sábado, 28 de fevereiro de 2015

ÓDIO E AMOR

Raimundo Correa (1859-1911)


Ódio e Amor. Eis as duas sentinelas
Da minha vida. quando, outrora, eu tive
A alma povoada de ilusões singelas,
Morre! – dizia-me a primeira delas;
Mas a segunda me dizia: – Vive!

Hoje estão ambas mudas. Ah! Se, um dia,
Não me corresse as veias, como corre,
Sangue honrado, mas lama e cobardia;
Vive: – o Ódio então com júbilo diria;
E o Amor a soluçar diria: – Morre!


CORREA, Raimundo. Poesias. São Paulo: Livraria São José, 1958. p.178

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

JACARÉ DO ACRE ERA MAIOR QUE ÔNIBUS E MORDIA MAIS FORTE QUE TIRANOSSAURO

REINALDO JOSÉ LOPES

Os tiranossauros podem até ostentar a fama de rex ("rei", em latim) em seu nome científico, mas paleontólogos brasileiros acabam de ajudar um rival a destroná-los.

O usurpador vitorioso é um gigantesco jacaré do Acre, cuja mordida era uma das mais poderosas de todos os tempos, duas vezes mais devastadora que a do temido T. rex.

Trata-se do Purussaurus brasiliensis, monstro que vivia nas vizinhanças dos atuais rios Purus, Juruá e Acre na época do Mioceno, há 8 milhões de anos.

A espécie já era conhecida dos cientistas há tempos. No novo trabalho, porém, os pesquisadores fizeram as primeiras estimativas detalhadas de seu tamanho, do peso, da força da mordida e do consumo diário de comida, com base em modelos matemáticos e comparações do bicho com todas as espécies atuais de crocodilos e jacarés.

Após muitas contas, a equipe concluiu que uma bocada do P. brasiliensis exercia, em média, uma força de 70 mil newtons – o equivalente a 7 toneladas de pressão. O valor corresponde a mais de dez vezes a potência da mordida de um leão, e a mais de 20 vezes a de um tubarão-branco.

Os cálculos indicam ainda que o monstro alcançava 12,5 m e 8,5 toneladas, consumindo 40 kg de alimentos por dia.


SÓ FILÉ

“Alimentos”, no caso, significa carne. “Os dentes relativamente mais achatados e serrilhados dele são típicos de hipercarnívoros, como certos dinossauros. É dentição especializada em fatiar a presa”, diz Aline Ghilardi, paleontóloga da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que é coautora do estudo ao lado do marido, Tito Aureliano, da UFPE, de Pernambuco.

Não faltavam opções para os carnívoros do Mioceno no Acre. Do ponto de vista do P. brasiliensis, a região talvez parecesse um imenso açougue a céu aberto.

Isso porque essa parte da Amazônia na época era um superpantanal, com vastas áreas alagadas e uma rica biodiversidade que incluía tartarugas gigantes, aves aquáticas, roedores de até 700 kg (megacapivaras, digamos) e outros mamíferos grandes.

A estrutura da mandíbula e do crânio do bicho ajuda a entender por que ele conseguia morder com tanta violência. “O formato da cabeça ajuda o animal a sustentar o estresse de uma mordida mais forte”, explica Ghilardi. No caso, a carona curta e larga do P. brasiliensis, bem como o focinho alto, eram cruciais para essa tarefa. Além disso, as narinas peculiares, de grande tamanho, também ajudavam a dissipar as tremendas forças geradas pelas bocadas, evitando fraturas.

O principal espécime usado no estudo foi coletado por Jonas Pereira de Souza Filho, ex-reitor da Universidade Federal do Acre. Segundo Douglas Riff, outro coautor da pesquisa e um dos principais especialistas em jacarés e crocodilos fósseis do país, os acrianos têm feito um trabalho de primeira na região.

“Eles são os grandes descobridores e guardiões dos fósseis”, diz Riff, que trabalha na Universidade Federal de Uberlândia (MG).

Acredita-se que as características superlativas do P. brasiliensis tenham sido também as razões de sua queda.

Com tanto tamanho, a criatura provavelmente dependia de um ambiente rico em presas de grande porte para prosperar. No entanto, as transformações geológicas na Amazônia, ligadas ao aparecimento das grandes montanhas dos Andes, destruíram o superpantanal da região, eliminando o jacarezão e várias outras espécies contemporâneas.

A pesquisa foi publicada na revista “PLoS ONE”.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

MISS BOMBRIL

Leila Jalul


Foto: Vássia Silveira
Se Neruda viveu, também eu confesso que vivi. Talvez não com a mesma qualidade, mas vivi. Revendo a trajetória, não hei de afirmar, em hipótese alguma, ter andado em linha reta e numa superfície plana. E os buracos, como negá-los se fundos eram?

Andei muito nestas seis décadas. A vida correu e as transformações foram galopantes e sentidas. Considero-me um ente que viveu momentos semelhantes aos homens das cavernas que acompanharam a passagem das pedras lascadas para as polidas. E não só isso. Passei pelo Henê Maru até chegar ao encantamento da chapinha e da escova definitiva, sem esquecer a escova de chocolate branco. Andei pelo arcadismo até chegar ao concretismo impiedoso. Valsei valsas tristes até assistir a cachorrada do funk das cachorras. E me pergunto: quanto tempo passou do rádio amador, do velho PX, até à internet? Quem quiser que me leve a sério, o certo é que fui do mimeógrafo alcoolizado ao estêncil eletrônico em muito pouco tempo, até que me fosse instalada uma impressora que faz dez cópias por segundo.

Na música soube apreciar muita gente boa. Pixinguinha, Cartola, Clementina de Jesus, Noel e tantos outros pouco lembrados. Falar das belezas diferentes das composições de Ataulfo Alves e de meu Cazuza não é problema. Coisas boas são perenes e não deveriam ser medidas com simploriedade. Cazuza não elimina Ataulfo, porquanto ambos são poetas de enormes qualidades. O que me mata é o que morre na memória da ingratidão. O que me desgasta é ver a morte repetida do que deveria estar vivo e pulsante. Viva Ataulfo! Viva Cazuza! Viva Cruz e Souza! Viva Saramago! Viva Patativa do Assaré!

Perambulando e preambulando, gastando letras e sofismando, quero mesmo é falar de Rossycléia, filha de Rossyni e de Cléia Maria. Preciso comparar mais o ontem e o hoje até chegar ao fato bem passado ou al dente, ainda que seja com esta minha forma embolada de escrever. Vamos lá!

Todos sabemos que virgindade é coisa de antanhos e de pouca aplicação prática na atualidade. Parodiando alguém, o beijo na boca é coisa do passado. A moda agora é namorar pelado. Nos idos e na peregrinação pelo tempo, também participei, pasmem, dos concursos de beleza. Através das qualidades de ser senhorinha da sociedade, fui, por umas poucas vezes, indicada a analisar os dotes das belezas do certame do Miss Acre e, como dizem presentemente, atuar como gerente operacional deste processo de empoderamento. Um dos principais e eliminatórios requisitos para a conquista do ambicionado título era a virgindade, além da graça e beleza, claro!

Num ano qualquer, décimo sexto ou sétimo de minha andança, estava eu, pela gerência, analisando os interiores e exteriores de Rossycléia e de mais outras seis pretendentes ao título do “Misacre”. Imaginem num consultório médico sete meninas à espera de serem vistas de baixo para cima pela ginecologista até receberem a constatação de que ali, na entradinha das salas de festas, havia uma pequena capinha de pele que desanuviava qualquer dúvida sobre o sim ou não. Loucura! Loucura! Frisson, frisson! Momentos tensos. Uma delas, tadinha, a primeira, não recordo se representante da terra do Abacaxi Gigante ou se a da Terra dos Náuas, tinha uma ziquizira na região alfandegária. Nada levava a crer ou a constatar que tivesse andado bolinando com alguma coisa reimosa e infectante.

Quem conhece a capa da graviola vai saber, com certeza, ao que me refiro agora. Quem não conhece a graviola, basta lembrar-se da “táuba de tiro ao ál-varo”, entendem? Umas pipoquinhas com relevos, declives e granulados, compreendem? Ó, Jesus!

A doutora nem ligou para isso. A pelezinha fundamental estava lá, intacta e reluzente. Feito o relatório, inconclusivo, por sinal, passou para o Carlão, public relation do certame. E não é que a suspeita dos estafilococos vazou? Caraio! Caraio! Caraio! Relações públicas ou língua de trapo? A segunda, a senhorinha Rossycléia, entrou triunfante. Ciente e consciente que nunca havia pecado con-tra a castidade, deitou na caminha, elevou as perninhas e, entre gritinhos, sai aprovada no todo e nas partes. Tudo em ordem no reino da Dinamarca. E assim com as demais. Exceto a ressalva à das bolhinhas, todas tinham lacre e certificado de garantia.

Na parte da tarde, no salão da Verinha, fechado e exclusivizado para as finalizações das maquiagens e cabelos, só fofocas e mais fofocas. Miss Capital, a favorita, cochichava com a Miss Sena Madureira, a terra dos Mandins. O que seria?

Quem não quiser esquecer o passado, que relembre agora. Os penteados de antigamente eram coques recheados de tudo o que fosse possível para aumen-tar o volume dos cabelos e camuflar a altura das baixinhas. Testas lisas até a metade da cabeça e, na parte posterior, enormes cachos tipo os das cabeleiras dos juízes da câmara dos lords. Lembraram? Hoje os cabelos são longos, lisos, fartos, pranchados. Umas modas vão e voltam. Outras desaparecem de vez. Graças aos céus!

Rossycléia era, se não me falha a memória, a de mais baixa estatura. Não foram poupados alguns roletes de Bombril até que atingisse os 1,65 cm desejáveis. Atenta e vigilante aos truques e ao comportamento das meninas, não pude deixar de ouvir um comentário da dona do salão sobre uma falha nas madeixas da moça. Um círculo sem cabelos e com um pruridozinho leve. A micose era conhecida por “tinha”. Não sei o nome certo dado nos compêndios médicos. No vulgar a gente também conhecia por “pelada”. Na hora de rechear a região da “pelada” houve uma preocupação. Ora, se aquilo purgava, como lascar Bombril, enrolar os cachos e sapecar laquê de goma arábica? No vale tudo pela beleza a obra foi executada. Rossycléia cresceu bastante. E desfilaria garbosa, graciosa e peituda. Faria o pivô direitinho. Pareceria gente!

Chega a hora do concurso. No estádio José de Melo, camarins, luzes, passarela, palco com instalação para a apresentação do conjunto Os Bárbaros, comissão julgadora presente e tudo o mais necessário para a noite inolvidable. Circo montado. Microfonias à parte, uma grande festa. Das Dores, num longuete preto e reluzente, cantava El Reloj, La Barca e outras emocionantes páginas do cancioneiro latino americano. O conjunto era bom demais da conta. Muita boleragem e baladas intercaladas com o repertório dos Beatles. Hey Jude... Tinha até pout-pourri de canções italianas. Cada candidata tinha sua música preferida para o desfile. Tanto quanto o livro de cabeceira das beldades era O Pequeno Príncipe, a música preferida era Aquarela do Brasil.

No final dos remelexos, da exibição dos trajes típicos, de gala e de maiôs Catalina, o veredicto: Miss Capital em primeiro lugar, Miss Terra do Abacaxi Gigante em segundo e Miss da Terra dos Náuas em terceiro. Para Rossycléia, o muito justo, merecido e gracioso prêmio de consolação de Miss Simpatia. E foi aí que começou a fuzarca. Rossycléia perdeu toda a simpatia que estampava. Aos berros, dizia que houve marmelada. Que merecia o segundo lugar, haja vista que uma das ganhadoras estava apinhada de doença da vida. Um absurdo, vociferava. Foi difícil conter os gritos da filha de Rossyni, mas, com tirocínio e bom senso de gerente da comissão organizadora, não poderia deixar que o certame fosse manchado com um escândalo. Contive o arranca-rabo. Numa linguagem mais contemporânea, abafei o caso.

Pajeei Rossycléia, cerquei-a de carinhos e compreensão. Acabei com a rebelião. Mandei que fossem retocados cabelos e maquiagens para as fotos oficiais. Misses, prefeitos e primeiras-damas deveriam sorrir desbragadamente para o fotógrafo Cornélio. Tudo deveria parecer, tanto quanto possível, flagrantes de felicidade da vida irreal. As fotos, após a revelação, eram enquadradas em pequenos slides, colocadas em monóculos (os maiores disseminadores de conjuntivite que conheci), separados por município e embiricicados num barbante. Os prefeitos mais ricos mandavam fazer álbuns, hoje apelidados de books. Era a forma de todos os munícipes saberem, em P&B e em colorido embaciado, como estavam suas representantes no grande dia. Uma trabalheira suada!

Não perdi Rossycléia de vista. Após a sessão de fotos parecia sentir uma grande dor na c’roa. Cheguei perto para saber. Era o Bombril que a incomodava, coisa que tratei logo de resolver, providenciando o desmanche dos cachos para a retirada do enchimento. O que vi não vou saber descrever com a mesma dor. A “tinha” ou “pelada” estava em carne viva. As mechas e fiapos do polidor de panelas grudaram no couro como se dele fizessem parte. Naquele momento a perda do título deixou de ser o problema maior. A dor era lancinante. A lesão exigia urgentes cuidados. Hora de acionar a médica do concurso, a mesma do atestado de virgindade. O que deveria ser uma grande noite terminou com a aplicação de muita água oxigenada volume 10 no cocuruto de Rossycléia, até que fosse retirado o último fiozinho de aço do Bombril. Pensem naquela água efervescente roendo os miolos da coitada... Quase chorei.

Não vejo e pouco ou nada sei sobre concursos de misses do agora. Não têm mais tanto glamour e nem atraem a opinião pública nacional como nos tempos da Martha Rocha. Acredito, no entanto, que a vaidade, os interesses políticos e os fuxicos de bastidores permanecem como dantes. Sem Bombril, naturalmente!

É, sei que Neruda não se meteu nessas canoas furadas. Mesmo assim, confesso que vivi.


JALUL, Leila. Das cobras, meu veneno. Edição independente, 2010. p.20-26

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

DJALMA DA CUNHA BATISTA

Djalma Batista, então presidente da Academia Amazenense de Letras, recebe cumprimentos do governador do Amazonas Danilo Areosa. (Foto: Blog do Coronel Roberto)










DADOS PESSOAIS
Nascido em 20 de Fevereiro de 1916, em Tarauacá, Acre.
Filho de Gualter Marques Batista e Francisca Acioli da Cunha Batista.
Casado com Gilda Lomongi Batista.

FORMAÇÃO
1. Curso primário no Grupo Escolar João Ribeiro e no Colégio São José, em Tarauacá, Acre.
2. Curso secundário no Colégio Dom Bosco, em Manaus (1929-1933).
3. Curso médico na Faculdade da Bahia (1934-1939).

VIDA UNIVERSITÁRIA
1. Interno no Sanatório São Jorge, da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários do Leste Brasileiro, Bahia (1936-1938).
2. Interno, por concurso de provas, da 1.a Cadeira de Clínicas Médica da Faculdade de Medicina da Bahia (Serviço do Prof. Armando Sampaio Tavares) – (1939).
3. Assistente do Laboratório de Pesquisas Clínicas do Prof. Jorge Leocádio de Oliveira, Bahia (1939).
4. Orador oficial da Sociedade Acadêmica Alfredo Brito (1938).
5. Orador da turma de médicos de 1939.


BATISTA, Djalma da Cunha. O Complexo da Amazônia: análise do processo de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Conquista, 1976. p.13

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PLENA NUDEZ

Raimundo Correa (1859-1911)
O nascimento de Vênus (1879), William-Adolphe Bouguereau.

Eu amo os gregos tipos de escultura;
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero em pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres; da carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
Da transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejos, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus... toda nua, da cabeça aos pés!


CORREA, Raimundo. Poesias. São Paulo: Livraria São José, 1958. p.42

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE DJALMA DA CUNHA BATISTA


O médico e escritor Djalma da Cunha Batista nasceu em Tarauacá (AC), no dia 20 de Fevereiro de 1916, e faleceu em Manaus (AM), em 20 de agosto de 1979. Era filho de Gualter Marques Batista, escrivão em Tarauacá, e Francisca Acioli da Cunha Batista. Casou-se com Gilda Lomongi Batista. Entre seus filhos, encontra-se o renomado cineasta Djalma Limongi Batista. Fez o curso primário no grupo escolar João Ribeiro e no Colégio São José, em Tarauacá. Cursou o secundário no Colégio Dom Bosco, em Manaus (1929-1933), e medicina na Faculdade da Bahia (1934-1939). Entre outras funções, foi presidente da Liga Amazonense contra a Tuberculose (1940-1950); Diretor do Departamento de Educação e Cultura do Amazonas no Governo Stanislau Affonso (1945-1946); Diretor da Associação Médica do Amazonas (1953-1956, 1960-1961); Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1959-1968); Presidente da Academia Amazonense de Letras (1968-1969, 1970-1971, 1972-1973). Entre outros trabalhos, escreveu: Letras da Amazônia (1938); Cultura Amazônica (1955); da Habitalidade da Amazônia (1965); O Complexo da Amazônia (1976), sua obra magna. 

A partir de hoje, data de seu nascimento, o blog Alma Acreana dará um enfoque especial na divulgação do pensamento e da obra de Djalma Batista, o homem de ciência, da saúde e das letras que deixou uma contribuição indelével à história recente da Amazônia. E lançamos, aqui, os preparativos para os 100 anos de nascimento do médico, escritor e cientista, e o convite para toda a sociedade amazônica, e, sobretudo, sua terra natal, Tarauacá, para reavivar a memória e preparar uma homenagem condigna a um filho ilustre, que ajudou a colocar a Amazônia na pauta Nacional.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

MUDANÇAS NA LEI DE ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS E CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS

Evandro Ferreira


A falta de legislação protetora permitiu a ‘biopirataria’ dos recursos genéticos brasileiros por centenas de anos. Um dos episódios mais contundentes e amplamente conhecidosde biopirataria foi o envio ilegal de sementes de seringueiras do Brasil para as colônias inglesas localizadas na Ásia. A entrada em produção de seringueiras originárias dessas sementes causou prejuízos massivos para o Brasil. O Acre, que no início do século XX contribuía com uma parcela considerável do orçamento nacional, passou, desde então, a ser uma entidade federativa totalmente dependente de recursos enviados pelo governo central.

Parece incrível, mas somente no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso o acesso ao patrimônio genético e o conhecimento associado ao mesmo passou a ser regulamentado e, supostamente, protegido por meio da Medida Provisória nº 2.052, publicada em 29 de junho de 2000. Por questões legais, o referido instrumento jurídico foi reeditado mensalmente durante um ano, sendo, finalmente, perpetuado pela Emenda à Constituição nº 32, de 11 de setembro de 2001, em seu art. 2º.

A nova legislação determinou que o acesso ao patrimônio genético depende de autorização da União e que o seu uso, comércio e aproveitamento para quaisquer fins deve ser submetido à fiscalização, restrições e repartições de benefícios. Na prática, a nova legislação colocou o Governo Federal na função de ‘ordenador’ de todo o processo. E para cumprir o seu papel, ele criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) para avaliar e aprovar ou reprovar propostas públicas e privadas de pesquisa e uso econômico do patrimônio genético e do respectivo conhecido tradicional associado. A criação do CGen demandou a indicação de dezenas de conselheiros, consultores, pareceristas e funcionários administrativos para ‘fazer a máquina andar’. Protocolos, normas e outras demandas típicas da burocracia tiveram que ser criadas para garantir um ‘harmonioso’ funcionamento do referido conselho.

O leitor com um mínimo de senso crítico já percebeu que a intervenção estatal para fazer cumprir a lei e proteger o nosso patrimônio genético teve como consequência imediata e direta a ‘burocratização’ de todo o processo. E onde os burocratas imperam, a ineficiência e a procrastinação se impõem. No início de seu funcionamento o CGen foi o paraíso dos burocratas, aqueles assistentes e chefes administrativos que, na falta do que fazer – na época não existia o Facebook – ficam criando exigências esdrúxulas para os usuários dos serviços públicos. Essa influência improdutiva e a desconfiança de que qualquer um que tentasse solicitar acesso ao patrimônio genético brasileiro era potencialmente um biopirata quase inviabilizou o funcionamento do CGen. Hoje a situação mudou um pouco, mas conseguir autorização para realizar pesquisas sobre usos de plantas em comunidades indígenas, por exemplo, ainda é um processo muito demorado e complexo que praticamente requer a assinatura do porteiro do prédio da Funai.

A verdade é que a normatização do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, da forma que existe hoje no Brasil, inviabilizou avanços científicos nos ramos da biotecnologia e da etnobotânica. Uns poucos laureados – com bom trânsito no meio acadêmico, boa reputação científica e facilidade de acesso a financiamentos – e pesquisadores com personalidade caracterizada pela paciência extrema conseguem autorizações para realizar trabalhos. Lamentavelmente, entretanto, uma massa grande de estudantes e pesquisadores tem optado em se manter longe desse campo de atuação. Na maioria das vezes porque o tempo de espera pela aprovação das autorizações – incluindo alguns documentos que devem ser obtidos previamente à formalização do pedido junto ao CGen – supera os prazos de execução de pesquisas de pós-graduação e mesmo dos projetos financiados pelo CNPq e Capes, por exemplo.

O público em geral não sabe, mas se um pesquisador decide estudar, por exemplo, as plantas medicinais de uma determinada comunidade ele necessitará de uma anuência prévia por escrito da comunidade, com previsão da futura repartição de benefícios derivados da referida pesquisa. Ou seja, mesmo que o projeto não vise o desenvolvimento de um produto ou processo que resulte em algum tipo de retorno econômico, isso tem que estar especificado. Essa anuência deve ser anexada ao processo de solicitação de autorização protocolado no CGen. Ou seja, antes mesmo de iniciar o projeto, às vezes mesmo antes de obter o financiamento, o pesquisador deve investir tempo e recursos financeiros para visitar a comunidade e tentar convencer seus membros a assinar o documento de anuência. Óbvio que isso é uma dificuldade menor frente ao desafio que ele terá para convencer os potenciais financiadores de que ele está pedindo o dinheiro para fazer o estudo, mas que inicialmente ele não garante que o mesmo vai acontecer. Isso é uma desvantagem imensa quando se sabe que os financiamentos de projetos no Brasil são feitos via chamadas (editais) com critérios de avaliação nos quais os cronogramas de execução técnica e financeira são determinantes para a sua aprovação.

Felizmente existe no Congresso um projeto para simplificar o processo de acesso ao patrimônio genético brasileiro. Em junho de 2014 o Executivo enviou o Projeto de Lei 7.735/2014 com algumas mudanças que reputamos importantes. A anuência prévia, agora chamada de ‘consentimento prévio’ será exigida apenas para o acesso a conhecimentos associados a um determinado recurso que seja “identificável”, e quando já existir um “produto acabado” pronto para ser fabricado e vendido. O mesmo se aplica ao contrato de repartição de benefícios negociado com os provedores do material e do conhecimento associado. Essa medida contribuirá para agilizar o início de pesquisas.

A nova proposta, entretanto, tem falhas. Como a anterior, ela não tipifica ou penaliza os crimes associados à biopirataria. Ela também favorece o lado mais forte na negociação da repartição de benefícios ao limitar o retorno financeiro (royalties) aos detentores dos recursos e do conhecimento tradicional em 1% da receita líquida anual obtida com a exploração econômica de um determinado produto, valor que pode ser rebaixado para até um décimo por cento dessa receita. E a União é que terá a competência para decidir os valores.

A votação do Projeto de Lei 7.735/2014 deve acontecer por estes dias. Ele foi enviado sob regime de urgência e deverá ser examinado por uma comissão especial e pelo Plenário. Como tal, ele tem o poder de trancar a pauta de votações no Congresso, que neste início de legislatura tem outras prioridades. Por isso muitos temem que o mesmo será aprovado a toque de caixa, com o objetivo maior de destrancar a pauta de votações, sem maiores discussões. Não é um bom sinal.


* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa/Parque Zoobotânico da UFAC

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O PRIMEIRO CURSO DE FOUCAULT NO COLLÈGE DE FRANCE

Inês Lacerda Araújo


Chama-se “Leçons sur la Volonté de Savoir”, “Lições sobre a Vontade de Saber”, o curso que começou no dia 09 de dezembro de 1970 e foi até 17 de março de 1971, publicado em 2011 pela Seuil/Gallimard, que eu saiba ainda sem tradução.

Nele Foucault lança as questões que o ocuparam em suas investigações históricas sobre a loucura, a prisão, a sexualidade (sim, ele já estava preocupado com estas últimas bem antes de publicar “Vigiar e Punir” e “História da Sexualidade, Vontade de Saber”, note-se que a noção de vontade de saber é o tema do curso de 1971).

A própria filosofia não lhe fornece instrumento teórico para analisar a vontade de saber, os filósofos, e ele inicia com a metafísica de Aristóteles, sempre se voltaram para o conhecimento, visto como natural, faz parte da natureza humana desejar conhecer, indo da sensação até o conhecimento das causas gerais do cosmo e dos seres. Exceções são Spinoza e, principalmente, Nietzsche. Para este a vontade é o elemento decisivo na busca da verdade, a verdade e o erro, juntamente com o desejo, as lutas, as discórdias, são parte da vida, não pertencem ao conhecimento, nem requerem a unidade de um sujeito pensante e soberano como é o caso dos filósofos de Platão, passando por Descartes, até a fenomenologia no século 20.

Importante a distinção de Foucault entre saber e conhecimento, este sendo “o sistema que permite dar uma unidade prévia, um pertencimento recíproco e uma conaturalidade ao desejo e ao saber”, e “chamaremos saber o que se deve arrancar na exterioridade do conhecimento para nele encontrar o objeto de um querer, o fim de um desejo, o instrumento de uma dominação, o local de uma luta”.

Assim, “Arqueologia do Saber” liga-se ao primeiro curso, que se liga às questões centrais do seu pensamento: como o discurso com pretensão científica (o da medicina, da psiquiatria, da patologia, da sociologia) se insere no sistema penal, que de prescritivo passa a ser investido por uma vontade de verdade. E essa vontade de verdade opera a distinção loucura/desrazão, possui raízes históricas, sua arbitrariedade e modificações em uma série de redes institucionais, isso tudo forma um sistema que influencia outros discursos e outras práticas.

Há relações de dominação engajadas na vontade de verdade, conhecimento surge dessa necessidade, e também saberes, disciplinas e acontecimentos. Como a epistemologia não fornece os instrumentos para essa análise, nem a história da ciência, Foucault os buscou na vontade de saber e suas relações com as formas de conhecimento, em termos teóricos e históricos, com a crucial pergunta de se a vontade de saber dispensa um sujeito fundador ou se ela o reintroduz.

Original e difícil esse caminho, não é o da história do pensamento, nem o da história da cultura, pois estes não chegam a suspeitar de que na história das sociedades, a vontade de saber se articula com processos de luta, violência e dominação. Ao invés de submeter desejo e vontade ao conhecimento, mostrar que no surgimento do conhecimento há desejo, há vontade, que não têm nada a ver com conhecimento, mas com luta, instintos, paixões.
(a ser continuado)


* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Atualmente autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

TRÊS APONTAMENTOS DE CARNAVAL

João Veras – 15/02/15


I

Manhã de domingo,
sol quente de ressaca
não tomei nada
foram as rabadas salgadas
hoje comer me faz mal
muito mais que pensar
pra ti quati
rabissacas açucaradas

II

segunda que será amanhã
tanta coisa pra ler e tal
preciso arranjar mais tempo pra consertar o mundo
com que instrumento começar outro concerto?
passa-me a flauta pra essa vida transversal

III

terça que está por vir
véspera do fim da festa e do descanso
juntar as cinzas
preciso ficar mais manso
a pressão pede pílula
mas não tem jeito
estou no olho do remanso


*João Veras é músico, compositor, percussionista, poeta, produtor cultural, advogado. Grande agitador da cultura acreana, é autor de “Como hoje e nos segundos depois” (2014).

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

DOIS PASSARINHOS

Rabindranath Tagore (1861-1941)


O passarinho manso estava na gaiola, o passarinho livre estava na floresta.
Encontraram-se quando veio a hora, marcada pelo destino.
O passarinho livre exclama: “Oh meu amor, voemos para a floresta!”
O passarinho na gaiola exclama: “Vem aqui, vamos viver na gaiola...”
Diz o passarinho livre: “Entre grades, onde está o espaço para se abrirem as asas?”
“Ah – retruca o passarinho engaiolado –, eu não sei como estaria empoleirado no céu!”

O passarinho livre exclama: “Minha querida, canta as árias da floresta!”
O engaiolado responde: “Senta-te ao meu lado. Eu te ensinarei a linguagem daqueles que sabem.”
O passarinho da floresta retruca: “Não! Não! Os cantos não se ensinam!”
Diz então o passarinho na gaiola: “Ai de mim! Não sei os cantos da floresta!”

O amor de ambos é intenso, desejam-se um ao outro, mas nunca podem voar de asas unidas.
Olham-se através das grades da gaiola, sendo vão o desejo de se unirem.
Cheios de desejo, batem as asas e cantam: “Vem, meu amor, vem para junto de mim!”
O passarinho livre diz: “Não pode ser, tenho medo das grades da janela!”
O passarinho preso murmura: “Ai de mim! As minhas asas são fracas e inertes!”


TAGORE, Rabindranath. Tagore, obras selecionadas: O jardineiro, Lua crescente, Gitanjali, O cisne. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro, 1974. p.31-32
p.s. título do blog

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A POESIA

Aníbal Beça (1946-2009)


A poesia sai dos livros de velhos poetas e dos novos também inventando e reciclando formas & fôrmas do feio do bonito da palavra e da transpalavra porque é coluna mutável no seu fuso no seu dínamo Que ela seja clássica moderna contemporânea de vanguarda comportada marginal lírica épica que ela seja nada e tudo e nada: varal chuva casa alicerce arcabouço não importa e nem defini-la comporta se o que reporta é a fatura do e para o homem assim como a porta da rua é a serventia do poema


BEÇA, Aníbal. Banda da asa: poemas reunidos. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998. p.105

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

MIRAGEM

Coelho Netto (1864-1934)
(fragmento do romance Miragem)


– Acreditas em Deus, Nazário?

– Eu?! Que pergunta!

– Mas por que me perguntas isso?

– Não sei... Tenho sofrido tanto! Que mal fiz eu? E tu, meu pobre Nazário? E há por aí tanta gente ruim que vive nadando em ventura.

– E sabes lá o que se passa n’alma dessa gente? A felicidade não é o que se vê, rapaz, como o céu não é isso que aí está. Felicidade... Olha esta noite: mais alva que a neve e toda manchada de negro. Quanto mais clara é a luz mais se carregam as sombras. Quem sabe o que se passa no coração desses tais...?! Se houvesse na vida felicidade perfeita, Deus seria injusto e os infelizes teriam razão de revoltar-se contra Ele. Nós sempre nos imaginamos os maiores desgraçados do mundo, do mundo! desse bocadinho de terra em que vivemos. O mundo é tão grande!

Os dias deviam passar de vez levando tudo, tudo! Mas não, deixam ficar bocadinhos e esses bocadinhos crescem, como sementes caídas das árvores, e dão flores tristes e venenosas, como a saudade. Que somos nós? passado. Queres saber? quanto mais peno mais cresço; quanto mais sofro mais me achego à cruz.

Sabes qual é o teu mal? é isso de andares sempre imaginando. Põe-te num alto, bem alto, olha para baixo e tudo te parecerá sereno; desce, e verás as pedras que magoam, os espinhos que ferem, as ondas que afogam, as podridões que tresandam, as maldades da terra e do coração, a vida, enfim. Lá de longe, de onde estavas, vias tudo aqui cor de rosa. Chegaste, aí tens. É assim, meu rapaz. Um parente meu, que esteve em África, contou-me que naqueles sertões de areia anda-se, anda-se dias e dias a fio sem ver água nem sombra. De repente lá surge um bosque de palmeiras. Os que vão morrer de sede dão graças a Deus, aos brados, e galopam para a delícia. É correr, é correr que nem o vento os ganha... E o bosque a fugir diante deles e, quando os coitados chegam ao sítio das verduras, não acham mais que areia e ossadas de outros que morreram da mesma mentira. Isso tem um nome, que me não lembra. Eu chamo-lhe ilusão. Na vida é a mesma coisa: além, sempre o tal bosque, corre-se e que é que se encontra? Tu ainda podes seguir, és moço. Eu... já não tenho olhos para ver ao longe, não me iludo mais: fico onde estou, no meu quieto, até quando Deus quiser. Aqui estás e é o que vês. Tua mãe... tua irmã... Já agora, rapaz, não sei. Salvá-las...? duvido muito! Vai-te embora.


NETTO, Coelho. Obra seleta: volume 1: romances. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1958. p.215-217

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

RUMO

Thiago de Mello


Somente sou quando em verso.

Minhas faces mais diversas
são labirintos antigos
que me confundem e perdem

Meu pensamento perfura
muros de nada, à procura
do que não fui nem serei.

Ante a carne fêmea e branca
meu corpo se recompõe
ofertando o que não sou.

Meu caminhar e meus gestos
mal e apenas anunciam
minha ainda permanência.

Para chegar até onde
não me presumo, mas sou,
sigo em forma de palavra. 


MELLO, Thiago de. Vento geral (1951-1981). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. p.51-52

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A ÚLTIMA CANÇÃO DO HOMEM...

Raul de Leoni (1895-1926)


Rei da Criação, por mim mesmo aclamado,
Quis, vencendo o Destino, ser o Rei
De todo esse Universo ilimitado
Das ideias que nunca alcançarei...

Inteligência... esse anjo rebelado
Tombou sem ter sabido a eterna lei:
Pensei demais e, agora, apenas sei
Que tudo que eu pensei estava errado...

De tudo, então, ficou somente em mim
O pavor tenebroso de pensar,
Porque as ideias nunca tinham fim...

Que mais resta da fúria malograda?
Um bailado de frases a cantar...
A vaidade das formas... e mais nada...


LEONI, Raul de. Melhores poemas. Seleção Pedro Lyra. São Paulo: Global, 2002. p.93

sábado, 7 de fevereiro de 2015

O POETA NA IGREJA

Murilo Mendes (1901-1975)


Entre a tua eternidade e o meu espírito
se balança o mundo das formas.
Não consigo ultrapassar a linha dos vitrais
pra repousar nos teus caminhos perfeitos.
Meu pensamento esbarra nos seios, nas coxas e ancas das mulheres,
pronto.
Estou aqui, nu, paralelo à tua vontade,
sitiado pelas imagens exteriores.
Todo o meu ser procura romper o seu próprio molde
em vão! noite do espírito
onde os círculos da minha vontade se esgotam.
Talhado pra eternidade das ideias
ai quem virá povoar o vazio da minha alma?

Vestidos suarentos, cabeças virando de repente,
pernas rompendo a penumbra, sovacos mornos,
seios decotados não me deixam ver a cruz.

Me desliguem do mundo das formas!


MENDES, Murilo. Os Melhores Poemas de Murilo Mendes. Seleção Luciana Stegagno Picchio. São Paulo: Global, 1994. p.23