domingo, 19 de janeiro de 2020

JOÃO CRESCÊNCIO DE SANTANA: alguns poemas

João Crescêncio de Santana, advogado, poeta e compositor. Nasceu em 8 de março de 1933, no seringal Arapixi, município de Boca do Acre-AM. Chegou a Rio Branco em 1949, ainda adolescente, aonde reside até hoje. Em 1965, ingressou na então Faculdade de Direito do Acre (FADACRE), atual Universidade Federal do Acre, integrando a primeira turma de Direito da instituição. Depois de formado, ocupou diversos cargos públicos, como Diretor de Polícia Judiciária e Assessor Jurídico. É membro efetivo da Academia Acreana de Letras (AAL), titular da cadeira nº 16, que tem como patrono José Maria Cândido Rondon e fundador José Guiomard dos Santos.


SIBIPIRUNA

Cresce Sibipiruna
Quero ver flor amarela
Colorindo a cidade
Levando felicidade
A todas as janelas

Sibipiruna
Só beleza em ti encerra
Bem-te-vi leva a semente
Semeando como a gente
Filhos desta terra

Quero tua sombra
Tua copa vai ser meu chapéu
Preciso do teu acalanto
Para estancar meu pranto
Por viver ao léu

Sibipiruna
Quero ser teu aliado
A ti encostar o ombro
Minhas mágoas confessando
Pois estou cansado

Foi o tempo sim, Sibipiruna
Foi ele sim, eu sei
Nunca quis ouvir meus gritos
Por isso cansei. p.72


CANTATA À MEMÓRIA DA REVOLUÇÃO
(História do Acre)

Vitoriosa  a Revolução – reservou
No Pavilhão o espaço
O novo Estado, hoje é astro
Obra do seu criador

Isso deveu-se, oh!
Hoste de desconhecido
De um caudilho destemido
Seu desbravador

Antes, porém, chegou
Aqui um bandeirante
Sonhador delirante
A primeira vila fundou

Memória, memória
Essa não existe sem História

Porto Acre, qual veste implora
A Igrejinha de ferro esquecida
Padroeiro entristecido
Tabernáculo sem pudor, nem glória

Não desvencilhamos mérito e honradez
Queremos monumentos de pilastras
A Newtel Maia, a estátua
Por que não, a de Galvez?

Aí, rebenta-me melancolia atroz
Vendo quão poucas as alegrias
Há quem sinta nostalgia
Dos tempos de heróis

Memória, memória
Essa não existe sem História

Adagiando, primeiro é indez
Oh! Intelectual José Carvalho
Hilariantes poetas não humilharam
Esqueceram as primatas, talvez

A gente, expande-se em emoção
Em semelhantes pensamento
Contra fatos não há argumentos
Disse Evandro Lins e Silva, à Nação

Se a hóstia é oblação
Holocausto é sacrifício
Epopeia é ato explícito
História é tradição

Memória, memória
Essa não existe sem História. p.73-74


BRINCANDO COM COISA SÉRIA

Quiçá, o sexto sentido
Pequeníssima janela
Tem tudo de haver com o belo
Misterioso induzido
Sutil como a essência
Corre em alta frequência
Daí, passando despercebido

Há quem, por estreita fresta
Rasgue o véu da natureza
Já que ele oculta toda a beleza
Segredo que nos cerca
A ciência é o caminho
Fenômeno o espinho
O transe, por si só, atesta

Talvez por desdita
O homem seja desconhecido
Nesse enigma inserido
Inexiste ponto de vista
É controvertida a questão
Exemplo é a predição
Isso é metafísica

Vejam o aparelho emissor
Com onda, canal e frequência
Varia KW-hora a potência
E depende de transmissor
O sexto sentido é conexão
Transe a vibração
Homem, o receptor

Sendo tudo isso harmonia
Em que Universo principia
A existência do ocaso?
O conhecimento superintelectual
E a intuição afinal?
Diz-se da verdade por dentro?

Acho que estou perdido
Que Deus julgue-me desobrigado
Desse indecifrável enigma. p.75-76


IRONIA

A ironia dilacera pudor
Porquanto tem duplo sentido
Não sabe-se quem atingido
Se o desafeto, ou zombeteiro autor

Essa prática mais parece
Ignorância do que sapiência
Já que sabedoria é transparência
Sarcastismo pouco cresce

O irônico mistura tudo e rechaça
Quando devia agradecer
A existência própria do ser
E o oxi que recebe de graça

Parece cliente do diabo
Por que de Deus, nem de longe
Veste-se na aparência
Como fazem aos beatos os monges

Geralmente é um ser revoltado
Por não julgar-se alvo de preterição
Não lhe acena o Condão
Daí não temer o pecado

Esse tipo de gente
É um Deus-nos-acuda
Só o Triângulo das Bermudas
Definiria essa mente p.81


MARIA

                                            Dedicada à Profª. e advogada Maria Ferreira Martins, primeira mulher a formar-se pela Faculdade de Direito do Acre.

Maria, Maria, estrela que brilho
Desânimo não assediaram-lhe
Ideias frívolas as expurgou
Era a luta p’ra vencer
Alar-se ao pódio sem temer
Já que a luz nasce da dor

Esse foi o caminho
Cercada de amigos sinceros
Firme q’al moeda cunhada
Sentido o peso real
Não dispondo do vil metal
Nesse embate de fogo cruzado

Moça simples e destemida
Ousada, de expressões ditosas
Nunca receou-lhe a ida
Mesmo que fosse o caminho
Ladeado de flores ou de espinhos
Suas virtudes, caule da vida

Abraçou o curso jurídico
Primogênita da FADACRE
Receando o ridículo
Dedicou-se com escravidão
Se o óbvio era a razão
Oh! Exemplar discípula

Honrou todo esse mister
Diplomando-se afinal
Como quem sabe o que quer
A exemplo de MARIA
Ao conceber o MESSIAS,
Elevou-se também como mulher

Hoje está realizada
Com seus sonhos bem definidos
Transparente realidade
Donde, essa estrela atraente
De nossa justiça expoente
P’ra sua e nossa felicidade p.82-82


A VIDA É UM JOGO

P’ra nascer e morrer
Sistemas de regras
Passatempo e brinquedo
Zombaria e gracejo
Azar, vitória e derrota
Apelar de um arremesso
Manha, astúcia e peripécia
Luz, movimento e harmonia
Franco, cirrado e aberto
Cena, atos e intervalos
Dramático, simples e difícil
Bastão, pandeiro e raquete
Político e administrativo
De cintura e de perna
Esconder, dicas e fontes
Verdade, mentira e incertezas
Roleta, bola e sorte
Maldição, merecimento e fé
Arte, técnica e ação
Tudo na vida é um jogo
Até as batidas do coração. p.83


ANGÚSTIA DE NERO
Poema épico

Admirando o General Digelino
Comandante do Exército pretoriano de Nero
Cuja missão era guardar o Palácio e o Império
Na mão segurando o aço
Persuadir não chegava ao belo
Se por trás da história
Não lhe saia da memória
As brutais ordens de Nero

Exclamava certa feita
Ao público do Coliseu dizendo
No mar, nada se queima
Por se água demais
Só engano seu
Já que o entusiasmo do Imperador
Maior que das ondas o furor
Vê sacrificado todos os judeus

Nada lhe convencia
Muito menos comovia
Ao tomar inédita decisão
Longe da verdade compreender
Distante estando a razão
Ordenou o sacrifício
Como orgulho do seu artifício
Ferrenho inimigo dos cristãos

Sendo trágica a sua ideia
Não ouvindo ele sequer Pompeia
Assim sentenciou
Prendam esse homem
E seus seguidores, bem sei
Recolha-os ao fundo do cárcere
Onde a luz não passe
Porque eu sou o Rei.

Ele tem que provar
Algo importante a demonstrar
Para o meu convencimento
Fazer também juramento
Das coisas do além
Se é filho de Deus
Que sentimento prega aos seus
Do contrário pagará, por mal ou por bem

E como ele não falou
Estranho o Imperador achou
Dizendo: foge ao meu entendimento
Determinando que o seu julgamento
Fosse feito pela multidão
Cuja cena lamentável
Foi a prisão de Jesus,
Por Barrabás, o ladrão

Arrancou do cárcere Angelina
Pois queria vê-la sacrificada
Na praça do Coliseu amarrada
Exposta a um touro valente
Dizendo: esse é o sonho meu
Vê-la morrer à vista de Marco Antônio,
Prisioneiro também
Por haver seguido os Judeus

Ela por Deus se salvou
O touro Gigante matou
Cena de suspense no Império
Esclareceu-se da incineração
O incendiário foi Nero
Que recolheu-se ao Trono
Onde em pleno abandono
Suicidou-se ao frio ferro p.86-87


LOUCURA NEM SEMPRE É DOENÇA
(Quando da morte de Chico Mendes)

Insustentavelmente me sinto
Na frieza dos dias de hoje
Sussurro baixinho minhas preces
Como se houvesse pressa ao socorro
Inconsequente sei que não sou
Intimorato dos homens também não
Nessa investida ao tempo
Onde está o condão?...
Encharcados estão os meus olhos
Envergados meus nervos a açoite
As pegadas do tempo nos ensina
O homem há de ser afoito
Louco por todos chamados
Forasteiro, errante e impulsivo
Contanto que de tudo use e se faça
Verrume a barreira e sobreviva...
Loucura nem sempre é doença
É desmando, inveja e crispada vocação
Abelha suga a flor, sai o néctar
DO cumaru-ferro faz o homem o carvão
Riqueza vulnerável às leis da isonomia
Cetro de muitos arrogantes (UDR)
Ferozes como jacaré no arpão
Em bando, iguais a chacais em euforia p.88


AS ROLINHAS DO CORONEL

Adentrando a madrugada
No Distrito vizinho
Deparei-me sem querer
Com um bando de rolinhas
Contemplando o panorama
E as estrelas lá do céu
Visível era a ausência
Do proprietário, o coronel

Pouco se sabe da ausência
Se por trabalho ou finanças
O grupo querendo ser discreto
Manteve-se à distância
A nada prestava atenção
Onde lia-se no olhar
Muita coisa a desejar
Tamanha a preocupação

Logo se retirou
Não se sabendo o destino
Se pro Distrito de origem
Se pro Norte ou Sul prosseguiram
Mas, não querendo exagerar
Nem imacular a imaginação
Pelo que me parece
Levantaram voo pro Barracão

Lá chegando
Oh! Deus meu
Quem quiser pode analisar
Bicho de pena é assim mesmo
Gosta mesmo é de voar
Vulneráveis por ser da terra
Ao contrário das do céu
Lamento a fatídica sorte
Do proprietário, o coronel

Rolinha só presta assada
P’ra tira-gosto de cachaça
Existem muitas por aí
Em bandos lá pela praça
Semelhante às mariposas
Admiradoras da luz e do céu
Sempre à procura de um trouxa
Assim como, o coronel

O bando é sui-generis
Tem velhas, jovens e coroas
Levam tudo pela proa
Cipó, garrancho e balseiro
Enfrentam a correnteza
Como faz o peixe em desova
Não são de muita prosa
Mas adoram a brincadeira p.93-94


SANTANA, João Crescêncio de. Poeira cósmica: registros históricos, satíricos, líricos e outras memórias. Rio Branco: Indústria Gráfica e Editora tico-tico Ltda, 1994.

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