhamento e ao monitoramento dos processos e das propostas apoiadas; e V - consultorias, auditorias externas e estudos técnicos, incluídas as avaliações de impacto e de resultados”.

Diante disso tudo, não tem como não voltar ao Edital de Coleta de preços, pelo qual a FGB convida “ os fornecedores, Pessoas Jurídicas (PJ) de direito privado, em que abrangem o ramo do objeto especificado, para apresentarem COTAÇÕES DE PREÇOS, visando dar prosseguimento na instrução processual para futura contratação de empresa especializada para prestação de serviços de assessoria para elaboração de trabalhos técnicos e prestação de contas referente a implementação e execução da Lei Paulo Gustavo (Lei complementar nº 195 de 08 de julho de 2022), no âmbito do Município de Rio Branco.

Tenho certeza da desnecessidade de acrescentar desenhos.

A questão fundamental que não bate é como um restaurante consegue, em um ano e seis meses de funcionamento, ser especialista na gestão técnica da complexidade que é a gestão do edital de uma lei de cultura.

Que conhecimento e experiência foram os que o Spetus Bar acumulou na gestão técnica de uma lei de cultura? Qual edital, de que estado, de que município, de que ano?

Voltemos ao art. 18 da lei que regulamenta a Paulo Gustavo. Ela dispõe que esse percentual de 5% “... será utilizado exclusivamente com o objetivo de garantir mais qualificação, eficiência, eficácia e efetividade na execução dos recursos recebidos pelos entes federativos, por meio da celebração de parcerias com universidades e entidades sem fins lucrativos ou da contratação de serviços, como:...”

É de se perguntar: O Spetus Bar, pela sua finalidade empresarial e pela sua experiência de um ano e meio de existência, conseguirá garantir “mais qualificação, eficiência, eficácia e efetividade na execução dos recursos” da Lei? Terá ele mais qualificação, eficiência, eficácia e efetividade do que a própria FGB que vem se especializando a anos nessa atividade pela qual cuja experiência é indiscutível?

Uma novidade, todavia, se apresenta na Nota. A informação de que existe um “atestado de capacidade técnica”, o que comprovaria “a sua capacidade de prestar o referido serviço”. Precisamos saber quem atesta tal capacidade e quais as razões fáticas e técnicas que a sustentam do tipo: que experiência e conhecimento demonstram ter, que serviços no ramo prestou e para quem.

Nesse exato sentido, a nova lei de Licitação, no inciso II, do art. 67, estabelece que a “ documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a: II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei;

Nesse passo, a fim de fundamentar tal escolha, a Nota noticia uma decisão do TCU que tem, em um caso concreto, como pressuposto – sua razão de decidir – o fato da ‘... empresa apresentar experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade...”.

O que nos leva a procurar saber de uma vez por todas se o tal Atestado de capacidade Técnica consegue demonstrar que o restaurante criado há um ano e meio tenha conhecimento e experiência adequadas e suficientes para o desempenho das atividades de assessoria técnica na Lei Paulo Gustavo.

Como o Spetus Bar não foi criado para a prática de serviços técnicos de que trata o Edital de Coleta de Preços, como não é possível se obter uma experiência razoável pelo tempo de sua criação, imagine especialização, expertise, enfim, como ele não é do ramo, não é uma empresa especializada em serviços técnicos etc, toda a expectativa se volta para o único documento que se apresenta, segundo a Nota, como a prova determinante do contrário à toda facticidade até então formada.

Muito embora saibamos que nesse campo das formalidades jurídicas não existe magia, milagre, será preciso mesmo assim ver com os próprios olhos o teor desse documento que a FGB tem como milagroso. Aguardemos a sua disponibilização pública, o que até o momento ela não o fez, embora se diga ser tão transparente. Paciência. Coragem. É melhor assim!

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