A Região Metropolitana do
Cariri, no Ceará dispõe de importante centro universitário e de um metrô que
atende a parte mais populosa da região, ligando a cidade do Crato ao Juazeiro
do Norte. Para visitar as cidades, Nova Olinda e Santana do Cariri, que ficam
na Serra do Araripe, o transporte que utilizamos foi uma van e um veículo
particular que faz lotação entre Nova Olinda e Santana do Cariri. Estes são
transportes alternativos, praticados em diversas localidades do Brasil, até
mesmo na capital federal, Brasília.
Vimos
com tristeza o metrô que atende a região, encontrar-se danificado por pessoas
insatisfeitas por algum motivo, o qual não chegamos a descobrir. Lamentamos o
fato por considerar valorosa a eficiência do metrô para a população que, em
grande parte é economicamente carente, e o preço do metrô era de apenas R$
1,00, enquanto o ônibus custava mais que o dobro.
Desnecessário
dizer que a região Nordeste do Brasil é um misto de riqueza humana e pobreza
material de muitas pessoas. A manifestação cultural da região ocorre em todas
as artes, possíveis e não imagináveis. E graças ao espírito artístico e
criativo de algumas pessoas, lugares bastante isolados que oferecem
insignificante perspectiva aos jovens, principalmente, pode ter sua realidade
mudada a partir de ações singulares que surgem de maneira particular, mas que
ganham credibilidade e parcerias importantes para a sustentabilidade dos
projetos e das vidas das pessoas. Este é o caso da cidade de Nova Olinda, que tem
como referência a Fundação Casa Grande, que dispõe de um pequeno memorial sobre
o povo Kariri e diversos projetos culturais na área da música, dança, teatro,
entre outras atividades, para crianças, adolescentes, jovens e consequentemente
as suas famílias.
Fundação Casa
Grande
Foto: Oliveira de
Castela, 2015
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Embora eu já conhecesse a
Fundação Casa Grande, através da imprensa, a visita à cidade tinha o objetivo
de conhecer de perto o trabalho, onde se pôde comprovar o envolvimento da
comunidade com a Casa Grande, algo que merece verdadeiro reconhecimento pelos
resultados que tem alcançado e pelo significado que tem a Fundação, não somente
para Nova Olinda, mas também para toda a região.
Não seria justo encerrar o
assunto de Nova Olinda, sem fazer referência a figura pública, que assim se
tornou, pela primazia de seu trabalho em couro, que é o senhor Expedido
Seleiro. Ele não é apenas um artesão, ou um comerciante comum, trata-se de um
artista que além de dispor de um rico material, que só o fato de se poder
apreciar, já é um espetáculo, quanto mais poder sentar à frente de sua loja e
com ele bater um bom papo sobre o seu trabalho, como ele iniciou na profissão,
sua ligação com a cidade etcétera. Se alguém quiser saber faz como nós, pé na
estrada…
Conforme dito anteriormente,
a chegada ao Cariri foi na cidade do Crato, em torno das sete horas da manhã,
fomos ciceroneados por Verioní Bastos, uma jovem que já era um contato do
Jorge, em função do trabalho dele, desenhos feitos a café, que Verioní havia se
interessado em adquirir, mas eles ainda não se conheciam pessoalmente.
Embora Verioní estivesse
bastante ocupada, participando de um evento e às voltas com a sua reinstalação
no Crato, sua cidade natal, mesmo assim, ela demonstrou toda disposição ao nos
apanhar na rodoviária, em um carro de sua família e nos conduziu até um hotel,
em meio a muitos pedidos de desculpas por não poder nos hospedar. Uma extrema
gentileza da parte dela que, ainda conseguiu tempo para nos acompanhar à cidade
de Nova Olinda, na visitação à Fundação Casa Grande e nos apresentando ao Seu
Expedido Seleiro. Dificilmente saberíamos da existência dele, se não fosse
Verioní que é conhecedora das particularidades da região, mesmo tendo ficado
fora do país por alguns anos.
São pessoas como Verioní,
que chegam até nós, via às novas mídias, ou redes sociais, como se convencionou
chamar, e passam a integrar o quadro de amizades, com muita proximidade,
possibilitando trocas importantes diversas, não apenas profissionais. Às vezes
pode ser um único encontro, como já aconteceu.
A visita ao Cariri, mesmo
objetivando buscar entender a relação do nordestino com a região, como abordado
anteriormente, foi também uma viagem de passeio e outras descobertas, não foi
uma pesquisa científica com projeto, método e objetivos explícitos. Mesmo
quando se trata de pesquisa científica, o decorrer da investigação pode levar a
outros caminhos não previstos no projeto. Quando a viagem é sem nenhum rigor,
feita ao sabor do espírito aventureiro, muito mais “desvios de função” podem
acontecer. Em Nova Olinda surgiu a ideia da visita à Santana do Cariri, onde
colhi um depoimento marcante, do Senhor Amaro, numa conversa que veio ao
encontro das indagações sobre a vida dos sertanejos e ao sabor das frutas.
A cidade de Santana do
Cariri tem o título de “capital cearense de paleontologia”, por abrigar o Museu
de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri. Foi a indicação da
existência do Museu, a razão de nossa visita. Saindo do Crato, numa Kombi, que
a princípio, o cobrador informou que o destino era S. do Cariri, quando chegou
um pouco mais à frente da viagem, quase na saída do Crato, ele mudou a
informação, dizendo que o destino era Nova Olinda. Questionamos a contra
informação, descemos do veículo, mas o motorista argumentou que, de Nova Olinda
para S. do Cariri havia veículos de lotação, devido o avançado da hora, optamos
em seguir na Kombi.
Em Nova Olinda tomamos o
veículo de lotação, um Fiat uno. Viajamos com a lotação de passageiros completa,
eu, Jorge, dois homens e o motorista. Comecei a ensaiar uma conversa sobre as
plantas da região, querendo identificar melhor o juazeiro, árvore ícone na
região que batiza cidades e tem fruto comestível - o juá.
A conversa enveredou sobre
frutos que se come, sobre fome, trabalho na roça, memória, etcétera. Sutilezas
que compõem o universo dos camponeses da região. O motorista, senhor Amaro,
começou a listar os nomes de algumas frutas como, trapiá ou tapiá, canapum,
quebra bucho, ingá, jatobá, tamarindo, cambuí, macaúba, catolé... Ele lembrou
também, de uma espécie de batata. Segundo ele, quando estavam com bastante
fome, arrancava-se a referida batata da terra e comia-se ali mesmo no roçado
onde estavam trabalhando, sem necessidade de cozer.
Numa expressão para mim
inesquecível, ele fez um questionamento, mais ou menos assim: - se eu que vivi
num tempo, bem melhor que os meus pais e passei tantas necessidades, comendo
frutos que não tinham nada o que comer, eu me pergunto, como é que os meus pais
viveram? Na fala dele, além de uma pergunta, havia dor! Assim como testemunhava
a distância daquela vivência de carências, em relação a sua vida no presente,
atualmente morando na cidade, longe do roçado.
Deve-se considerar que a
melhoria de vida, de muitas pessoas no Nordeste é uma realidade, porém tais
melhorias são concentradas, o campo ainda está longe de ter a mudança
quantitativa e qualitativamente necessária. O homem do campo, pobre, ainda
amarga a herança da fome e de outras necessidades básicas. A seca ainda é a parceira perversa de muita
gente.
A mudança de vida do senhor
Amaro, o motorista, está associada ao abandono do campo, mas nem sempre
abandonar o campo é a certeza da melhoria de vida dos sertanejos, prova disso é
a vida miserável nos grandes centros urbanos, dos nordestinos que deixam suas
cidades, mas continuam em busca da sobrevivência. Mudaram apenas de campo de
batalha.
O grande ganho na ida à
Santana do Cariri foi a conversa com o senhor Amaro. Mas não poderia deixar de
dizer do carinho que teve a senhora do refeitório do Museu de Paleontologia,
que ao listar os sucos disponíveis, citou o suco de ameixa. Fiquei curiosa para
saber de qual ameixa se tratava, visto a existência de diferentes espécies, em
vários lugares do mundo, todas com o nome de ameixa. Como ela só tinha a polpa,
no refeitório, foi até a sua casa que ficava próxima, apanhou a fruta e levou
para nos apresentar. De fato era outra fruta, até então desconhecida para nós.
O suco, uma bebida dos deuses!
Deixamos o Estado do Ceará com
novos amigos, o fortalecimento de velhas amizades e a certeza de que ainda
teremos que voltar por lá, umas cem mil vezes.
A
viagem dali para frente seria visitar algumas cidades, nos Estados da Paraíba e
de Pernambuco. Matar a curiosidade de conhecer a Feira de Caruaru, porque toda
feira é sempre um local de trocas que vai muito além de mercadorias, as trocas
se dão no campo sentimental dos feirantes e de algumas pessoas que passam por
lá. Como o teatro está sempre presente em nossas vidas, minha e do Jorge,
arriscamos uma visita à dramaturga Lourdes Ramalho, em Campina Grande. Como a
música é considerada a arte de todas as artes, nada como encerrar a viagem,
depois de ir à terra da ciranda, acreditando que haveria bom tempo e
conheceríamos a cirandeira Lia de Itamaracá. Por fim, fazer uma parada em
Olinda, a linda cidade do frevo, maracatu e muitos amigos... Ora pois, deu tudo
certo.
Leiam aqui as crônicas anteriores:
-
Primeira: O início é no Cai N’Água
-
Segunda: Capitais da borracha
-
Terceira: A “Pérola do Tapajós”
-
Quarta: Uma noite de medos e macacos
-
Quinta: Infâncias roubadas na Amazônia
-
Sétima: O Cariri que nos habita
- Oitava: De Fortaleza à Trairí é um pulo!
É maravilhoso esse dom de guardar cada nome, cada acontecimento, cada história... Eu iria pedir para ler a Obra inteira, mas estou descobrindo um modo diferente e tranquilo de ler através dos seus relatos, Eliana! Tenho "preguiça de ler devagar"! Então acabo lendo mais de uma vez o mesmo livro antes de pensar no que li e me aventurar outra vez ou não. Assim, em pequenas doses, estou me doutrinando a acariciar mentalmente cada detalhe e isso tem sido muito bom!
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