Inês Lacerda Araújo
Há certos momentos marcantes na vida dos
filósofos, alguns típicos do que se espera deles, outros inusitados e até
surpreendentes.
Sócrates cercado de alunos, Sócrates que
abreviou sua morte com cicuta, episódios típicos de um filósofo. Mas imagine
Sócrates no banquete em que o jovem e belo Alcebíades, embriagado como relata
Platão, seduz pela juventude e beleza. Relata Alcebíades ter dormido sob o
manto de Sócrates, e "pensava que logo ele iria tratar comigo o que um
amante em segredo trataria com o bem amado, e me rejubilava", mas isso não
aconteceu, Sócrates acordou e retirou-se.
Mudança de quadro: Agostinho no jardim de sua
casa em Milão (ano 386), aos 32 anos busca um sentido para sua vida. Uma súbita
iluminação lhe mostra o caminho da fé em Deus, a leitura de Paulo de Tarso muda
por completo sua visão de mundo, ele se converte ao catolicismo, e encontra a
paz depois do que chamou de "vida em pecado".
Bem diferente de Descartes, uma cena de
intimidade, descrita pelo próprio filósofo na primeira Meditação: "Por
exemplo, que eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido com um chambre,
tendo este papel à mão...", quando analisa o grau de certeza proporcionado
pelos sentidos. Por que será que ele mencionou o modo como se vestia?
E Nietzsche dançando? Em Ecce Homo ele recorda dos passeios em Nice, onde terminou
"Assim Falou Zaratustra": "Muitas alturas silentes da paisagem
de Nice são sagradas para mim devido a momentos indeléveis que ali passei ...;
a agilidade muscular foi sempre tanto maior em mim quanto a força criadora mais
fluentemente me inundou o espírito. O corpo é entusiasmo: não nos ocupemos da
'alma' ... Frequentemente viram-me dançar."
Entre as muitas "esquisitices" de
Wittgenstein, mania por limpeza, comida frugal, acessos de violência (o famoso
puxão de orelha em uma menina, sua aluna quando professor de matemática em uma
aldeia; discutindo com B. Russell e o ameaçando com um atiçador de lareira), há
uma pouco conhecida, mas marcante cena passada na Irlanda. "Seus vizinhos
mais próximos, a família Mortimer, consideravam-no completamente louco...
Chegaram a proibi-lo de passar por seu terreno, afirmando que ele assustaria os
carneiros". Assim, Wittgenstein tinha que desviar, e "num desses
passeios, os Mortimer viram-no parar de repente e, servindo-se de um bastão,
desenhar uma figura (um pato-lebre?) no chão da trilha, a qual ficou
contemplando por um longo tempo, inteiramente absorto, antes de retomar a
caminhada" (cf biografia "O dever do gênio", Ray Monk).
Se permanecer absorto é algo que até se
espera de um filósofo, comprar um Jaguar e dirigir em disparada, fere nossa
imagem do pensador (a da estátua de Rodin, por exemplo). Trata-se de Foucault
em Uppsala (Suécia). "Um dia vai com Jean-Christophe a Estocolmo comprar
um carro. Voltam com um suntuoso Jaguar bege que surpreende a boa sociedade
local", gostava de comer bem, bebia de vez em quando até cair de bêbado,
"também gostava de se vestir de chofer para levar Dani (uma amiga) a suas
compras na cidade. Seu Jaguar se tornou lenda entre todos que o conheceram em
Uppsala. Todo mundo conta que ele dirigia como um louco" (cf biografia de
Didier Eribon). Temiam que se acidentasse, o que, felizmente para a filosofia,
não aconteceu.
Decididamente, filósofos não andam com a
cabeça nas nuvens...
*Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento. Atualmente aposentada.
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