Violeta Branca (1915-2000)
Na curva da lua nova perdi os meus sapatos.
Percorri tantos caminhos...
Nas cordilheiras geladas procurei a rosa branca
– todo sonho é uma rosa nascida entre os
espinhos –
fiz as milhas submersas que o mar me convidou
segui o rumo das águias em busca de liberdade
no chão áspero criei raízes de amor profundo
de manso teci a renda feita de sol e neblina
fui estrela refletida no limo dos igapós.
Bebi o vinho das noites
afundei nas madrugadas
fui água de cachoeira
vento malsão nas marés
cavalguei nuvens escuras
abri as portas à chuva
conheci homens e feras unidos na mesma essência
cantei canções às abelhas
dei meu rosto ao sereno
meu gesto dei ao perdão
meu pranto regou os campos
os peixes me namoraram
fui concha no fundo d'água.
Criei um deus sem complexos
fiz milagres de ternura
ganhei troféus e palavras
contornei ilhas e portos
equilibrei-me em abismos
deslizei em sonhos mortos
renunciei à beleza
pintei a clara alegria
fui amante do pecado
noviça pura e fremente
rasguei silêncios e veias
preguei no deserto imenso
desembainhei a espada e degolei a ignorância
ofereci aos humildes a verdade do que penso.
Agora quero outra vez recompor a minha forma
recolher os meus pedaços
novamente ser mulher
– sou figura geométrica em busca de solução –
mas onde encontrar minha presença
minha fala, meu suor,
a ideia apregoada de todo o amor maior
na curva da lua nova ou na amarga solidão?
BRANCA, Violenta. Reencontro. In Revista da
Academia Amazonense de Letras. Manaus: AAL, n.13, ano XLVIII, dezembro de 1968.
p. 166-167
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