sábado, 14 de setembro de 2024

QUATRO SONETOS DE ROMEU JOBIM

Árvore Morta

 

Já não balanças, ao sabor do vento,

enchendo-nos de efêmera alegria,

nem és a confidente do tormento

humano, ou da ventura fugidia.

 

Já não te expandes para o firmamento

nem ouço, à tua fronde, a melodia

de alígero cantor que busca alento;

o lavrador em ti não vê magia...

 

Jaz, na campina, teu corpo estirado,

qual enorme gigante que deitasse,

após renhida luta, fatigado.

 

Mas berço, esquife, casa ou lenha pura

(em teu lugar já outra árvore nasce),

embora morta, o teu valor perdura. p. 14

 

Manaus, 11.5.1942.

 

֎

 

Paisagem rústica

 

Como a vida é risonha, assim distante

da bulha interminável das cidades!

Aqui frondeja um cumaru gigante,

que se ergue, altivo, em meio às tempestades;

 

ali se espanta uma inhambu, errante,

a fugir das insídias e maldades;

além suspira a juriti, arfante,

como a embalar as dores e as saudades.

 

E quando o sol descamba, ao fim do dia,

a alma da gente, leve, se inebria,

num clima bom de encantamento e festa.

 

Desce a noite. No espaço o luar flutua

e, no alto, branca, muito branca, a lua

semelha um coração sobre a floresta. p. 17

 

Abunã, 1.1943.

 

֎

 

A Vazante

 

Arrogante, soberbo, cheio, o rio,

transpondo as altas margens, imponente,

qual serpe de satânico assobio,

cobria as terras, ao fragor da enchente.

 

Com a vazante, porém, humilde, esguio,

vencido leão, sem garras, impotente,

chegado o tempo abrasador do estio,

deslizando ele vai, calmo e silente.

 

Também, no coração, as águas crescem

dos rios da Ilusão e da Esperança,

e tudo é sonho, força, alacridade.

 

Em seguida, no entanto, elas decrescem

e o coração, secando, é só lembrança

da enchente que passou, – a mocidade. p. 19

 

Rio Branco, Acre, 1943.

 

֎

 

Cromo

 

A tarde morre. No poente,

todo em chama, o sol se esvai.

E as árvores, brandamente,

Sussurram um lânguido ai.

 

Hora de sonho, esta! A gente

em pensamentos se abstrai.

Sopra brisa. De repente,

o crepe da noite cai.

 

A natureza esmaece

e, fatigada, adormece,

envolta no espesso véu.

 

Surgem as estrelas, bando

de criancinhas circundando

pelo terreiro do céu. p.27

 

Rio Branco, Acre, 1945.

 

JOBIM, Romeu. Cantos do caminho. Brasília: Trianas, 2003.

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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
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