Leila Jalul
Ela apareceu num
programa do Roberto Vaz, numa emissora que não lembro. Mamãe, que não perdia
uma oportunidade para lacrimejar diante de uma pessoa doente, acionou-me para
ir atender ao pedido do apresentador. Deveria ir, de imediato e sem reclamar,
saber como poderia ajudar. Como sempre, obedeci.
Anídia
era uma criança fora do comum. Seu corpo estava coberto por uma ziquizira
feíssima que, à primeira vista, poderia ser pênfigo. Impetigo, eczema ou
qualquer outro tipo de dermatite que não sei o nome. Da cabeça aos pés.
Sangrava a cada vez que se impacientava e metia as unhas. Nem diante desse
quadro lastimável, Anídia, em momento algum, perdeu a simpatia.
Levei-a
para minha casa, não sem ser acompanhada por sua responsável. Instalei-as
devidamente e chamei minha mãe. Pronto! Anídia já foi se abraçando com ela e
chamando-a de vovó. Tive ciúme! Tive mesmo! Onde já se viu?
Bem,
como minha nora pediatra morava comigo, pedi que fizesse uma avaliação e me
orientasse para os devidos cuidados com Anídia que, a estas alturas do
campeonato, já era coleguinha do meu neto e com ele dividia brinquedos. Do alto
dos seus quatro anos, ostentava uma matreirice invejável.
A
médica pediu exames de praxe e falou que aquilo não se resolveria com uma
simples pomadinha. Uma dermatologista deveria ser consultada para um
diagnóstico preciso. No mais, como pediatra, cuidaria da anemia profunda,
verificaria o que determinava seu inchaço, faria administração de vermífugo,
vitaminas, higiene pessoal, dentre outros procedimentos.
E
assim foi feito. A acompanhante ficou tranquila e se foi para cuidar de seus
filhos. Ela apresentou-se ao Vaz e a mim como cuidadora de Anídia, sem falar
quem era a mãe da menina. Isso não era importante. Pelo menos parecia não ser.
Nunca
uma criança me impressionou tanto como Anídia. Ela tinha fibra até no tutano.
Não reclamava na hora em que sua blusinha, ao desgrudar-se do corpo, trazia
junto parte de sua pele e os pruridos que as feridas soltavam. Anídia era pau
de aquariquara!
E
então começou o tratamento propriamente dito. Exames feitos, diagnóstico
confirmado, Anídia, até que melhorasse das feridas, deveria dormir num colchão
d’água. Seus banhos deveriam ser com permanganato, as roupas deveriam ser
leves, sua alimentação balanceada, etc, etc e etecetera e tal.
Mamãe
brincava com Anídia, com o bisneto e com seus papagaios falantes. E nesse
ambiente, cheia dos carinhos, em menos de um mês, Anídia estava nos trinques.
Hora de voltar para sua cuidadora e seus coleguinhas na zona rural.
E
quem disse que Anídia queria voltar? Bateu o pé, chorou, fez birra e tudo que
tinha direito. Arrumei sua mala, sua caixa de brinquedos, medicação e tudo o
mais, inclusive os presentes de natal que estava próximo.
Motorista
esperando, cuidadora a postos, Anídia deu-me um ultimato: só vou se minha babá
também for.
Babá?
Que babá, Anídia, perguntei-lhe.
Aquela
ali, disse-me apontando para Janda Carla, a moça que trabalhava comigo.
Aí
eu entendi e passei a amar ainda mais a minha pupila. Ela era valente, sim.
Porém, mais que valente, era absolutamente carente de mãe. Babá, para ela,
tinha significado de mãe. Janda Carla era quem lhe dava banhos, colocava sua
comidinha na hora, arrumava seu ninho para dormir e ainda cantava uns louvores
para acalmar suas dores e birras. A parte que me cabia era fazer com que
tomasse os medicamentos nos horários e não fazer festa com os seus beicinhos e
mimimis. A parte da megera, pois.
Sinto saudades da Anídia. Espero que esteja uma bela e brava mulher
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DOM HÉLDER CÂMARA
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