quarta-feira, 9 de maio de 2018

BALADA DOS ENFORCADOS

François Villon (1431-1463?)
Irmãos humanos que depois de nós viveis,
Não tenhais duro contra nós o coração,
Porquanto se de nós, pobres, vos condoeis,
Deus vos concederá mais cedo o seu perdão.
Aqui nos vedes pendurados, cinco, seis:
Quanto à carne, por nós demais alimentada,
Temo-la há muito apodrecida e devorada,
E nós, os ossos, cinza e pó vamos virar.
De nossa desventura ninguém dê risada:
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

Chamamo-vos irmãos: disso não desdenheis,
Apesar de a justiça a nossa execução
Ter ordenado. Vós, contudo, conheceis
Que nem todos possuem juízo firme e são.
Exculpai-nos – que mortos, mortos nos sabeis –
Com o filho de Maria, a nunca profanada;
A sua graça, para nós, não finde em nada,
No inferno nos não venha o raio despenhar.
Ninguém nos atormente, a vida já acabada,
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

A chuva nos lavou, limpou-nos, percebeis;
O sol nos ressequiu até a negridão;
Pegas, corvos cavaram nos olhos – eis! –,
Tiraram-nos a barba, a bico e repuxão.
Em tempo algum tranquilos nos contemplareis:
Para cá, para lá, o vento de virada
A seu talante leva-nos, sem dar pousada;
Mais que a dedal, picam-nos pássaros no ar.
Não queirais pertencer a esta nossa enfiada.
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

Príncipe bom Jesus, de universal mandar,
Guardai-nos, ou o inferno então nos arrecada:
Lá nada temos a fazer, nada a pagar.
Homens, aqui a zombaria é inadequada:
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!


BALLADE DES PENDUS

Frères humains, qui après nous vivez,
N'ayez les coeurs contre nous endurcis,
Car, si pitié de nous pauvres avez,
Dieu en aura plus tôt de vous mercis.
Vous nous voyez ci attachés, cinq, six:
Quant à la chair, que trop avons nourrie,
Elle est piéça dévorée et pourrie,
Et nous, les os, devenons cendre et poudre.
De notre mal personne ne s'en rie;
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre!

Se frères vous clamons, pas n'en devez
Avoir dédain, quoique fûmes occis
Par justice. Toutefois, vous savez
Que tous hommes n'ont pas bon sens rassis.
Excusez-nous, puisque sommes transis,
Envers le fils de la Vierge Marie,
Que sa grâce ne soit pour nous tarie,
Nous préservant de l'infernale foudre.
Nous sommes morts, âme ne nous harie,
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre!

La pluie nous a débués et lavés,
Et le soleil desséchés et noircis.
Pies, corbeaux nous ont les yeux cavés,
Et arraché la barbe et les sourcils.
Jamais nul temps nous ne sommes assis
Puis çà, puis là, comme le vent varie,
A son plaisir sans cesser nous charrie,
Plus becquetés d'oiseaux que dés à coudre.
Ne soyez donc de notre confrérie ;
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre!

Prince Jésus, qui sur tous a maistrie,
Garde qu'Enfer n'ait de nous seigneurie:
A lui n'ayons que faire ne que soudre.
Hommes, ici n'a point de moquerie;
Mais priez Dieu que tous nous veuille absoudre!


VILLON, François. Poesias de François Villon. [tradução, notas e notícias de Péricles Eugênio da Silva]. São Paulo: Art Editora, 1986. p.15-17 
Nota: Villon tem presente o espetáculo horroroso do cadafalso de Montfaucon, neste que é um de seus mais celebrados poemas, escrito quando recebeu a condenação a ser enforcado.

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