terça-feira, 17 de dezembro de 2019

QUANDO OS ÍNDIOS CAXINAUÁ TINHAM VIRADO PORCOS

Lenda Caxinauá da região do alto Juruá

Dua meke newane. Desenho de Bane Huni Kuin.
Os índios Caxinauá tinham muitas casas. Suas roças davam com abundância. Todas as mulheres maridaram-se. Só uma moça muito bonita não quis casar. A mãe quis casá-la, mas ela não queria.
A moça armou uma rede bem alto e deitou-se. Um homem quis subir e deitar-se junto, mas ela cobriu-se. Assim, o homem não pôde e foi-se embora.
– Foi-se, disse a mãe e xingou. A moça chorou. O pai aconselhou-a, mas ela não quis ouvir. Continuou chorando.
Os índios foram colher pamas e diluíram estas frutas silvestres numa grande panela. Reuniram-se para beber a mistura. Beberam a noite toda. Foi só no alto dia que muitos se deitaram na rede.
Ao escurecer, a moça que não queria casar, tinha-se deitado e estava agora dormindo na rede colocada no alto.
Por fim, todo o mundo dormia. Por fim, a gente toda roncava.
Aconteceu então que, roncando, viraram porcos, aí mesmo viraram porcos-do-mato, e até os meninos pequeninos se transformaram em porcos. Enrolaram as redes, amarrando os rolos na cintura. Seus potes assentaram-se nos narizes, e, suas panelas, nas cabeças. Ali mesmo viraram porcos, saíram, foram comer os seus legumes e correr para longe.
A moça, porém, que não queria maridar-se, estava deitada na rede armada bem alto. Deixaram-na sozinha quando saíram. Acordada, ela procurou a sua gente. Correu chorando de um lado para outro. Está sozinha e não tem com quem morar. Sozinha chora e chorando anda por aqui e por ali.
Ao saírem, os outros tinham deixado uma caixa. Estava pendurada no pau da cumeeira e balançava.
Dentro dela, um menino pequenino assobiou. A mulher alegrou-se, subiu, desatou a caixa, abaixando-a. Quando a abriu, dela saiu um menino pequenino e bonitinho. Estava rindo. A mulher alegrou-se com ele e não chorou mais.
Ao escurecer, dormiu com o menino pequeno na rede. Dormiu a noite toda, e quando ela acordou; o menino pequeno já se tinha levantado e estava passeando de um lado para outro. A mulher alegrou-se com ele, fez comida, comeu com ele, e na noite seguinte o menino pequenino já se tornara rapaz.
A mulher alegrou-se com ele e fez frechinhas para ele matar tejuaçú.
Na noite seguinte ele já se tornara grande. A mulher alegrou-se com ele e fez frechas. Ele frechou peixe e caça. Quando ele voltou da caça, a mulher dormiu com ele na rede. Ao acordarem, ela o fez ser o seu marido. Na rede, ele fez o gosto dela.
O “menino” emprenhou a mulher. Seu filho nasceu.
Então aconteceu o marido ir caçar e matar o pai de sua mulher e o irmão dela. A mulher adivinhou que eram os parentes. Pois os índios Caxinauá não tinham virado porcos-do-mato? A sua gente não se tinha transformado em porcos?
A moça foi embora, o marido também, e também o filho. Não se sabe para onde foram.
Isso se deu quando os índios Caxinauá tinham virado porcos.


BALDUS, Herbert. Lendas dos Índios do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense Ltda., 1946. p.67-68

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

AS VOZES AMARGAS

Rogel Samuel

Depois de muitos anos de busca, consigo As vozes amargas, de Djalma Passos. É um excelente livro, esgotado há 57 anos! Fiquei tão feliz que o transcrevi integralmente no meu blog.
É um livro temático, fechado, que se pode dizer tem começo, meio e fim. Não pode avaliar a poesia de Passos quem só ler um poema. Seu tema é o homem, ou seja, a sociedade e suas questões religiosas e humanas.
Foi publicado em 1952, e poucos anos depois Passos foi meu professor de português no Ginásio de Aparecida. Era um homem calmo e bom, bem me lembro, e morava na época perto da casa de minha avó, na Rua Japurá, onde eu também vivi por alguns anos.
Lembro-me de ter ido à sua casa, não me lembro porquê. E talvez foi lá que eu ganhei um exemplar do livro, que se perdeu ao longo da vida, como tantos. Eu já escrevia quando era adolescente, e dirigi um jornal estudantil feito no mimeógrafo onde colaboravam colegas meus, hoje famosos, como a tia de um hoje Senador pelo Amazonas, a esposa de um Governador e Prefeito de Manaus, e a Ira Esteves, hoje em Los Angeles. Não tenho nenhum exemplar, pois logo ganhamos espaço nos jornais de Manaus e fundamos o Grupo Satírico Gregório de Matos.
O livro de Djalma Passos é muito bom. A crítica atual da literatura amazonense não fala dele, menos o falecido Artur Engrácio e o piauiense Assis Brasil. Como desconhecem o maior cronista do Amazonas, Afonso de Carvalho. Mas não faz mal. Djalma Passos será lembrado como um dos maiores poetas amazonenses.
DJALMA PASSOS nasceu, no Acre, no dia 19 de junho de 1923 e faleceu no Rio em 1990. Fez seus estudos no Colégio Estadual do Amazonas e na Faculdade de Direito do Amazonas. Foi tenente-coronel da Reserva da Policia Militar do Estado, professor do Colégio Comercial Brasileiro, Ruy Barbosa e Ginásio de Aparecida. Abandonou o magistério para ingressar na política, tendo sido eleito, primeiramente, Vereador, mais tarde, Deputado Estadual e depois Deputado Federal pelo Amazonas, pelo PTB (1962). Colaborou com as revistas e jornais de Manaus. O Senador Áureo Mello, do PMDB do AM, pronunciou Discurso no Senado em 19/06/1990 em HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SR. DJALMA PASSOS, que hoje tem nome de Rua e Escola em Manaus.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

YUBE INU DUA BUSË: HISTÓRIA DO CIPÓ

Pintura de Tatulino Macário Kaxinawá Ixã, aldeia Flor da Mata, rio Tarauacá.
Dua Busë morava com a família em uma maloca grande. Uma tarde ele saiu pra caçar e encontrou jenipapo na beira do lago.
Tinham muitas caças que estavam comendo o jenipapo, tinha veado, porco, anta... Dua Busë fez tocaia e ficou lá dentro esperando a caça.
Lá veio a anta para comer a fruta do jenipapo, quando chegou a anta juntou três frutas e jogou no meio do lago chamando alguém.
Veio uma mulher de dentro do lago toda bonita mesmo, trazendo pra anta uma cerâmica desenhada cheia de mingau de banana para a anta beber.
Mulher e anta namoraram e Dua Busë ficou olhando da tocaia.
Depois a mulher jiboia voltou para dentro do lago e a anta foi embora.
Dua Busë voltou para casa e não conseguiu dormir lembrando da mulher com a anta. No dia seguinte, às 5 da manhã, ele pegou a flecha e voltou para tocaia sem avisar a família. Ele fez a mesma coisa, pegou três sementes de jenipapo e jogou no lago. Saiu uma espuma do rio e logo depois saiu a mulher com o vaso de cerâmica com mingau de banana igual que fez com a anta!
Dua Busë se escondeu na hora, mas depois agarrou ela sem avisar e até o vaso quebrou. A mulher falava:
– Me solta! Quem é você?
Ela começou a se transformar em jiboia, transformar em murmuru (uma palmeira que tem muito espinho), onça.
Ele não soltou.
Finalmente Dua Busë falou:
– Te vi namorando com anta e quero te namorar também.
Ela se transformou em gente e falou:
– Vou namorar com você se você estiver solteiro.
Dua Busë entrou em um acordo, disse que não tinha mulher e queria casar com ela. A mulher jiboia fez remédio para o Dua Busë, pegou medicina para ele, mergulhou com ele e saiu na aldeia do fundo do lago.
Encontrou com o peixe arraia que já estava com a lança e o peixe mandim com flecha para matar Dua Busë.
A mulher falava que não era para matar Dua Busë, que ele era marido dela. Mais à frente encontraram puraquê, um peixe que dá choque, que trazia a borduna dele, mas a pedido da mulher o puraquê também se acalmou.
A aldeia do fundo do lago tinha tudo, maloca, roçado, plantas, legumes. Quando chegaram no limite do roçado, a mulher deixou o Dua Busë lá esperando para avisar a família que estava trazendo um homem para casar com ela.
Os pais concordaram e ela foi buscar Dua Busë.
Passou tempo e eles fizeram dois filhos, uma filha e um filho.
Um dia Huã Karu, sogro de Dua Busë, que estava dentro do lago, começou a preparar ayahuasca. Ele tirou cipó, rainha e foi preparar o chá.
Dua Busë perguntou:
– O que é isso?
– É um chá de cura, respondeu o sogro.
Huã Karu preparou o chá à tarde e, à noite, enquanto preparava o ritual pediu para filha avisar ao genro para ele não beber.
A filha foi avisar ao marido que não era para beber o chá.
– Se ele beber pode acontecer algumas coisas e talvez ele não vai aguentar.
Mas o Dua Busë quis beber e finalmente ele bebeu...
A esposa pediu para não beber, mas ele bebeu mesmo assim uma dose grande.
Quando estava chegando a força o Dua Busë começou a agoniar e foi vomitar.
Quando ele estava vomitando ele começou a ver a jiboia engolindo ele.
Ele estava vendo o futuro.
Aí quando o sogro viu falou:
– Bem que eu avisei que não era para ele beber. Chama ele que vou cantar para ele.
Quando o sogro começou a cantar ele viu a jiboia estava apertando.
Dua Busë começou a gritar muito. Até que amanheceu o dia, fizeram medicina para Dua Busë tomar banho.
Dua Busë ficou descansando até que um dia ele levantou para caçar.
A mulher não queria deixar, mas ele foi mesmo assim.
Foi indo até que chegou no largadouro, o lugar onde chega o igarapé que alimenta o lago, e encontrou o Iskï, o bodó encantado.
O Iskï falou:
– Seja bem-vindo, meu txai! Queria encontrar contigo mesmo.
Iskï estava sem cabelo e sem o rabo.
– Olha, txai, você está vivendo bem com a mulher jiboia; a sua mulher está com os seus filhos com fome. Eles me encontraram, tiraram meu nea rani, o cabelo do rabo, então melhor você voltar para sua terra, cuidar da sua família, porque eles estão sofrendo muito. Vem, vou te ajudar!
O Iskï foi e pegou a medicina, colocou no olho dele e falou:
– Pega meu cabelo e fecha o olho.
Saiu com ele descendo o rio até chegar no roçado da família do Dua Busë. Chegando lá o Iskï jogou ele na terra. Quando virou, olhou e reconheceu o roçado da família. Ele foi entrando na terra dele... a família começou a gritar avisando que o Dua Busë estava voltando, veio todo mundo, perguntando e levando ele para txitüte, a pequena rede de pajé, e ele ficou deitado lá, contou a história que aconteceu com ele e a família pediu para ele não sair da casa com medo da jiboia. Ele ficou vivendo com a família um tempo e depois de um tempo foi caçar.
A esposa do lago estava procurando ele com saudade e raiva.
Ele falou que ia matar algumas coisas para fazer caçada, ele não quis ir pelo lago e foi pelo lado da terra, viu o pássaro kushu, cujubim, e deu flechada. A flecha dele caiu na beira do lago, no sangrador do lago, aí flechou de novo e foi lá de novo.
Foi catar as flechas no lago e quando chegou para pegar as flechas encontrou com Bari Siri Ika, filha dele.
Depois chegou a filha pequena e mordeu o dedão do pé dele. “Sirï sirï sirï...” Ele não fez nada, ficou espantado, olhando. Com o canto da filha chegou o filho maior e atacou ele comendo até o joelho. Ele não falou nada. Daqui a pouco vem a mulher, tinha uma árvore no meio do lago. Dua Busë estava com o braço aberto pendurado na árvore e a mulher comeu até o peito. Aí Dua Busë começou a gritar. Chamando os seus parentes da comunidade.
– Venham, meus parentes, a jiboia tá me engolindo!
Seguraram Dua Busë e conseguiram tirar ele. Ele ficou com o corpo mole, ficou na rede e falou para seu cunhado:
– Quando eu morrer, me enterra. Passando seis meses pode me procurar na minha sepultura. Na parte direita vou virar cipó e na parte esquerda vou virar rainha. Tira o cipó, 1 metro mais ou menos, pega um pau e bate até sair a casca e depois cozinha. Cantando eu fico dentro do cipó e explico para você.
Foi explicando para o cunhado dele enquanto morria. Enterraram, passou seis meses e o cunhado dele foi visitar a sepultura. Nessa hora tinha nascido o cipó, nascido rainha. Tirou os dois juntos e fez como ele havia explicado. Fez o nixi pae, tomou e veio a miração. Teve muita explicação. Mostrando o futuro, presente e passado e a verdade. Assim nasceu o nixi pae e essa é a nossa história.


Referência
Shubu Hiwea: livro escola viva do povo Huni Kuin do Rio Jordão. Organização Itaú Cultural (1. ed.). São Paulo : Itaú Cultural, 2017. p.31-33

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

NOKE SHOVITI: História da Criação (Katukina)

Os Katukina vieram debaixo da terra. Logo que surgiram não havia mulheres, somente homens. Vieram caminhando e cantando o mariri. Não tinha canto, era só hi, hi, hi. Vieram cantando na beira do rio. Aí disseram: 
          – Pra onde nós vamos morar? Vamos procurar um lugar para morar. Vamos embora procurar uma ponte para atravessar do outro lado do rio.
Os Katukina não usavam roupas, só usava a tanga. No caminho, encontraram duas mulheres. Essas mulheres só carregavam um paneiro. Só usavam tanga e chapéu de pena de arara, de taboca, pena de japó. Usava um enfeite no nariz. Aí foi um mês procurando para atravessar o rio. Aí falaram:
– Vamos subir, aonde a gente achar uma ponte a gente atravessa pro outro lado.
Todos falaram:
– Vamos embora. Seguindo e cantando hi, hi, hi.
Vieram debaixo e encontraram o Juruá. No Juruá encontraram um jacaré muito grande. Ele afundava e subia. E era só mato nas costas dele. Aí eles disseram:
– Será que esse jacaré serve de ponte para atravessarmos para o outro lado?
Ali fizeram um tapiri para todo mundo. No outro dia de manhã o jacaré falou:
– Como eu sou grande, vou dar passagem para vocês atravessarem para o outro lado. Mas se vocês querem passar para o outro lado, limpem as minhas costas.
Passaram três dias limpando as costas do jacaré. Ele mandou as cabas, aranha, tucandeira e formigas picarem os pés do pessoal para pararem de limpar. Mas mesmo assim limparam. Então, o jacaré falou:
– Vou avisar vocês para comerem somente carne de macaco. Não comam filhote de jacaré. Eu vou dar passagem, mas vou olhar os dentes de todos vocês para ver se não comeram jacaré. Agora eu vou avisar vocês que não tem nome, vocês prestem atenção que eu vou dizer os nomes, cada qual vai ter seu nome: Taramachê roapá, Taratecá roapa, Tarawani roapa, Taramesi roapa. Já que eu dei nome para vocês, eu vou atravessar vocês do outro lado.
Assim, o pessoal começou a passar. O jacaré falou:
– Podem ir passando em cima das minhas costas. Se comerem meu filhote, eu vou largar vocês.
Até que apareceu um homem que tinha no dente carne de jacaré. Logo que ele (o jacaré) viu a carne de jacaré ficou triste e abaixou um pouco na água. Em seguida falou:
– Eu vou atravessar só os que estão nas minhas costas. Os outros eu não vou atravessar mais não.
Esse homem que tinha comido jacaré estava no meio daqueles que ainda poderiam atravessar. O jacaré foi então até o meio do rio e virou. O pessoal que estava em cima do jacaré caiu no rio e as piranhas comeram todos.
Aí ficou dividido: metade em cada lado do Juruá. Quem ficou do outro lado foram os Marubo. Estes que passaram do outro lado, começaram a perguntar o nome de todos. Cada um dizia seu nome. O jacaré tinha dito para eles que era para continuarem usando os nomes que tinha dado para cada um.
Os homens só usavam lança de pupunha para matar os bichos, por isso eles não tinham nada. Não sabiam fabricar panelas, nem roupas. Os Katukina tinham mulher, mas não sabiam fazer filhos. Não sabiam fazer relação com a mulher. Faziam relação no joelho e no sovaco da mulher. Até que um dia apareceu um macaco macho, um cairara. Aí o macaco disse assim:
– Desse jeito vocês nunca vão ter filhos.
Eles deram uma mulher para esse macaco para ele fazer relação sexual com essa mulher. O macaco falou:
– Vocês têm que ter relação com as mulheres de vocês. Assim vocês nunca vão acabar, vai aumentar a população de vocês.
O macaco reuniu o pessoal, falou para a mulher deitar no chão e teve relação com ela. Todo mundo ficou olhando para aprender. Dali para frente os Katukina aprenderam a ter relações com as mulheres, para ter filhos.
Até hoje.
Quando começaram a fazer filhos pensaram em fazer copixawa, shobo, uma casa grande para morar, para criar os filhos. E ficaram morando ali.
Naquele tempo não tinha caça, macaxeira, não existia nada. Só existia a floresta, mas dentro da floresta não tinha nenhum tipo de bicho. Um dia, uma mulher chamou seu marido para colher pama no alto do pé. O marido estava lá em cima e a mulher ficou embaixo esperando ele quebrar o galho para jogar para ela... Lá em cima do pau ele imitou macaco-preto. Assim que ele imitou, tinha um pau grande perto da pama, a mulher estava embaixo e viu esse pau mexendo e de lá saiu só uma pessoa. Era do pessoal que mora embaixo da terra, maeyuxinvo. Essa pessoa saiu com uma zarabatana. Então, mulher se escondeu. O marido dela, lá em cima, imitou de novo o macaco-preto. O homem que saiu debaixo da terra assoprou com a zarabatana e acertou na perna e depois no peito dele. O marido imitou de novo o macaco-preto e o homem assoprou novamente com a zarabatana e acertou no pescoço dele. Ele começou a vomitar e caiu no chão. A mulher estava escondida vendo o que o outro estava fazendo com o marido dela. Quando ele caiu, o homem o colocou nas costas e entrou de novo no pau, para debaixo da terra. A mulher dele saiu correndo para avisar seus parentes como foi e quem foi que matou o marido dela. Quando chegou na maloca ela contou pro pessoal. Ela falou que havia sido um homem que mora embaixo da terra. No outro dia, todos se reuniram e decidiram matar o homem debaixo da terra, queriam vingar o parente morto. Saíram todos e foram observar o pau de onde o homem tinha saído. Havia umas formigas pretas carregando o cabelo do homem para fora. A mulher do homem morto falou que tinha sido ali mesmo. O pessoal começou a cavar buraco para debaixo da terra. Todos homens e mulheres se reuniram, limparam em volta do pau para cavar. Só tinha um homem velho que colocou nome nos bichos todinhos. Achou um bicho e colocou o nome de paca. Cavaram mais e saiu um tatu, saiu tatu canastra. Esses bichos que foram para debaixo da terra. A paca não conseguiu ir. O tatu-canastra fez um buraco bem grande embaixo da terra. Faltava só um pouco para chegar no maeyuxinvo, que é o povo que mora embaixo da terra. Aí os Katukina reuniram todos. O tatu fez um buraco bem pequeno para atravessar para a aldeia deles. Mandaram um calango para ver se o homem estava em casa. O calango foi lá e encontrou somente uma velha. O calango avisou ao tatu canastra que só tinha uma velha lá. Aí mandaram o jabuti. Jabuti foi para debaixo da terra e só viu a velha. Aí mandaram o veado ir olhar. O veado foi e só viu a velha. Aí mandaram a tartaruga e o homem ainda não estava lá, só a velha.
Nesse tempo, a onça não estava pintada. O pessoal reuniu e resolveu pintar a onça e o gato. Pintaram ela com jenipapo e ela ficou toda malhada. Aí a cotia que tinha pintado uma outra onça, ficou com preguiça de pintar com jenipapo e colocou só urucum, por isso que existe essa onça vermelha. Aí mandaram a onça para debaixo da terra, ela viu e matou a velha. A onça subiu e avisou que tinha matado a velha, que o homem não tinha chegado. Aí o homem da tribo dos maeyuivo não era homem, era um gavião do tamanho de um avião. Aí pensaram: a gente tem que tomar cuidado que esse homem vai querer matar a gente. Koka pinho txari, avisou que esse homem era gavião grande. Koka pinho txari fez as pessoas virarem veado, paca, anta, macaco-preto, cotia... Ele que deu nome aos bichos. Por isso, quando a criança está doente não pode comer carne de caça.
Aí o gavião grande chegou. Logo que chegou viu a mãe dele morta no terreiro e falou:
– Foi o pessoal de cima que matou minha mãe, eu vou lá matar tudinho.
O pessoal escutou a zoada do gavião. Koka pinho txari avisou:
– Corre logo senão o gavião vai pegar vocês todos.
O gavião espantou todos os bichos. Aí os homens viraram veado, outro virou queixada, paca... Só tinha bicho de 4 patas, não tinha ave de pena. Aí Koka pinho txari arrancou os cabelos da perna e assoprou. Virou jacamim, jacu, nambu, tucano, arara...


Noke Shoviti – História da Criação
Tradução e escrita: Maurício da Silva Ni’i
Narrador: Baía Paixão Mae e João Assis Me’o

Referência
KATUKINA, Benjamin André; SENA, Vera Olinda [et al.]. Mito Katukina: Noke Shoviti. Rio Branco: Editora Poronga, s/d. p.10-16