Georges Bernanos (1888-1948)
A Virgem não teve nem triunfo nem milagres.
Seu filho não permitiu que a glória humana a tocasse, ainda que com a mais
tênue extremidade de sua grande asa selvagem. Ninguém viveu, sofreu e morreu
tão simplesmente e numa ignorância tão profunda da própria dignidade, de uma
dignidade que no entanto a coloca acima dos anjos. Pois afinal ela havia
nascido sem pecado, que espantosa solidão! Uma fonte tão pura, tão límpida, tão
pura e tão límpida, que ela nem podia ver nela a própria imagem, feita apenas
para a alegria do Pai – ah, solidão sagrada!
A Virgem era a inocência. Você tem
consciência daquilo que somos para ela, nós, a raça humana? Ah, naturalmente,
ela detesta o pecado, mas afinal não tem qualquer experiência dele, aquela
experiência que não faltou aos maiores santos, até mesmo ao santo de Assis, por
mais seráfico que seja.
O olhar da Virgem é o único olhar
verdadeiramente infantil, o único olhar de criança que jamais foi erguido sobre
nossa vergonha e nossa infelicidade.
BERNANOS, Georges.
Diário de um pároco de aldeia. São Paulo: Paulus, 1999. p. 209-211