José Augusto de Castro e Costa*
A região amazônica, então, tornara-se um paraíso no qual refletia sensivelmente o industrialismo europeu e também o americano. Isto porque já se propagara que a região constituíra-se num bom mercado para artigos da industrialização e de fornecimento de produtos exóticos, aptos para satisfazer a demanda advinda da Revolução Industrial. Há registro de que, no início do segundo decênio do século XIX, várias frotas mercantes dirigiram-se para os rios amazônicos, notadamente interessados em operações comerciais, baseadas na cidade de Belém do Grão Pará.
Belém ficou conhecida como Paris n'América no Ciclo da Borracha |
A região amazônica, então, tornara-se um paraíso no qual refletia sensivelmente o industrialismo europeu e também o americano. Isto porque já se propagara que a região constituíra-se num bom mercado para artigos da industrialização e de fornecimento de produtos exóticos, aptos para satisfazer a demanda advinda da Revolução Industrial. Há registro de que, no início do segundo decênio do século XIX, várias frotas mercantes dirigiram-se para os rios amazônicos, notadamente interessados em operações comerciais, baseadas na cidade de Belém do Grão Pará.
Eram de grande variedade e importância os artigos transacionados, tanto de exportação como de importação, porém um produto de exportação destacara-se, quase que sorrateiramente, vindo a abalar os mercados do planeta. Trata-se da borracha, a qual, em princípio cuidava de manufatura e quantidade mínima de artigo em bruto. Consta que, até 1840, a maior quantidade de artigo de borracha exportado foi em forma de sapato, que foi levado a efeito durante quinze anos, quando dita exportação foi substituída por produto em bruto.
A grande procura estrangeira prende-se ao fato de que há setenta anos antes o europeu já referia-se a “uma substância que pode ser empregada, com bons resultados, para apagar traços de lápis no papel”, que provinha da Índia. Em seguida foram desenvolvidas pesquisas com vistas ao uso de tal artigo na fabricação de diversos outros objetos úteis à vida cotidiana, tais como ligas, suspensórios, tubos cirúrgicos, sapatos.
A esse paraíso, a essa região que já começara a apresentar-se, com robustez invejável, como super produtiva, acorriam um sem-número de brasileiros (nordestinos), como registrou o professor Arthur Reis:"Em 1852 registrou-se a primeira localização no Purus: Manoel Nicolau de Melo, pernambucano, situou-se no lago Aiapuá, abrindo caminho aos outros. Em 1857 o imigrante cearense João Gabriel de Carvalho e Melo, com quarenta famílias do Maranhão e Ceará, estas tangidas pela inclemência da seca de 1845, estabeleceu-se perto da foz do Purus, no Itapá, de onde deslocou-se, em 1862, para o Beruri e para o Tauariá, entre o igarapé Bapixi e a ilha do Purupuru-Carneira, onde iniciou o cultivo da salsa”.
Essas famílias, naturalmente, cresceram, multiplicaram-se e embrenharam-se floresta adentro e rio acima, depois de apaziguar e estabelecer bons relacionamentos com os índios que constantemente saiam das malocas para, nas praias do rio Purus, pescar e recolher tartarugas e tracajás que vinham desovar nas areias.
Por manterem contatos por tempo suficiente com os índios, João Gabriel e seus companheiros fizeram dos silvícolas seus primeiros seringueiros que os auxiliavam a extrair borracha em terra sem dono.
Em períodos de cheias, nos primeiros meses do ano, esses aventureiros abarrotavam de borracha os gaiolas que encarregavam-se de transportar o produto até Belém.
Nascem daí as famosas casa aviadoras. O cearense humilde João Gabriel, por haver caído nas graças de um grande comerciante-aviador estabelecido em Belém do Grão-Pará, tem à sua disposição toda uma estrutura material e econômica para levar a efeito esse empreendimento que, por certo, veio marcar o início da colonização do rio Acre – aliás, da região acreana.
Desenho de Percy Lau. |
Quando o calendário assinalava o dia 3 de março de 1878, nascia a colonização do Acre, com o cearense João Gabriel de Carvalho e Melo, à frente de seus homens vindos do Ceará e do Maranhão, erguendo barracas para indicar o primeiro seringal estável na área acreana.
Nunca se ouviu falar em boliviano, muito menos em seringueiro boliviano naquelas plagas do Acre.
Há vinte e um anos, portanto em 1857, dez anos antes do Tratado de Ayacucho, João Gabriel estivera naquele local e, por certo, conhecia muito bem os índios e a floresta de ótimas seringueiras para, ali, colocar muita fé e muita energia no mais novo empreendimento, vindo a consagrar-se o primeiro colonizador do Acre.
A partir daí tudo soa português na região acreana, com preponderância para a linguagem tipicamente nordestina. Este ato de coragem de João Gabriel adicionado ao seu arrojo, sem dúvidas valeu ao Brasil estender suas fronteiras através da posse produtiva, o que vem a ser o uti possidetis.
Quando se refere a paraíso, está-se levando em conta o exotismo biodiversificado da natureza e à exuberância do látex que saltava aos olhos. Em contrapartida era terrivelmente sensível o sofrimento pelo qual passavam aqueles que se destinavam às aventuras na “interland”.
Logo ao atingir o rio Purus, os passageiros dos gaiolas começavam a incomodar-se com os intermitentes ataques dos mosquitos da região. Durante o dia, eram os terríveis piuns (Simulium amazonensis), que marcava a picada com o ponto sanguíneo. Ao anoitecer chegavam as vorazes carapanãs (Mansonia amazonensis), da família das muriçocas.
Desenho de Percy Lau. |
Se a viagem para aquelas plagas decorria entre essas e outras agruras, a vida na floresta não deixava por menos, sobretudo quando as doenças se faziam presentes, o que constantemente ocorria, como o impaludismo, o beribéri, as polinevrites, as infecções intestinais, que causavam grande mortalidade.
No período da cheia, diante a chuva forte que provocava alagação geral, levando a perda total da plantação do pequeno roçado e destruição da precária cabana, o seringueiro pensava na ironia do destino que o expulsou do nordeste por motivo da seca, emigrou para o Acre, perdeu tudo o que tinha e ali estava ele quase sendo expulso em razão da cheia.
Vê-se, contudo, que vai-se formando no âmago do seringueiro uma forte inclinação afetuosa, um imenso apego à sua família, à sua moradia, ao seu cotidiano em que destacavam-se seus costumes e seu linguajar, de modo que, mesmo em face às adversidades sentia-se impelido a resistir e permanecer no mundo em que vivia.
* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Reside em Brasília e escreve o blog FELICIDACRE.
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