Quatro Movimentos, o terceiro livro do poeta
amazonense Luiz Bacellar (1928-2012), publicado pela Editora Artenova, em 1975,
do Rio de Janeiro. Com prefácio de L. Ruas e ilustrações de Van Pereira.
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VII
Uma rosa de sal, entretecida
de mágoa, de pavor, de angústia e espanto,
por espinhos de gelo guarnecida,
foi se lavrando ao longo do meu canto!
Uma rosa de sal! Não fenecida,
pelas salobras lágrimas, que enquanto
cantei fui derramando, foi nascida
como estalagmite do meu pranto.
Uma rosa de sal! Ai quem pudera,
nessa corola branca constelada
de brilhos claros, de perenes lumes,
ver todo o sentimento que a fizera
sem contudo a tomar, menos amada,
por rosa dolorosa e sem perfumes? p. 21
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VIII
Rosa do mar! Se o mar tivesse rosas...
Rosa do céu? Se o céu também tivesse
e uma estrelar corola compusesse
de fluidas lactescências vaporosas.
Rosa de lumes claros, de olorosas
opalescências, ciciar de prece
erguida à Virgem pelo que padece,
para tecer grinaldas luminosas!
Ó rosa de impossíveis... transparências
que minha mente cria e que minh’alma
procura nos espaços siderais!
Ó rosa de purezas e inocências,
rosa da fé, rosa da paz, da calma,
rosa do além, rosa do nunca mais... p. 22
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IX
Essa rosa farpada, essa reouvida
rosa inconsútil plena em ressonâncias,
essa é a rosa dos ecos de uma vida
feita em procura dela em fundas ânsias;
essa rosa que dói mas que é amada
assim mutável, desassossegada
girando em chamas com seu rubro lume
de redolente cor, claro perfume,
é rosa mais na dor, mais na vivência,
mais no vibrátil som que é sua essência:
deslumbramento de um destino adverso;
essa rosa contínua e ressonhada,
por pétalas de pálpebras formada,
é rosa renascida em sono e em verso. p. 23
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XIX
Esta lua é a dos loucos. E eu pressinto
que vizinho já sou dessa loucura...
No entanto sinto quanto a noite é pura
com um diurno sentimento de que minto
sorvendo o azul e trágico absinto
do luar: me garimpando na procura
de uma razão de ser... (Essa tortura
de pressentir o louco que em mim sinto!)
Luar peripatético e falaz,
deambulatório luar, atro e minaz:
versos contados por passadas lentas.
Pelo meu ritmo interior levado
eu vou compondo, a passo magoado
o poema. E enchendo as horas lutulentas. p. 34
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XX
O meu verso é um fragor: desmoronar -
me sinto quando escrevo. E o ruído é tanto
que vou com passo incerto no meu canto
como se caminhasse à beira-mar
num dia de ressaca sob um luar
como o de agora (a via-láctea é um manto
salpicado de sal, de prata e pranto)
em que as horas se esquecem de passar.
Meu verso é um natural correr de pena
que rasga, que destrói, mutila e mata
minhalma que é de espuma e de verbena:
é um vestido deixado sobre a cama,
vazio de um corpo amado. E me arrebata
no vácuo intenso do meu próprio drama. p. 35
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XXXIII
Nos meandros do verbo abrindo as claves,
supremas solidões de angústias tensas
num denso tumultuar de asas imensas
de sombras vivas em revoadas de aves,
guardas as mais recônditas sentenças:
negros silêncios de pesadas chaves,
marulho surdo de perdidas naves,
proas rompendo o duro mar que pensas...
Mar de secos sargaços e de ossuários
com as amplas solidões, vastos silêncios
das planuras mortais do irrevelado,
arcabouço de sonhos refratários
que, alta corola calcinando-os, vence-os
o sol do espanto, lívido e nevado. p. 49
BACELLAR, Luiz. Quatro Movimentos. Rio de
Janeiro: Artenova, 1975. p. 21-23
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