Kierkegaard (1813-1855)
Mas seria preciso que os pastores fossem pelo menos crentes! E crentes que creiam! Mas crer é como amar, a tal ponto que, no fundo, quanto ao entusiasmo, o mais apaixonado dos apaixonados faz figura de adolescente ao lado do crente. Olhai o homem que ama. Quem ignora que ele poderia, dia após dia, da manhã à noite e da noite à manhã, infindavelmente, falar dos seu amor! Mas qual de vós iria supor que ele tenha ideia, poder de falar como a nossa gente! que ele não abomine a ideia de provar três pontos que o seu amor tem um sentido!... quase como o pastor quando prova em três pontos a eficácia das orações, tanto elas têm baixado de preço que têm necessidade de três pontos para recuperar um pouquinho de prestígio; ou ainda, o que é semelhante, mas um pouco mais risível, quando prova em três pontos que a oração é uma beatitude que ultrapassa o entendimento. Ó querido e inapreciável Anticlímax! dizer que se prova por três razões que, a valerem um pouco mais que nada, não devem portanto superar o entendimento, mas, pelo contrário, provar-lhe à evidência que essa beatitude de modo algum o ultrapassa; como se, com efeito, as “razões” não tivesse, de estar sempre ao alcance da razão! Mas quanto àquilo que supera o entendimento – e para aquele que nisso crê – essas três razões são tão vazias como, nas tabuletas das hospedarias, três garrafas ou três veados! Mas prossigamos: quem suporia ao apaixonado a ideia de defender a causa do seu amor, de admitir que esse amor não seja o seu absoluto, o Absoluto! Como crer que o tenha pensado ao mesmo tempo que nas objeções hostis, e que assim nasceu o seu discurso de defesa; isto é, como julgá-lo capaz ou nas vésperas de admitir que não está apaixonado, de se denunciar como não o estando? Ide propor-lhe para tomar tal atitude, e é fatal que vos julgue louco, e se, além de apaixonado, for também um pouco psicólogo, podeis estar certo de que suspeitará o autor da proposição de nunca ter conhecido o amor, ou de querer conduzi-lo a trair, a renegar o seu... defendendo-o! Não estará nisto a prova terminante de que a um verdadeiro apaixonado, jamais passará pela cabeça a ideia de em três pontos provar o seu amor ou defendê-lo? visto que alguma coisa vale mais que todos esses pontos juntos e que qualquer defesa: ele ama. E quem prova e pleiteia, não ama, limita-se a fingi-lo, e, infelizmente – ou tanto melhor – tão tolamente o fez que apenas revela a sua falta de amor.
KIERKEGAARD, Soren. Diário de um sedutor; Temor e tremor; O
desespero humano (doença até a morte). São Paulo: Abril Cultural, 1979. p.258-259
* O excerto é de O desespero humano. Título nosso.
Mas seria preciso que os pastores fossem pelo menos crentes! E crentes que creiam! Mas crer é como amar, a tal ponto que, no fundo, quanto ao entusiasmo, o mais apaixonado dos apaixonados faz figura de adolescente ao lado do crente. Olhai o homem que ama. Quem ignora que ele poderia, dia após dia, da manhã à noite e da noite à manhã, infindavelmente, falar dos seu amor! Mas qual de vós iria supor que ele tenha ideia, poder de falar como a nossa gente! que ele não abomine a ideia de provar três pontos que o seu amor tem um sentido!... quase como o pastor quando prova em três pontos a eficácia das orações, tanto elas têm baixado de preço que têm necessidade de três pontos para recuperar um pouquinho de prestígio; ou ainda, o que é semelhante, mas um pouco mais risível, quando prova em três pontos que a oração é uma beatitude que ultrapassa o entendimento. Ó querido e inapreciável Anticlímax! dizer que se prova por três razões que, a valerem um pouco mais que nada, não devem portanto superar o entendimento, mas, pelo contrário, provar-lhe à evidência que essa beatitude de modo algum o ultrapassa; como se, com efeito, as “razões” não tivesse, de estar sempre ao alcance da razão! Mas quanto àquilo que supera o entendimento – e para aquele que nisso crê – essas três razões são tão vazias como, nas tabuletas das hospedarias, três garrafas ou três veados! Mas prossigamos: quem suporia ao apaixonado a ideia de defender a causa do seu amor, de admitir que esse amor não seja o seu absoluto, o Absoluto! Como crer que o tenha pensado ao mesmo tempo que nas objeções hostis, e que assim nasceu o seu discurso de defesa; isto é, como julgá-lo capaz ou nas vésperas de admitir que não está apaixonado, de se denunciar como não o estando? Ide propor-lhe para tomar tal atitude, e é fatal que vos julgue louco, e se, além de apaixonado, for também um pouco psicólogo, podeis estar certo de que suspeitará o autor da proposição de nunca ter conhecido o amor, ou de querer conduzi-lo a trair, a renegar o seu... defendendo-o! Não estará nisto a prova terminante de que a um verdadeiro apaixonado, jamais passará pela cabeça a ideia de em três pontos provar o seu amor ou defendê-lo? visto que alguma coisa vale mais que todos esses pontos juntos e que qualquer defesa: ele ama. E quem prova e pleiteia, não ama, limita-se a fingi-lo, e, infelizmente – ou tanto melhor – tão tolamente o fez que apenas revela a sua falta de amor.
* O excerto é de O desespero humano. Título nosso.
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