sábado, 9 de setembro de 2017

LEANDRO TOCANTINS: COSMOINFÂNCIA

Tarauacá em 1953. Foto: Tibor Jablonski
mulher da ponte 
Leandro Tocantins (1919-2004)

A ponte, arquiteta do amor,
oculta no pasto dos prazeres.
O carmim no rosto,
suores vermelhos,
na noite regada de fúria e paz.
Mulher da ponte mulher puta
na imaginação transfigurada do menino,
mulher lírio que brota do estrume proscrito,
ressurge na luz da manhã amarela,
do sol presente (ou da luz ausente),
estente a mão impura (ou pura),
ingênua precisão
de afagar de leve o rosto do menino
que passa na ponte imponderavelmente obscura.
O desejo à espreita de passos ainda ausentes
no desassossego da morna transfiguração.
Mulher puta?
Mulher lírio?
Puta ponte.


seringal seringueiro
Leandro Tocantins (1919-2004)

Os crótons cantam o Hino Nacional
(ou será o Hino da Bandeira
apelo matinal da esperança)
nas folhas verdeamarelamente patriotas.
Esperança não mais esperança,
apenas lamento inconsútil
nos olhos alucinados de ontem.
A pátria chegando tímida
no barranco sussurrante de rio,
na barraca vômito da floresta.
Rio pérfidos agarrando seres
pra escraviza-los na mansão deserta
do tempo verde consumindo caminhadas.
Golpes na carne-essência das árvores,
menstruação vegetal,
espasmos de seiva,
hibernação de sangues brancos,
rigidez de formas quase petrificadas.
Soluços de solidão nas nuvens de periquitos,
estrelas gritantes na sombra do ser sozinho
que poreja no corpo os dias-mortos os anos-mortos
de existência embalsamada no ausente que jamais virá.


seringal ao som da sonata ao luar
Leandro Tocantins (1919-2004)

O piano inglês
no seringal
faz música de luar
beethoveanamente
notas batendo
nas folhas
adormecidas
a floresta
orquestra sinfônica
acorda nos sons de luar
Luís de Beethoven
autor de 32 sonatas
17 quartetos
9 sinfonias
saberá reger
que espalha luar
na floresta
no mundo esquecido
do seringal?


TOCANTINS, Leandro. Cosmoinfância. Rio de Janeiro: Artenova, 1969. p.31, 33, 41.

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