Lila Ripoll (12/8/1905–7/2/1967), poeta, pianista,
professora e militante comunista. Nascida em Quaraí-RS, e falecida em Porto
Alegre-RS. Militante política e intelectual, Lila candidatou-se, nas eleições
de 1950, no Rio Grande do Sul, à deputada estadual, não elegendo-se. Com o
livro “Céu vazio” obtém, em 1943, o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira
de Letras. Por sua vez, a obra “Novos poemas” recebe o Prêmio Pablo Neruda da
Paz, outorgado pelo Conselho Mundial da Paz, sediado em Praga, na Tchecoslováquia.
Publicou oito livros de poesia: De mãos postas (1938), Céu vazio
(1941), Por quê? (1947), Novos poemas (1951), Primeiro de Maio
(1954), Poemas e canções (1957), O Coração Descoberto (1961) e Águas
Móveis (1965). Além da peça Um Colar de Vidro (1958), e algumas traduções.
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GRITO (1961)
Não. Não irei sem grito.
Minha voz nesse dia subirá.
E eu me erguerei também.
Solitária.
Definida.
As portas adormecidas abrirão
passagem para o mundo
Meus sonhos, meus fantasmas,
meus exércitos derrotados,
sacudirão o silêncio de convenção
e as máscaras de piedade compungida.
Dispensarei as rosas, as violetas,
os absurdos véus sobre meu rosto.
Serei eu mesma.
Estarei inteira sobre a mesa.
As mãos vazias e crispadas,
os olhos acordados,
a boca vincada
de amargor.
Não. Não irei sem grito.
Abram as portas adormecidas,
levantem as cortinas,
abaixem as vozes
e as máscaras —
que eu vou sair inteira.
Eu mesma. Solitária.
Definida. p. 245
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Canção de agora
Ontem meu peito chorava.
Hoje, não.
Também cansa a desventura.
Também o sol gasta o chão.
Estava ontem sozinha,
tendo a meu lado, sombria,
minha própria companhia.
Hoje, não.
Morreu de tanto morrer
a pena que em mim vivia.
Morreu de tanto esperar.
Eu não.
Relógios do tempo andaram
marcando o tempo em meu rosto.
A vida perdeu seu tempo.
Eu não.
Também cansa a desventura.
Também o sol gasta o chão. p. 244
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Poema
Inútil o protesto.
Inútil o florir anunciador
da primavera.
Não me estendas a mão,
que o tempo endureceu meu peito.
Sou poeta. Obrigatório
é para mim o sonho.
Concede-me o direito
de sonhar.
Quero ficar à janela da vida,
a cabeça no côncavo das mãos,
sabendo inútil a esperança,
mas a ela aconchegada.
A lua sobe alto, no céu alto.
Nesta hora, nascem asas,
laços de gravidade,
secretos instantes
de cintilação.
Minha mão não se estende.
Caída permanece,
como corola emurchecida.
O poeta sonha.
A mulher joga a rosa
sobre o mundo! p. 237
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Poema VI
Hoje pensar me dói como ferida.
O próprio poema não é poema.
Tem qualquer coisa de trágico.
De sangue junto ao muro.
De pétalas descidas.
De véu cobrindo o retrato
de um morto.
Hoje pensar me dói como ferida.
Mas é uma imposição pensar.
Não quero estado de graça,
nem aceito determinismo.
Só a morte é irreversível.
A opressão do azul
aumenta meu conflito,
e é cruel escutar as razões
da razão.
Quisera repartir-me
no cristal da manhã.
Ser um pouco daquela rosa
tocada de irrealidade;
da tênue luz ferindo
o espelho do rio;
daquela estátua pudica
que parece ter ressuscitado
a inocência
Mas em vez disso,
aqui estou:
queimada em pensamentos;
quebrados os instrumentos
do sonho. p. 264
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Na hora exata...
Quando eu morrer evitem extremos,
que acompanham aqui nossos caminhos:
por que flores depois que nós morremos
se na vida pisamos sobre espinhos?
Nada disso desejo quando morta.
Nem pedidos a Deus – que ele é imutável! –
Eu passarei serena pela porta
que conduz ao mistério indecifrável.
Os amigos que tenho, pela vida,
se chorarem, que sejam silenciosos.
Odeio a dor que faz por ser ouvida,
despertando a piedade dos curiosos.
Quero tudo tranquilo como um sono
de criança feliz que nada sente!
Se o destino quiser, – que seja outono
e que o sol pare um pouco sobre o poente.
E que uma chuva mansa e inquietante
molhe a terra que me há de receber.
E que um pássaro risque o céu distante
na hora exta do dia em que eu morrer... p. 70
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Pecado...
SÓ desejo fugir destes lugares.
Não posso mais ficar vivendo aqui.
Meu desejo é partir e sem demora,
para o lugar, lá longe, onde nasci.
Eu era ingênua, simples e curiosa.
Cuidava minhas flores, meu quintal.
Rezava. Ouvia missa. Era piedosa.
E nos dias de festa e procissão,
toda de branco, fita azul no peito,
carregava meu livro de oração!
Conhecia de cor os Mandamentos,
Tinha respeito à Igreja, ao Padre Eterno...
Evitava ter loucos pensamentos...
“Se morresse podia ir para o inferno...”
Tudo deixei. (Que enorme o meu pecado!)
Os livros me ensinavam tanta cousa,
que eu não quis mais viver no meu povoado.
Agora já não tenho a fita azul,
nem sei mais caminhar na procissão.
Penso cousas que nunca imaginei,
e não tenho o meu livro de oração...
Já não rezo. Não creio no inferno.
Esqueci por completo os Mandamentos.
Perdi meu jeito simples de menina
criada no mistério dos conventos...
Só desejo fugir destes lugares.
Não posso mais ficar vivendo aqui.
Meu desejo é partir e sem demora,
Para longe de mim...
Eu me perdi!... p. 32
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Procissão
Lá vai a Procissão a passos lentos.
É a grande procissão de “Corpus Christi”!
Na frente – sérios como os pensamentos –
menininhos de Asilos... – coisa triste! –
Que pecados terão essas crianças,
para um destino assim: calmo e vazio?
Nossa Senhora das desesperanças,
por motivos iguais minha fé fugiu.
Passam meninos ricos, mais atrás.
– Deviam ir na frente! É assim na vida! –
Um estandarte azul, outro lilás,
e a imagem da Senhora Aparecida.
Longas filas de fiéis, andores, cantos...
Rezam freiras, crianças e velhinhas.
Muitas moças vestidas como os santos.
Promessas que fizeram... Pobrezinhas!...
Em voz alta elas rezam: “Padre Nosso,
Santa Maria, Virgem Mãe de Deus!”
Quero mover meus lábios, mas não posso:
– Os pecados que tenho não são meus! –
E surgem pensamentos diferentes,
perturbando o desejo de oração:
por que será que os pobres, e os doentes,
e os mendigos não vêm à procissão?
Vão todos bem vestidos, satisfeitos.
Não vejo aleijadinhos que têm fome,
homens tristes com sono: não há leitos –
velhos cegos sem nada: até sem nome!
Que estranha procissão fariam eles,
reunidos pela rua a caminhar...
Que estranhas orações diriam eles,
se ainda tivessem voz para rezar!
Mas nenhum aparece. Ainda é dia.
A miséria se esconde quando há festa,
para não perturbar tanta alegria...
E eu olho a procissão com desencanto,
enquanto o sol retira a sua luz.
Com pena de Jesus que sofreu tanto,
e tão inutilmente, numa Cruz!... p. 60-61
RIPOLL, Lila. Lila Ripoll: obra completa. Org.
Alice Campos Moreira. Porto Alegre: IEL / Editora Movimento, 1998.
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
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