Cassiano Ricardo (1895-1974)
(...)
Teu lugar, elefante, não é mais
na selva da África, nem na rua 15.
É no circo, onde, atualmente, moras.
No circo de onde, ludibriando o guarda –
fugiste para a rua; é lá, no circo,
onde demora o último vestígio
do mudo mágico, onde és qualquer coisa
de tragicômico, de maravilhoso,
entre os necessitados de alegria.
Os que procuram coisas diferentes
das que encheram de tédio as próprias flores.
Algo que lhes pareça fabuloso.
Não aquilo que, à custa de ser visto,
o olhar se prostituiu de tanto olhar;
mas algo acima do seu horizonte
de agora e que – embora muito feio, –
seja, como tu és, gentil de ver.
Volta ao circo, elefante; tem piedade
do pouco que nos resta de criança,
neste planeta, sujo fim de terra.
Volta ao circo, elefante... Sê obediente
como a força que crê em si; e deixa-me,
deixa-me, desde logo, azuis, na tromba
amarrar-te, de novo, os laçarotes
de fita, e fulvos, pendurar-te, aos pulsos,
os guizos de ouro, tilintantes de ouro.
Além de tudo, este é o maior segredo,
que eu queria contar-te, bem no ouvido.
A hora é de morrermos todos; todos.
Vem aí o dilúvio, e o circo é a arca
de Noé, ancorada, já no asfalto,
para salvar apenas as crianças
e os poucos a quem Deus ofereceu
a graça de se parecer
com elas...
RICARDO, Cassiano. Melhores Poemas. Seleção Luiza Franco Moreira. São Paulo: Global, 2003. p.129-130
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