“Que me beije com beijos de sua boca!
Teus amores são melhores do que o vinho,
O odor dos teus perfumes é suave,
Teu nome é como óleo escorrendo,
E as donzelas se enamoram de ti…”
(Ct 1, 2-3)
Esses versos, por mais que pareçam, não são de nenhum poeta moderno ou mesmo do romantismo, etc. Eles iniciam o livro mais “romântico” da Bíblia, o Cântico dos Cânticos (ou Cantares), o mais belo cântico que celebra numa série de poemas o amor mútuo de um Amado e de uma Amada, que se unem e se perdem, se buscam e se encontram.
Este livro, que não fala de Deus (propriamente) e que emprega a linguagem de um amor apaixonado, tem causado estranheza. É tanto que dificilmente as igrejas o lêem, ficando o mesmo esquecido, seja propositalmente, seja devido às divergentes interpretações, já que segundo alguns exegetas bíblicos, é o livro do Antigo Testamento que mais tem sido alvo das mais diferentes interpretações.
Ao relegarem este livro a segundo plano, as Igrejas tem muito a perderem, tanto por ignorarem o seu valor enquanto texto sagrado, quanto por deixarem de usá-lo principalmente para a educação do matrimônio, o valor do casamento, do relacionamento honesto e sadio, enfim falar do amor, é sem dúvida cantar a beleza do Deus que se revela também por meio do amor conjugal. Aliás, uma imagem que Deus usa muito no Antigo testamento é a da Esposa e do Esposo, para se referir a sua relação com o seu povo.
De acordo com os comentários da Bíblia de Jerusalém (considerada uma das melhores traduções), o autor dos Cânticos é um poeta original e hábil literato, e pode-se buscar a origem do Cântico nas festas que acompanhavam a celebração do matrimônio, e se têm feito comparações interessantes com as cerimônias e os cânticos nupciais dos árabes da Síria e da Palestina. O Cântico é uma coleção de poemas unidos somente pelo seu tema comum, que é o amor.
O Cântico dos cânticos ensina a seu modo a bondade e a dignidade do amor que aproxima o homem e a mulher, exorciza os mitos que se lhe associavam então e livra-o tantos dos vínculos do puritanismo como da licenciosidade do erotismo. Nossa época não deveria deixar passar despercebida esta lição.
Acompanhe mais um trecho:
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(dueto entre o Amado e a Amada)
"- Como és bela, minha amada,
Como és bela!…
Teus olhos são de pombas.
- Como és belo, meu amado,
E que doçura!
Nosso leito é toda relva.
(…)
- Macieira entre as árvores do bosque,
É meu amado entre os jovens;
À sua sombra eu quis assentar-me,
Com seu doce fruto na boca.
Levou-me ele à adega
E contra mim desfralda
Sua bandeira de amor.
Sustentai-me com bolos de passas,
Dai-me forças com maçãs, oh!
Que estou doente de amor…
Sua mão esquerda
Sua mão esquerda
Está sob minha cabeça,
E com a direita me abraça.
- Filhas de Jerusalém,
Pelas servas e gazelas dos campos,
Eu vos conjuro:
Não desperteis, não acordeis o amor,
Até que ele o queira!"
(Ct 1, 15-16; 2, 3-7)
Deixo, assim, o convite a conhecer esse belíssimo livro bíblico, que na sua linguagem própria fala daquilo que nós mais precisamos hoje, o amor.
Obs: Texto feito com base nos Comentários da Bíblia de Jerusalém, edições Paulinas, São Paulo: 1973.
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-- Isaac Melo --