Jamachi: coisas da Amazônia, 1934. |
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UMA EXPLICAÇÃO
Não sou candidato à Academia de Letras. Tampouco ao prêmio Nobel. Nem quero ser membro de Juri... Os contos são meus. Assunto da minha terra – o Amazonas. É regionalismo puro. Alguma fantasia. Quem achar que poderia sair melhor tem um recurso: as livrarias vendem papel, tinta, lápis, máquinas de escrever e outros artigos de que se servem os escritores sente à mesa e escreva... Se não tiver dinheiro para comprar o material suficiente – exceto a inteligência – venha a mim que eu forneço. Contanto que venha para a liça. Se não agradarem ao leitor, tenho a dizer que os contos são filhos desta coruja que sou eu. Eu os achei bons, ótimos mesmos. Por mim, estou contente. Sou muito egoísta.
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AS POMAS DE IACI
Adonai de Medeiros
Logo que a montaria encalhou na praia, à
entrada do lago, arregaçamos as calças e nos dirigimos ao velho caboclo que
recolhia num paneiro as raízes de macaxeira.
Estávamos dentro do grande lago em Manacapuru e
tratávamos de aproveitar aquele chorrilho de feriados e dias santos que os
primeiros dias de Novembro nos concediam, procurando passá-los da melhor
maneira. Uma digressão pelas casas à margem do enorme lago era agradável e, por
isso, pedimos uma canoa por empréstimo ao coronel Juvêncio, dono do barracão
onde nos hospedamos e nos metemos à folia.
Éramos ao todo cinco: o Pimenta, que a par de boa
voz tocava magistralmente o cavaquinho; o Salles, que reunia ao vezo de exímio
bebedor de “Janauacá” o de bom violão; o Almeida, emérito no fazer soar o
caracaxá; o Oliveira, que se fizera notável na harmônica, e eu, que brilhava
por não saber nem cantar nem tocar, acompanhando-os nas repetidas saudações às
garrafas da famosa aguardente amazonense.
Ao nosso cumprimento o caboclo respondeu com um
“bom dia” acompanhado de um gesto à aba do chapéu de palha e, amarrando com
umas embiras as bordas do paneiro, levantou-o ao ombro e conduziu-o para a
barraca na terra firme. Acompanhamo-lo e, gente da cidade, curiosa, crivamo-lo
de perguntas sobre o lugar e suas lendas. Ele, vergado ao peso do paneiro,
cuspinhando para os lados, remexendo na boca a masca de fumo, respondia à nossa
fala, com aquele jeito peculiar de quem envelheceu ao contato da natureza selvagem
e maravilhosa do vale.
Entrando na tosca residência, toda de palha,
ordenou à mulher nos servisse café batido ao pilão, e enquanto o saboreávamos,
aromatizado com cravo, ele, cedendo à nossa insistência, começou a narrar uma
das muitas lendas que os seus ancestrais lhe legaram:
– Foi ali, moços, no outro lado, e há muito que
se passou, foi naquela margem onde está a tapera do Pedro Jerômo, aquele que
matou a mulher por falsidade. Houve aqui nestas terras uma tribo de índios. O
tuichaua, o velho Kemembaua, morreu há cinco anos; tinha uma filha, Iaci, linda
entre todas as tapuias, de cabelos e olhos tão negros como as noites de
tempestade; os seios turgidos davam a impressão de flechas retesadas num arco.
Toda a mocidade guerreira da aldeia desejava-a
por esposa e era com ansiedade que esperava a celebração da sua puberdade. A
maloca inteira venerava-a; sendo a sua palavra um oráculo, como me disse o
velho pajé Muipiraua: uns diziam que o Grande Espírito a tinha feito nascer da
Lua com o Sol; faziam-na outros gerada da Noite com o Dia.
Certa manhã em que ela se banhava no igarapé
que fica atrás daquele cumaru, mostrando aos olhos invisíveis de Tupã o
esplendor do seu corpo moreno, um branco, um viajor incumbido da catequese dos silvícolas,
apareceu e, sem que ela pudesse evitar a insânia que sua beleza causara ao
aventureiro, furtou toda a ventura do tapuio escolhido para seu marido...
Kemembaua, cientificado da afronta infligida à
filha, lança o seu “Hi-o-há” de guerra, dardeja do arco e põe-se no encalço daquele
que a maculara. O branco, sabedor do ódio que o seu ato motivara entre aqueles
que tinha por dever chamar à civilização, tratou de fugir para lugar onde a ira
dos ofendidos não o alcançasse. Vendo baldados os esforços para a captura do catequista,
Kemembaua aplicou à filha, vilipendiada, a lei da tribo: sujeitou-a ao suplício
de lhe cortar os seios.
E, sob a revolta que tal cena despertava na
gente que a adorava, revolta velada pelo respeito aos desígnios do chefe, vindo
através dos tempos, até eles, Kemembaua os lançou na água parada do lago.
Muipiraua repetiu-me as palavras que proferiu:
– Iaci sofre porque branco fugiu.
Assim, o ídolo da maloca, com o peito em chaga,
expirou a castigo tão cruel...
MEDEIROS, Adonai de. Jamachi: coisas da
Amazônia. São Paulo: Gráfica São José, 1934. p. 9-12
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*Acerca de Adonai de Medeiros não foi possível
encontrar quaisquer referências biográficas, além da que diz ser do Amazonas,
no início da obra.
Adorei a "Explicação" que vem no início do texto. Há alguma semelhança com o poeta Isaac Melo. Risos. Eu gosto da explicação.
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