quinta-feira, 31 de maio de 2012

VALEU EUZÉBIO

Luiz Felipe Jardim


Quando não existiam as "escolinhas de futebol" para ‘formar’ os jogadores e craques, tais como as ‘escolinhas’ e Centros de Treinamentos de hoje em dia, eram as forças comunitárias, as forças sociais dinâmicas ligadas ao esporte que cumpriam essa tarefa.

Simples assim. As pessoas queriam ver e se divertir com o futebol. Para isso precisavam de bons jogadores. Para tanto, se envolviam e moviam certas forças sociais no sentido de produzirem os jogadores, verem e se divertirem com um bom futebol.

Assim nasceram muitos clubes por este Brasil a fora. Clubes surgidos nos bairros, nas fábricas, nas colônias, nas escolas, nas mais diversas associações, enfim, onde a mobilização das comunidades dava vida material e espiritual ao fazer o futebol.

Nessa atmosfera surgiam os jogadores, os bons jogadores e os craques.

Era o Bolinha filho da comadre Neném, que viria a encantar os moradores do bairro com a magia de que era capaz com a bola nos pés.

Era o Zé Bezerra, mestre nos chutões bumba-meu-boi, que divertia as torcidas no tempo das primeiras formações do Rio Branco Footboal Club.

Era o Tinôco, mestre das defesas difíceis ou impossíveis, que viria mostrar às nossas torcidas os desafios à gravidade que os homens podem e sabem fazer.

Era o Zé Claudio, mestre na armação das jogadas que, comandaria a construção dos desenhos geométricos (desenhos táticos) que os times realizam com suas jogadas durante as partidas.

Assim fez-se o futebol acreano. Nutrindo-se das suas próprias forças sociais, produziu seus jogadores em quantidade e qualidade, que enchiam os campos por onde passava e os olhos das torcidas que o assistiam.

Segundo levantamento feito por Raimundo Fernandes, em começos da década de 1970, Rio Branco tinha perto de 156 campos de futebol nas suas áreas rural e urbana. Isso demonstra o poder comunitário que tinha o esporte naqueles tempos. A partir dele pode-se imaginar a enorme quantidade de pessoas envolvidas nas atividades preparatórias, paralelas, de apoio etc. relacionadas ao futebol. Atividades que vão desde realização de arraiais, à realização do baile tradicional do clube; desde campanhas de arrecadação de fundos, a eleição de suas rainhas e madrinhas.

O resultado é inquestionável. O Acre produziu uma quantidade enorme de bons jogadores. Isso se traduzia num crescente aumento do número de pessoas nos estádios, na importância do futebol na sociedade...  na produção de mais e bons jogadores.

Por isso nos meados dos anos 60, já com boa carga hereditária embutida no nosso futebol - herança nos proporcionada pela categoria de jogadores como Zé Claudio, Boá, Touca, Cidíco, Tinoco, Airton, Fernando Diógenes, etc.- surgiam em Rio Branco, alguns jogadores que também viríamos a chamar de craques, como Dadão, Rui e Euzébio.

Todos se destacavam, entre outras coisas, pela elegância com que marcavam suas características principais. Como o arranque leve e fulminante do Rui rumo ao gol com a bola aos pés. Ou os dribles quase sempre previsíveis, mas quase sempre impossíveis de serem evitados, do Dadão.

Euzébio Abreu de Souza
Foto Futebol do Norte
Já Euzébio tinha uma elegância peculiar. Diferentemente de Zé Cláudio, por exemplo, cujo centro de gravidade exigia seu corpo o mais reto possível, o que lhe dava natural elegância, Euzébio tinha um centro de gravidade que o inclinava ligeiramente mais à frente e exigia maior movimento dos braços. Isso lhe fazia mais ofensivo, mais finalizador e mais hábil nos dribles curtos.

Além disso, Euzébio era mestre nas cobranças de faltas. A simplicidade com que as preparava escondia a complexidade com que as executava. O olhar despretensioso que as antecipava, dissimulava os complexos cálculos que fazia, onde milímetros de ângulos eram imaginados e relacionados a graus de força nos pés. Onde o momento psicológico da partida era relacionado às características psicológicas do goleiro oponente. Onde a curva que a bola deveria fazer era medida em função da posição e altura da barreira. Tudo ali, em poucos segundos, sem pranchetas ou canetas, à vista de todos. Sem TV, mas ao vivo e em cores. O resultado era impressionante. Se o gol acontecia - e geralmente acontecia - mais ainda. Mas, mesmo que o gol não acontecesse, a carga de emoção, a satisfação que a cobrança trazia à assistência, pela beleza plástica que proporcionava, e pela iminente sensação de antevisão que sugeria, era enorme.

Por outro lado Euzébio era craque na distribuição de jogadas. A característica movimentação dos seus braços, além de sua altura, fazia dele um centro de referência natural que ele sabia utilizar com maestria. Responsável por grande parte da armação das jogadas, usava sua natural inclinação para frente (a que os zoólogos chamam de 'cara de ataque', característica quase sempre presente nos líderes) para carimbá-las com a marca ofensiva. Aliás, é esta a principal imagem que me ocorre quando me lembro, ainda menino, de ver o meu Atlético Acreano jogar: a partida se iniciando e o Euzébio no meio do campo partindo com a bola para o ataque... levando nosso time à ofensiva...

Realmente nossa cidade produziu excelentes jogadores nos seus campos de futebol...

E disso devemos nos orgulhar.  Porque somente sociedades alegres, fortes, inteligentes, com bons níveis de harmonia são capazes de produzir ídolos igualmente harmônicos, inteligentes, fortes e alegres para se espelhar. Pois nossos ídolos são como espelhos que nos mostram aspectos da fisionomia do nosso espírito coletivo que de outra forma não veríamos com naturalidade.  É por isso que ouvimos tanta música. Ou ainda, é por isso que nos interessamos tanto por esportes como o futebol. Porque vendo a nossos ídolos vemos a nós mesmos de maneiras diferentes. Vendo a nossos ídolos vemos o rosto do nosso humor, vemos as diversas expressões da nossa dor; vemos os vários semblantes da alegria, vemos detalhes das formas infinitas do amor. Vemos aspectos de quem somos, de para onde vamos e do que devemos fazer.

Euzébio, por ser um de nós, revelava para nós que o assistíamos detalhes da nossa alma, aspectos da nossa fisionomia coletiva. Detalhes dos mais valiosos, daqueles que trazemos fixos em nosso inconsciente e que nos dizem, permanentemente, com voz profunda e hálito quente, que a vitória é possível. E que mais possível é a vitória se formos à frente.

Valeu Euzébio, a mensagem está dada, a missão cumprida. E dela nosso povo se lembrará enquanto memória tiver, enquanto tiver vida.


* Luiz Felipe Jardim é advogado, professor de História, músico e compositor acreano.

BELA VERSÃO: Hino Acreano tocado pelo guitarrista de Cruzeiro do Sul, Gerbson Maia!

quarta-feira, 30 de maio de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – IV

José Augusto de Castro e Costa*
Porto de Manaus em funcionamento, década de 1940.
Blog Catador de papeis

Não obstante a grande movimentação nas cidades de Manaus e Belém, relacionada à exportação da borracha, o Brasil, em si, não fazia a menor ideia de que o fato vinha dando o maior destaque de expansão nacional naquela área amazônica.

O que parecia preocupar as autoridades brasileiras era a situação de dificuldade geográfica da Bolívia, conforme verifica-se logo após a Independência, quando o Presidente da Província de Mato Grosso convida  os governadores bolivianos para unirem ao Império do Brasil as províncias de Santa Cruz de La Sierra, Chiquitos e Moxos.

Esses atos foram rigorosamente desautorizados posteriormente pelo Governo Imperial. Parece nascer daí uma certa preocupação em delimitar as terras brasileiras.

A Bolívia, na verdade, sempre conviveu com problemas geofísicos, o que fundamenta o desejo dos bolivianos de desfrutarem a vista de um horizonte que não seja pontilhado de picos montanhosos. Não apenas este aspecto, mas a acessibilidade menos dificultosa para o fluxo e refluxo de seus interesses. Sempre a política boliviana girou em torno de fatores geofísicos, o que representava uma difícil e enorme distância para ambos os oceanos – pior ainda para as bandas do Atlântico.

A própria literatura boliviana, através de F. Diez Medina, sugere textualmente que “no coração da América Meridional situa-se o Atlântico; amuralhado ao outro lado pela Grande Cordilheira que olha o Pacífico distante; cerrada por bastiões montanhosos, aberta em rios dilatados e ares estratégicos, Bolívia se levanta como um astro ignorado, jovem e remoto ao mesmo tempo”. Outro historiador boliviano, reportando-se aos problemas sociais e geográficos a que está fadado seu país, diz que a “fatalidade histórica confinou a Bolívia ao redor de 800.000km²”.

No cenário das discussões de tratados de limites é notório a política vacilante, tanto do Brasil como da parte da Bolívia. Esta então chegou até a dizer que não havia celebrado tratado algum positivo entre Bolívia e o Brasil (“no habiendose celebrado tratado alguno positivo entre Bolivia y El Império Del Brasil, ni podiendo considerarse subsistente. Os anunciados tratados no existen em lós archivos de su govierno, que Bolivia jamás les há dado el roconocimiento solemne”).

De ressaltar que a situação interna da Bolívia não permitia um bom termo de negociações, por motivo de estarem suas autoridades ocupadas em manter a unidade da suposta Federação Peru-Bolívia, enfrentando o conflito com o Chile.

Anos depois, vendo-se sujeito a enfrentar uma guerra absurda com o Paraguai, o Brasil procura reatar e estreitar suas relações com a Bolívia, temendo, que tal batalha viesse alastrar-se numa situação bélica de solidariedade do idioma espanhol, de cultura e de amor-próprio ferido.

A negociações, então, transcorreram  em clima de compreensões recíprocas e honrarias brasileiras aceitas pelos bolivianos,  encantados e deslumbrados com tanto mimo  diplomático, convertido em  comendas e altas condecorações.

Em menos de três meses, os bolivianos, persuadidos por uma fórmula de harmonização do que aparentava ser de interesses comuns, concordaram assinar o tratado que recebeu o nome de Ayacucho, em 27 de março de 1867.

Contudo, os dois países assinaram o Tratado de Ayacucho sem o menor conhecimento da área referida no citado documento, muito menos do valor daquelas terras e sem atinar que eram os brasileiros quem estavam habitando e explorando aquela área, há dez anos. Sabiam que o documento em pauta cuidava dos limites relacionados aos rios Javari e Madeira. Atribui-se que tais providências eram básica e teoricamente imaginárias.

Enquanto isso a exploração do látex vai-se intensificando, consolidando sua produção e desenvolvendo sua exportação, com vistas ao breve alcance do famoso “auge da borracha”. Todo este empenho, à proporção que aproximava-se o final do XIX, é revestido do estilo mundialmente conhecido como “belle  èpoque”.

A força motriz dessas providências, de ressaltar, eram exclusivamente humana e genuinamente brasileira. Ali, até então e por alguns anos vindouros jamais ouvira-se falar em ocupação boliviana, muito menos em seringueiro boliviano.

No campo diplomático o jogo não fazia a menor referência ao que ocorria no norte do Brasil. Talvez pela grande dimensão do país, adicionada à influência do fato de D. João VI haver optado por transferir a capital do Império para o sudeste, a maioria dos interesses destinados ao progresso do Brasil também foi deslocada para aquela região, com extensão para o sul. A partir daí nasce um dito popular de que, no Brasil, há sempre destaque para a “industrialização” do sul e sudeste, em detrimento da “miserabilização” do norte e nordeste.

Foto: Revista Brasil-Europa
A História, porém, segundo os historiadores Arthur Cesar Ferreira Reis e Leandro Tocantins, registra que três anos antes da assinatura do Tratado de Ayacucho, chega à Amazônia o geógrafo britânico William Chandless, com o objetivo de examinar a veracidade da união aquática dos rios Purus e Madeira.

As explorações de Chandless negaram a existência de liame aquático entre os dois rios, desfazendo, então, versões inexatas, anteriormente difundidas. Em seguida o geógrafo inglês estendeu seus cálculos científicos ao rio Juruá.

O título de desbravador do Juruá, à semelhança de Manuel Urbano no Purus, é concedido a João da Cunha Correia que, em 1854, isto é, 13 anos antes do Tratado de Ayacucho, percorreu terras do Juruá e, depois de alcançar o Juruá-Mirim, subiu o rio Tarauacá, passando daí ao Envira, chegando por terra ao Purus. Lembram os nossos historiadores de que só não houve um registro histórico do encontro com Manuel Urbano porque, ao atingir o Purus, seu desbravador, no momento, encontrava-se no alto rio. O geógrafo William Chandless, então dez anos após, perfaz a mesma jornada de João da Cunha Correia, calculando haver cumprido cerca de 980 milhas. O Acre, então, sugere demonstrar-se totalmente abrasileirado!


Leia também:


* José Augusto de Castro e Costa é poeta e cronista acreano. Reside em Brasília e escreve o blog FELICIDACRE.

terça-feira, 29 de maio de 2012

30 ANOS SEM MEU PAI - A HISTÓRIA DE UMA AUSÊNCIA!

Prof. Wanderley Dantas
Meu pai é o quinto da esquerda para a direita.
Fonte: Tarauacá Notícias
Há 30 anos - 24/05/1982 - falecia o Professor Francisco Wanderley Dantas, meu pai. Minhas lembranças daquela distante manhã são marcantes. Era véspera do meu aniversário de 9 anos. Meu pai falecia 5 dias antes da comemoração da data natalícia daquele rapazinho que tão pouco o conhecera. Ele viajava muito e minha mãe, Leila Dantas, foi quem assumiu a maior parte da responsabilidade sobre a minha criação. Eu era o único filho e caçula, acompanhado de duas irmãs, Jeanine e Viviane.

Três ou quatro lembranças muito fortes acompanham-me até os dias de hoje: a primeira e mais antiga, eu chegando em casa da escola, ouvindo minha mãe dizer que meu pai já chegara de uma de suas viagens e que estava no quarto. Corri para lá, menino pequenino, mochila nas costas e uma lancheira de lata numa das mãos. Chegando no quarto, meu pai estava sentado na velha poltrona e me coloquei bem na frente dele. Larguei a lancheira e deixei cair a mochila no chão, pulando bem em seus braços que já se encontravam abertos para me receber. A segunda lembrança foi resultado de uma provocação que fiz, desdenhando-o bem na frente dele. Isso o tirou do sério e ele saiu correndo atrás de mim com o cinto já em sua mão. Entrei debaixo da cama, mas de nada adiantou me jogar de um lado para o outro, a surra veio certeira (e merecida!). A terceira foi quando, depois de uma discussão entre meu pai e minha mãe, esta me pediu que fosse até o quarto ficar com papai. Aproximei-me da cama bem devagarzinho, recostei-me sobre seu peito e fui abraçado por ele. Quando ergui a cabeça, vi uma lágrima que descia pelo rosto do meu pai; enfim, outra cena marcante daquela infância foi quando meu pai pediu que o porteiro do prédio enchesse o pneu da minha bicicleta caloi verde. Estava feliz com aquele presente, mas quando vi o porteiro vindo sentado e pedalando na bicicleta, quase que deixo transparecer toda minha ira infantil e egoísta.
No meio José Calixto 1º Gerente do BASA, Prefeito Raimundo Ramos 1º à esquerda; de paletó branco provável Wanderley Dantas; atrás do Wanderley Dantas Sr. Mansueto e atrás desse de óculos, o Sr. Sebastião Braga.
Fonte: Tarauacá Notícias
Há outras lembranças, contudo nenhuma imagem está tão fortemente marcada como a daquela manhã. Jeanine entrando e saindo do meu quarto, abri os olhos e, pela janela, lembro que me chamou a atenção as nuvens baixas e carregadas que pareciam quase tocar na janela daquele apartamento, sexto andar, no bloco em que morávamos em Brasília. Fechei novamente os olhos e dormi. Mas Jeanine, repentinamente, segurou-me nos braços e deu a notícia: “Fábio, Fábio, acorda... Papai morreu! Papai morreu!”, dizia aos prantos, enquanto me abraçava.

Há 30 anos meu pai faleceu. Hoje, começo um blog que vai trazer algumas histórias sobre ele, o Acre, minha família. Um resgate histórico, uma homenagem ao meu pai, que sempre fora o desejo de Viviane realizar, mas que a morte precoce impediu-lhe o empreendimento. A autoria “Prof. Wanderley Dantas" é também uma homenagem a ele, mas também representa um outro lado meu, uma perspectiva diferente sobre a minha própria vida, os meus pensamentos e a história do meu país.

Enfim, meu pai, sua história, sua trajetória, suas polêmicas e sua vida ocuparão a página deste blog chamada “A terra”. Porque assim vejo meu pai – terra: o imenso latifúndio de uma terra distante – Acre. Um Brasil que não testemunhei, mas que espero resgatar pela pesquisa e pelo testemunho dos sobreviventes daquele tempo. Inauguro, portanto, o Blog "O Seringueiro" prestando a homenagem aos 30 anos de ausência do meu pai. A história começa!

TUDO QUE VICIA COMEÇA COM "C"

Ricardo Mallet


Por alguma razão que ainda desconheço, minha mente foi tomada por uma ideia um tanto sinistra: vícios.

Refleti sobre todos os vícios que corrompem a humanidade. Pensei, pensei e, de repente, um insight: tudo que vicia começa com a letra C!

De drogas leves a pesadas, bebidas, comidas ou diversões, percebi que todo vício curiosamente iniciava com C.

Inicialmente, lembrei do cigarro que causa mais dependência que muita droga pesada. Cigarro vicia e começa com a letra C. Depois, lembrei das drogas pesadas: cocaína, crack e maconha. Vale lembrar que maconha é apenas o apelido da cannabis sativa, que também começa com C.

Entre as bebidas super populares há a cachaça, a cerveja e o café. Os gaúchos até abrem mão do vício matinal do café, mas não deixam de tomar seu chimarrão, que também - adivinha - começa com a letra C.

Refletindo sobre este padrão, cheguei à resposta da questão que, por anos, atormentou minha vida: por que a Coca-Cola vicia e a Pepsi não? Tendo fórmulas e sabores praticamente idênticos, deveria haver alguma explicação para este fenômeno. Naquele dia, meu insight finalmente revelara a resposta. É que a Coca tem dois cês no nome, enquanto a Pepsi não tem nenhum. Impressionante, hein?

E o chocolate? este dispensa comentários.

Vícios alimentares conhecemos aos montes, principalmente daqueles alimentos carregados com sal e açúcar. Sal é cloreto de sódio. E o açúcar que vicia é aquele extraído da cana.

Algumas músicas também causam dependência. Recentemente, testemunhei a popularização de uma droga musical chamada "crééééééu". Ficou todo mundo viciadinho, principalmente quando o ritmo atingia a velocidade... cinco.

Nesta altura, você pode estar pensando: sexo vicia e não começa com a letra C. Pois você está redondamente enganado. Sexo não tem esta qualidade, porque denota simplesmente a conformação orgânica que permite distinguir o homem da mulher. O que vicia é o "ato sexual", e este é denominado coito.

Pois é. Coincidências ou não, tudo que vicia começa com a letra C.

Mas, atenção: nem tudo que começa com C vicia. Se fosse assim, estaríamos salvos pois a humanidade seria viciada em cultura.



P.S. recordemos a Alemanha, com um nível cultural elevadíssimo, no entanto, de seu seio nasceu o nazismo. Mais que um país 'culturalizado', é preciso saber o que fazer com toda essa cultura. Mas, por enquanto nossa preocupação de fato deveria ser a difusão e o acesso à cultura, pois ainda não chegamos ao ponto de discutir o que fazer com nossa cultura.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

DE LIVROS E AMORES

Marcos Vinícius Neves
Coluna Miolo de Pote

Na terça-feira, 5 de junho, vai ao ar, pelo Canal Futura, mais um episódio da série de programas chamada “Livros que amei”. Desta vez quem vai estar lá falando de três livros que marcaram sua vida será o escriba desta coluna... Ah meu Deus...! Já to nervoso! Afinal, também não assisti ainda o programa depois de pronto.
Se não me engano, por diversas vezes escrevi aqui nesta coluna sobre a importância dos livros em minha vida. Mas, se não falei deveria tê-lo feito. Porque, não consigo sequer imaginar o que seria viver sem eles. Graças aos livros, desde muito cedo, viajei por mundos estranhos, exóticos. Vivi aventuras de tirar o fôlego. Conheci pessoas tristes, belas, violentas, sagazes, sedutoras, comuns. Me deparei com situações e sentidos que sequer seria capaz de supor serem possíveis.

E por uma questão de gratidão devo confessar que devo tudo isso a minha mãe. Foi Dona Wilma quem me ensinou a amar os livros e fazer deles parte indissociável de meus dias. Mesmo sabendo que muitas vezes ela deve ter se arrependido, ainda que docemente, quando eu deixava de estudar matemática pra acompanhar as aventuras de Tom Saywer, ou de estudar português pra mergulhar 20.000 léguas submarinas atrás da imaginação alucinante de Julio Verne.

Por isso mesmo, um dos três livros que escolhi para falar durante o programa é um daqueles que li quando menino. A bela adaptação que Origenes Lessa fez de alguns mitos gregos que me encantaram e fizeram sonhar com hidras, centauros e deuses do Olimpo. Ah como eram emocionantes aquelas noites de sono perdidas\ganhas lendo até o dia amanhecer!

Assim como também não poderia deixar de falar no programa sobre essa minha outra paixão chamada história do Acre. E para tanto, nada melhor do que recorrer a outro apaixonado pela mesma perdição (porque paixão é sempre encontro e perdição, né não?), um cara chamado Euclides da Cunha. Só que dessa vez, tive que tratar de um livro que, apesar de intensamente planejado, por uma sutil ironia do destino, nem sequer chegou a ser escrito.

Estou falando, é claro, do “Paraiso Perdido”. Aquele que seria seu segundo livro vingador, como declarou o próprio Euclides, depois do retumbante sucesso de “Os Sertões”. Afinal, como todos sabem, ele morreu depois de vir ao Acre e antes de ter tido tempo de escrever seu sonhado livro. Assim o “Paraiso Perdido” que nos chegou é na verdade um esboço do que poderia ter sido, graças a reunião de textos diversos que ele escreveu sobre o Acre, mas que nem por isso são menos importantes ou belos do que poderiam ter sido aqueles que não chegaram a ser escritos... O que talvez sirva pra provar que mais do que de tinta e papel os livros são feitos de sonhos e desejos e muitas vezes é o que basta.

E pra terminar... Já que são apenas três livros a serem comentados em cada programa. Falei sobre um livro muito especial que me acompanha há décadas. Um livro muito diferente dos anteriores porque é milenar e também porque não foi escrito por uma só pessoa, mas vem sendo escrito e reescrito por muitas mãos ao longo de todo esse tempo.

Estou falando do “I Ching, o Livro da Mutações”, que os chineses inventaram há cerca de 5.000 anos. Ou melhor, que um personagem mítico, por alguns chamado como Fou Hsi, teria criado a partir da observação direta da natureza e do espírito humano. Um livro que muitas vezes é minimizado por também poder ser usado como oráculo, mas que é muito mais que isso. É, na verdade, um livro de história, um tratado sobre ética e comportamento, uma obra admirável para a compreensão e condução de uma vida espiritual plena.

E o que é melhor. Um livro que, diferente dos livros sagrados ocidentais, não tenta individualizar modelos a serem seguidos através deste ou daquele personagem histórico e nem se apoia no surrado maniqueismo de nossa sociedade que hipocritamente se orienta pela lógica do bem em permanente luta contra o mal. Que até pode ser muito útil na hora de escrever roteiros de cinema, convenhamos. Mas que vive a nos induzir a erros de avaliação e de reação diante dos desafios da vida.

O “I Ching”, pelo contrário, trata bem e mal, masculino e feminino, claro e escuro, quente e frio, etc. como meras manifestações da unidade de todos os seres e simultaneamente da pluralidade através da qual a vida se manifesta.

Enfim... Foi isso, em síntese, o que conversei durante a gravação desse programa que me deu muito prazer de participar. Até porque, alem do formato original e interessante, com a participação de comentadores além dos convidados, como vocês poderão ver por si mesmos na terça-feira, 05 de junho, às 21:30, foi feito por uma equipe muito bacana, dirigida por Suzana Macedo e Izabel Jaguaribe. A quem agradeço demais a gentileza e carinho com que fui tratado. Assim como não posso deixar de agradecer à Bia Lessa que indicou meu nome para participar de um trabalho tão legal como esse. Espero vocês por lá...


Obs - Pra quem quiser mais informações sobre esse interessante projeto sugiro ir ao site do Canal Futura, no link http://www.futura.org.br/livros-que-amei-nova-serie-mostra-as-obras-favoritas-de-convidados-especiais, ou no Face no endereço http://www.facebook.com/pages/Livros-Que-Amei

Aviso - Não vi o jornal impresso ainda, mas no site do jornal Página 20 a informação sobre o dia do programa está incorreta... lá consta que será na proxima terça-feira. Mas, como dito acima, será mesmo no dia 5 de junho.

sábado, 26 de maio de 2012

FATO, VERDADE E REALIDADE: AS DIFICULDADES DA COMISSÃO DA VERDADE

Profª. Inês Lacerda Araújo


Nosso cotidiano depende de uma lida com os três fatores do título: fato, verdade e realidade. Na maioria das vezes esses condicionantes de nossa vida se embaralham, se misturam e são tomados uns pelos outros.

Desde a instalação da comissão da verdade que tem como meta investigar e chegar justamente à verdade sobre crimes políticos acobertados durante tanto tempo, posições diferentes surgiram. Quais crimes investigar, os da ditadura militar apenas? Ou também atos da esquerda (atos terroristas) que se opunha à censura e ao regime de força que eliminara a democracia?

Como chegar à verdade? Pelos fatos, se diz. Mas quais fatos investigar? Documentos? Quais? Como decidir se são ou não significativos, se ajudam para esclarecer quantos morreram, foram perseguidos, sofreram a violência da tortura?

E mais: quem será ouvido, quem testemunhou a prisão e a tortura?

Fatos precisam de algum tipo de constatação objetiva, mas ainda assim, provocam controvérsia quando pessoas com diferentes pressupostos e valores resolvem que uns importam mais do que outros...

Acresce-se a isso a realidade. Em geral se usa o conceito de realidade para uma situação mais geral, no caso, a história da ditadura que se inicia com o imbróglio de Jânio Quadros, a posse de Goulart, o regime parlamentar, sua queda e a revolução militar com os atos institucionais.

Para a atual geração fica difícil entender o que é viver sob censura, não poder eleger prefeitos de capitais, governadores e nem o presidente. Fica difícil imaginar o que é optar por dois partidos apenas: um "oficialmente" situação, o outro "oficialmente" oposição.

Manifestações de rua contra a ditadura
e a repressão da polícia
A luta contra a ditadura se fazia em pelo menos duas frentes: a clandestina e a de figuras notórias de políticos, intelectuais, jornalistas.

E isso é parte da realidade da época.

Havia também o medo, pois ser fichado pelo Dops, a polícia política da ditadura, poderia significar prisão e tortura para delatar os clandestinos.

Sua casa poderia ser invadida e vasculhada: certa literatura, em especial relacionada ao comunismo, o poria sob suspeita.

Outros fatores pesam também nessa conjuntura: havia militares que desejavam o fim da repressão, de um lado. De outro lado, há vários opositores que se beneficiam com indenizações até hoje, por terem perdido um cargo, ou por terem sido afastados de sindicatos (isso é justo ou abusivo?).

Enfim, há muito o que fazer e nunca se chegará à verdade.

Se a verdade for algo inflexível é difícil de obtê-la. Se a verdade for flexível, deixa de ser confiável.

De qualquer maneira, é preferível recuperar injustiças e erros do que sepultá-los.



* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

DA OCIDENTAL EPOPÉIA ACREANA

Clodomir Monteiro
O quarto lado da vida


“as águas espumosas
e inquietas descendiam
batendo fragas e rochedos”[1]

Barbados Açores navios negreiros
avós caravelas do leste e do norte
retirantes sertões severinos silvinos
com Damião Frei Romão vem Santana

sangram riomar são romeiros latinos
ao ver-o-peso presépio do forte
mãe Manaó Nazaré peregrinos
Ajuricaba sua gente conclama

sangram florestas exploram nascentes
seus lampiões são os olhos do corte
pai aquiry anajás seringueiros
João Gabriel de Uruburetama

brabos nativos afrodescendentes
imigrantes soldados do sul e da sorte
coronéis libertários benditos guerreiros
da ocidental epopéia acreana



[1] Apud Luiz de Camões.


* Poema publicado em Antologia de Escritas No7 (org. José Félix). Portugal: Quilate, Lda, 2010. p. 25
** Fotografia ilustrativa presente em Álbum do Rio Acre 1906-1907 de Emílio Falcão.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – III

José Augusto de Castro e Costa

Adicionado ao sofrimento físico, como se não bastasse, era o seringueiro acometido por agravante da tormenta moral dos débitos, superiores aos créditos na maioria das vezes, vindo a bordo dos Regatões ou amarrados aos lápis dos Guarda-Livros dos barracões. Quando chegava ao seu destino, ali já se achava, incluso em um espectro de cadastro, a anotação de que aquele incauto aventureiro era um devedor e não sabia.

Não apenas no Purus, que demanda ao Acre e ao Iaco, mas também no Juruá, as árvores seringueiras destacavam-se em sensível abundância, o que levaria a corrente imigratória proliferar-se, pontilhando as margens ribeirinhas de pequenas habitações, denominadas de tapiris, que estendiam-se por toda a área acreana.

A vida ribeirinha, a mais rudimentar e a mais comum seria quase impossível ser vivida se não estivesse próxima a um rio, igarapé, lagoa, onde, apesar de remota, a canoa era o único meio de comunicação de que podiam dispor seus habitantes como arrimo e parte integrante do seu viver.

O regatão, nome usado em Portugal para os mercadores de alimentos, prosseguiu para o Acre o que já fazia desde o Maranhão ao Amazonas.

As canoas dos regatões, cobertas de palha ou de madeira, possuíam uma cabine e duas portas, uma avante e outra para ré, cheias de prateleiras para o transporte de mercadorias, que variavam da carne-seca ao feijão, do pirarucu ao sabão, do açúcar à chita, da espingarda à agulha, do fósforo à corda de viola, do barbante ao alfinete, do cigarro ao pó de arroz.
Regatão, o mascate da Amazônia - final da década de 1960 - de Carlos Henrique Brek
Fote: História Multimídia de Xapuri
Fazia o regatão a sua vida dentro do barco. Ali comia, dormia e ainda fazia o seu comércio, partindo a seguir à procura de novos fregueses, visando, no princípio, a trocar suas mercadorias pela borracha e pela castanha, porque poucas eram às vezes em que o dinheiro entrava na transação.

Escreve Tavares Bastos: “A canoa do regatão é uma loja ambulante, indispensável naqueles desertos imensos”.

Os regatões brasileiros e lusos logo vieram a ter a concorrência dos sírios e libaneses, que se diziam “compadres” de todos os prováveis compradores. Embora falando mal o português, cercavam sua clientela de um sem número de gentilezas e amabilidades.

Ainda acerca dos regatões, D. Antonio, Bispo do Pará, em carta ao Ministro do Império, em 1865 diz: “Os regatões, negociantes de pequeno trato, que em canoas penetram até os mais remotos sertões para negociarem com os índios. É difícil imaginar as extorsões e injustiças que a mor parte deles cometem aproveitando-se da fraqueza ou ignorância destes infelizes. Vendem-lhes os mais somenos objetos por preços fabulosos, tomam-lhe a força ou a falsa fé os gêneros, quando muitos compram-nos a vil preço e muitas vezes embriagam os chefes das casas para mais facilmente desonrar-lhes a família. Enfim não há imoralidade que não pratiquem esses cupidos aventureiros”.

Apesar de todas as acusações feitas contra os regatões, não se pode negar, em sã consciência, a importância econômico-social de seu trabalho. Suas atividades em benefício daquelas populações isoladas em palhoças ou malocas à beira dos rios, igarapés, lagos e furos não podem ser esquecidas. Vítimas, muitas vezes, de quem se considerava prejudicado pelo puritanismo da época ou por inveja de alguns, a eles se imputavam todos os males e todos os erros de um comércio condenável. Os seringalistas, ou patrões dos seringais, detestavam os regatões, pois eles chegavam a convencer os seringueiros a desviarem borracha do seringal, em troca de suas bugigangas.
Em batelões como este os regatões ajudaram a escrever a história da Amazônia.
Foto: Jornal Página 20
Na realidade, tudo indica que eles também ajudaram no engrandecimento da Amazônia, na descoberta de tantas tribos, no escoamento da produção das povoações acreanas, sobretudo.

Contudo, as reais vítimas não só deles, mas de seus próprios patrões, foram os ingênuos seringueiros.

Por considerarem os casados mais dispendiosos, pois necessitavam de mais passagens, para começar as despesas, os patrões seringalistas recomendavam aos agenciadores a preferência pelos solteiros. Entretanto muitos casados se submetiam a embarcar sozinhos para, depois de alguns anos mandar buscar as famílias. Aí, quando algum deles falecia, invariavelmente endividado, o patrão, a título de caução da dívida, apossava-se da mulher. Um detalhe: a maioria dos seringueiros era de solteiros e viúvos. Portanto, não faltava pretendente para disputar a viúva. Porém, para tal, havia de sanar todo o débito do falecido.

Na estrutura do seringal observava-se dois grupos, de uma certa forma, unidos pelo objetivo do ganho industrial e comercial: o do patrão e o do seringueiro.

Aquele, situado numa exata sucessão hierárquica, era seguido pelos seus auxiliares diretos, formados pelo gerente, o guarda-livro e ainda os canoeiros e os mariscadores (ou pescadores).

O seringueiro era o homem que já chegava ao seringal com a esperança de retornar rico à sua terra natal. Isto realmente aconteceu, a começar pelo primeiro colonizador do Acre, João Gabriel de Carvalho e Melo, que saiu do Ceará, mais precisamente da serra de Uruburetama em 1854, deixando mulher e uma recém-nascida, para somente retornar em junho de 1876 e assistir ao casamento da filha, agora afortunado e com novos horizontes para conquistar aquela área da Amazônia. Outros, porém, viam-se perdidos ante as intempéries e os percalços da vida que levavam, a exemplos dos Chicos Bentos, seus Trindades, Toinhos e Manés Lopes.

E assim segue a humanidade nos seringais do Acre, pela força motriz humana a fabricar borracha, levando, porém, no peito e na alma, o pensamento naquela que também despertava cobiça em razão de instintos sexuais reprimidos. E ali enraizavam-se.

Mas o desejo de obter o mínimo de saldo pode-se dizer que era imenso, difícil, porém, não impossível.


Leia também


* José Augusto de Castro e Costa é poeta e cronista acreano. Reside em Brasília e escreve o blog FELICIDACRE.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

QUE VERDADES? QUE HISTÓRIA?

Marcos Vinícius Neves


Não deixa de ser uma interessante coincidência o fato de ter sido instalada a polêmica e aguardada Comissão da Verdade no mesmo ano em que o Acre completa 50 anos como Estado. Mas o que isso significará na prática? Eis o que teremos que descobrir...


O ano era 1962 e o Acre vivia um momento muito especial da sua história. Depois de uma longuíssima espera, 58 anos para ser preciso, os acreanos pela primeira vez poderiam eleger seu governador e deputados estaduais. Era o velho sonho da autonomia política que enfim se tornava realidade.

Aconteceu então uma épica e surpreendente campanha política que resultou na eleição do jovem acreano de Cruzeiro do Sul, José Augusto de Araujo que derrotou um dos maiores líderes políticos da história acreana: Guiomard Santos, exatamente o autor da lei que transformou o Território em Estado. Um episódio que ainda não foi devidamente compreendido pela história e que precisa, um dia desses, ser objeto de profunda pesquisa, já que sobre ele circulam diversas versões contraditórias.

O certo é que o mês de março de 1963 assistiu a posse do governador José Augusto e dos deputados constituintes que teriam a missão de escrever e aprovar a primeira constituição estadual no prazo de cem dias, sob pena de o Acre ser obrigado a adotar a Constituição do Amazonas.
Governador José Augusto discursando para a população,
em frente ao palácio Rio Branco, no dia de sua posse, 01 de março de 1963.
Entretanto, pouco mais de um ano depois do início desta nova etapa da história acreana, no malfadado dia 1º de abril (travestido de 31 de março), foi instituída no Brasil a Ditadura Militar. Era o início do fim da tão sonhada autonomia acreana novamente.

Pouco tempo depois a cena que se viu nas ruas do centro de Rio Branco era quase inacreditável. As tropas do Exército, comandadas pelo Capitão Edgar Cerqueira, cercaram o Palácio Rio Branco, então protegido pela mal armada e pouco treinada Guarda Territorial, para exigir a renuncia do Governador José Augusto.

Segundo contou meu grande amigo Rivaldo Guimarães para a Dra. Nazaré Araujo, filha de José Augusto, ele era então um dos soldados que participavam do cerco ao Palácio já que estava, na época, cumprindo o serviço militar obrigatório. E tremia mais que vara verde diante da possibilidade de ser obrigado a atacar o palácio e ter que atirar em pessoas que eram suas amigas, acreanos como ele, que não tinham nada a ver com aquela história toda. E quanto mais passava o tempo sem que surgisse uma solução negociada, mais a tensão e o medo de que o pior pudesse acontecer aumentava.

Segundo me contou D. Maria Lucia de Araujo, dentro do Palácio a situação não era menos dramática. Ela, pessoalmente, era contra a assinatura da carta de renuncia naquelas condições, o Bispo aconselhava que seria melhor assinar do que provocar um banho de sangue. Os assessores do governador também se dividiam em suas opiniões. Até que, sob intensa pressão, o Governador José Augusto aceitou assinar a carta renunciando ao Governo do Acre para evitar que sangue inocente fosse derramado inutilmente, porque não haveria mesmo como resistir às tropas federais indefinidamente. E José Augusto de Araujo, que sempre assinava seu nome por extenso em todos os documentos, desta vez assinou J.A., como quem diz: eu assino, mas esse na verdade não sou eu...

No dia seguinte, a Assembléia Legislativa, também sitiada, aprovava o nome do capitão Cerqueira como novo Governador do Acre. E até hoje ninguém sabe ao certo o que motivou mesmo todos estes acontecimentos. O fato de José Augusto ser do mesmo partido do Presidente João Goulart recém deposto e com ele compartilhar idéias progressistas? O fato de sofrer forte oposição no interior de seu próprio partido, o PTB? Ninguém sabe nem mesmo se foi a Ditadura que ordenou aquela renuncia forçada, ou se foi uma iniciativa do próprio Capitão Cerqueira, estimulado por políticos que eram contrários à José Augusto, numa trama sórdida e obscura até hoje velada por todos os que dela participaram.

O que se sabe com certeza é que ao invés deste ter sido o fim de um dos mais tristes episódios da historia acreana, significou na verdade o inicio do suplício à que o ex-governador foi submetido.

Foram longos seis anos de perseguição de José Augusto e seus familiares, de internações forçadas, num tipo de cárcere disfarçado, em hospitais que não ofereciam a menor condição de atender os sérios problemas cardíacos que ele tinha e que haviam sido muito agravados desde os duros episódios de 1964. Até que em 1971, em meio à profunda depressão e dificuldades de toda sorte, seu coração não mais aguentou tanto sofrimento e deixou de bater definitivamente...

Trágica ironia... Justamente o primeiro governador do Acre, que incorporou toda a esperança e anseios democráticos de uma sociedade secularmente renegada por seu país, foi sem ter sido. Porque aparentemente nada sofreu por parte da Ditadura. Ele não foi cassado oficialmente, renunciou. Ele não foi assassinado diretamente... foi sendo morto aos poucos... até não mais suportar e morrer de causa natural!

Este é o tipo de verdade com que a Comissão da Verdade terá que lidar... Aquelas verdades que não constam de documentos, que foi escamoteada, disfarçada, distorcida até parecer ser o que não foi... Entretanto, são essas verdades, ainda mais subterrâneas e obscuras que os malfadados porões da Ditadura, que ainda vivem dentro de milhares de vitimas diretas e indiretas dos anos de chumbo e que estão a clamar por justiça histórica... ao menos.

sábado, 19 de maio de 2012

MISCELÂNEA MUSICAL

A VOZ DOS BOSQUES, CAPOEIRAS E FLORESTAS
Luiz Felipe Jardim*

A VOZ DAS SELVAS
 Foto: Gleilson Miranda / SECOM
Quando a Rádio Difusora Acreana foi criada em 1944, 22 anos após a primeira audição pública de rádio no Brasil, havia no Território do Acre pouquíssimos aparelhos receptores para sintonizar as ondas sonoras da nova emissora.

Os receptores de então eram compostos de válvulas enormes, de complexos mecanismos que os fazia muito caros e os tornavam muito grandes e de difícil portabilidade.

Além disso - ou exatamente por isso - o Brasil estava em guerra contra o Eixo, e os cintos da economia estavam fortemente apertados para o livre consumo.

Apesar de tudo, a ZYD9 RDA é inaugurada com bastante expectativa, e efusivas comemorações.

Com sua programação inicialmente inspirada na Rádio Nacional e em congêneres de grande alcance territorial, a Rádio Difusora Acreana vai aos poucos delineando suas identidades, criando hábitos entre os ouvintes, sintonizando-se com seu público, influenciando o comportamento social, enfim, difundindo cultura internacional, nacional e influenciando e estimulando a produção e difusão de culturas acreanas.

Em 1948, é inventado o transistor, o que provocará, rapidamente, grandes revoluções no universo das comunicações via rádio.

O tamanho do rádio receptor, p ex. que era o de um móvel mediano, chegou a um diminuto quase que de bolso logo 4 anos depois.

E o seu preço caiu em proporções quase iguais o que ampliou a popularização do rádio em áreas como as da Amazônia, onde a presença da Televisão ainda inexistia e inexistiria ainda por longo tempo.

Nesse mesmo espaço físico e sonoro, onde a Voz das Selvas nascia, crescia e aparecia, paralelamente surgia, aparecia e crescia um cinturão que passará a existir em torno de Rio Branco e ao qual chamaremos de Colônias.

São Francisco, Aquiles Peret, Cinco Mil, etc., são unidades rurais de produção, que passarão a abastecer Rio Branco de verduras, frutas, leite, carne, aves etc. Mas não só disso.

Sua população, composta na sua maioria, assim como os seringais, de pessoas do Nordeste brasileiro ou de seus descendentes, passará desde logo a ter presença marcante na composição das paisagens culturais das cidades, do Território e do Estado.

Tendo à sua disponibilidade o rádio como uma ferramenta de diálogo tanto com as cidades, como com os seringais, além de consigo mesmos, os 'colonheiros' utilizarão de maneira bastante ágil este recurso e passarão, pouco a pouco, a interferir nas feições dos programas da Rádio.

Ademais, as colônias se constituirão em pólos de interseção entre a cidade e o seringal, o que ampliará sua importância neste cenário de trocas entre essas diversas culturas em permanente movimento.

NOVAS ONDAS

Quando, em fins dos anos 60, o programa radiofônico Miscelânea Musical vai ao ar pela primeira vez, a RDA já não está sozinha no espaço sonoro das suas selvas.

Em 1966 entrara nos ares e lares acreanos, na faixa de 1350 khs, as ondas da Rádio Novo Andirá, 'uma iniciativa Vanderlei Dantas'. Iniciativa de cunho particular (ou quase...).

As feições de sua programação já estavam quase que definidas pelas feições pioneiras traçadas pela RDA, mas isso não impede a construção de particularidades, de singularidades que passam a caracterizar a nova emissora.

Apesar da natural competitividade, entre as 'co-irmãs' haverá muito mais sintonia, complementaridade, mescla de tendências e modelos de 'fazer rádio', do que antagonismos ou divergências de raiz.

Ambas as rádios, impregnadas das feições sociais locais e nacionais, dirigiam suas programações para o mesmo público. Por isso tinham programas muito parecidos.

Por este momento, segunda metade dos anos 60, a presença e a importância da Jovem Guarda no cenário nacional refletia-se também, no Estado do Acre.

Atraindo para si quase todas as tendências sociais identificadas com 'o novo', com as 'novidades' que as sociedades encontram e oferecem para as convivências entre as pessoas, a JG (mesmo que na falta de outros movimentos mais adequados a determinadas tendências e segmentos mais ‘avançados’) atuava como um símbolo que alimentava e impulsionava mudanças nos mais diversos aspectos e setores da vida social, como no falar, por ex. que sofria suas influências com o uso de novas gírias. Ou ainda, com o uso da minissaia, dançar ‘solto’ etc.

Ambas as Rádios tinham programas voltados para este público, e desfilavam nestes programas as músicas, de Deni e Dino, The Clevers, Martinha, Wanderléia, Roberto Carlos etc, que eram igualmente tocadas e entoadas por conjuntos musicais nos bailes dos clubes; em vitrolas nas festinhas das casas dos jovens; com violões nas serenatas das madrugadas; à capella nos recreios e festividades escolares, etc.

Ou seja, 'minissaia', 'gíria', e tudo o que estas coisas e congêneres pudessem representar, estavam profundamente encravadas no ‘universo de vontades' no 'nervo coletivo' de parcela significativa da sociedade acreana daquele momento, notadamente de setores urbanos que emergiam numa sociedade de economia de base extrativista em vias de substituição pela agropecuária.

Por outro lado, os programas destinados mais ao mundo rural, às nossas colônias e seringais, haviam ganhado muito espaço e força.

Além daqueles primeiros programas das 5 horas da manhã, quando as músicas executadas eram quase que exclusivamente 'sertanejas' (Luiz Gonzaga, Marinês, Teixeirinha, Barnabé, etc.), os programas do início da tarde também tinham seus alto-falantes voltados para os povos das Colônias e Seringais. Estes eram os programas de Mensagens, (“alô, alô colocação vai quem quer...”) que tinham como público alvo basicamente este segmento da população radiouvinte - e os programas de 'Melodias' (“os passarinhos amanheceram cantando mais alegremente...”) onde este mesmo segmento, embora mesclasse suas dedicatórias com razoável público da cidade, detinha a maioria das 'oferendas de melodias'.

Os programas de humor, assim como os de esportes, uniam estas duas grandes parcelas de radiouvintes. Zé Vasconcelos, Zé Trindade, Vitório e Marieta, Burraldo e, especialmente, Coroné Ludugero e Barnabé, davam o ar de sua graça, geralmente à noite (antes das piscadas de luz que avisavam que em 15 minutos a Usina pararia de funcionar), impregnando a atmosfera sonora de expressões, bordões, piadas que seriam igualmente reproduzidas ad nauseum por toda a cidade e que contribuiriam, com o tempo, para o surgimento de expressões regionais como o nosso ‘marrapá’.

A poesia produz no ser humano um tipo de sensibilização que lhe desperta a imaginação. A Rádio faz a mesma coisa só que em sentido inverso: estimula a imaginação humana que criará uma sensibilidade correspondente. Cada mensagem sonora se converterá em imagem pensada ou inconsciente e, sobretudo, após natural seleção, se fixará na sensibilidade do ouvinte.

A imaginação produzida naqueles anos por esses programas de humor irá marcar profundamente a sensibilidade dos povos dessas florestas.

MISCELÂNEA SONORA

Desde sua estréia na Rádio Novo Andirá, o programa Miscelânea Musical, fará convergir para si atenções de ampla camada das populações das cidades, colônias e seringais. Acertando em cheio na interpretação das vontades e expectativas que tinham os radiouvintes, J Conde imerge na sensibilidade acreana combinando os elementos fundamentais destes quatro tipos de programas: as ‘novidades ‘ como um linguajar mais ‘solto’ e ágil sugerido pela Jovem Guarda; o ‘noticiário’ breve, simultaneamente íntimo e público, natural das ‘mensagens’; um rítmo semelhante aos programas das 5 da manhã, que estão sempre a ‘despertar’ o ouvinte , e a alegria dos programas humorísticos.

Com esse arsenal harmonioso, J Conde levava ao seu público, além da música, do entretenimento, aspectos pouco visíveis das feições espirituais destes mesmos ouvintes quando lhes apresentava, como que num espelho sonoro, as fisionomias dos seus diversos ‘parentes’ brasileiros, do nordeste ao sul, do centro ao oeste. Por isso o programa esteve 30 anos no ar. E muito mais anos ainda teria se J Conde, o “Criatura de Deus”, aqui estivesse, vivo e ativo.

Certa vez o escritor Monteiro Lobato disse que seu programa da Rádio Nacional em fins dos anos 40, que nasceu com enorme esperança de vida, teve curtíssima duração porque o programa não se repetia, era novo e diferente a cada dia. Acho que Monteiro Lobato tinha razão.

Assim como o caminhante de longa caminhada prefere estar sobre terreno conhecido, contínuo, o radiouvinte quer ‘estar e caminhar por entre paisagens’ conhecidas, contínuas, íntimas como uma visita que muito nos compraz com sua simples e envolvente presença.

Como o programa de Monteiro Lobato, o programa Miscelânea Musical era um novo programa a cada domingo. Mas era um ‘novo’ de maneira diferente, mais ou menos assim como somos nós: os mesmos de tempos atrás, mas diferentes de quando lá atrás no tempo. Os mesmos de quando crianças, mas muito diferentes de quando crianças.

Por isso o ouvinte do programa tinha a sensação de estar sempre num espaço conhecido, íntimo, com aquela mesma pessoa que o visitava sempre aos domingos. Sempre a continuar o que haviam começado a domingos e domingos... A ‘história do Homem do Cavalo’, contada por Gilvan Chaves, e apresentada, a partir de certo momento do programa, em TODOS os domingos, ilustra bem a presença íntima que o ouvinte solicitava e mesmo exigia.

Outro aspecto interessante do Miscelânea, é o do talento que tinha seu locutor de combinar as alternâncias de momentos alegres e muito alegres, com momentos de tensão ou mesmo tristeza. Essa percepção nasce, creio eu, de uma observação intuitiva da dinâmica circense.

O bom Circo é aquele que consegue combinar de forma harmônica os estados de alegria, tensão, tristeza de seu expectador. Assim é que após a apresentação do equilibrista p. ex, surgem os palhaços para aliviar as tensões por aquele provocadas. Em seguida pode vir o domador de feras ou os trapezistas, que serão novamente seguidos por palhaços e palhaçadas para que o expectador não seja sobrecarregado de níveis de tensões indesejados.

J Conde fazia magistralmente alternâncias dessa natureza, quando, p ex., mesclava blocos de músicas tristes com a uma locução mais exageradamente alegre e com a utilização de um de seus humorados bordões como o que dizia que o ouvinte estava ‘com o rádio todo atolado no ouvido’. Essa ‘dinâmica circense’ lhe aproxima (guardadas todas a enormes diferenças e distâncias) do espírito dos programas do Chacrinha, tanto da TV como do Rádio.

Assim como o Circo e também como o Chacrinha, J Conde atraia e aproximava as diferentes tendências sociais, tanto urbanas como rurais; tanto políticas como culturais. Num clima de alegria e quase festa, mesclada com tensões, em doses razoáveis, ambos os programas resgatavam (como já disse, guardadas as enormes diferenças e incontáveis particularidades), a figura de um Velho que, extravagantemente, promove alegrias junto ao povo, surgido em Espanha e Portugal ainda na Idade Média, e que ainda sobrevive, com diversas facetas e atualizações tanto na Península Ibérica quanto em várias regiões do Brasil e América Latina. Aqui no Acre, (tirante o Rei Momo), não tivemos essa figura muito bem caracterizada como no Chacrinha, p ex. Mas o programa Miscelânea Musical e J Conde, cumprem em parte essa missão.

Outra característica do Miscelânea é a de seu cosmopolitismo. O programa levava o ouvinte a passear pelos vários espaços culturais brasileiros quase que sem perceber as radicais mudanças de paisagens. Assim o ouvinte ia do nordestino Luiz Gonzaga ao Teixeirinha, do Rio Grande do Sul; do caipira/suburbano Barnabé, ao suburbano/quase caipira Waldick Soriano. Sempre com a intimidade dos muito próximos, com a naturalidade de quem transita entre comadres, com a confiança de quem se movimenta entre iguais.

Por fim, Miscelânea Musical ampliou a participação dos ‘povos dos bosques, capoeiras e florestas’; dos bairros, colônias e seringais, no cenário cultural acreano. Ao vivo e nas cores da imaginação, levou ao ar com a força viva de suas presenças a voz do ‘colonheiro’, do barranqueiro, do seringueiro. Aqueles mesmos que, nos idos anos 40 e 50 ouviam distante o troar da Voz das Selvas nos seus espaços sonoros. Curiosos, foram se aproximando, se aproximando... Agora iam à rádio, e do Miscelânea Musical, faziam ecoar nas selvas, próximas e distantes, a sua voz, multicolorida e forte, já que esta tinha as cores que lhe dava quem a ouvia; a fisionomia que lhe dava quem a imaginava; a emoção e a força de quem a sentia...



* Luiz Felipe Jardim é advogado, professor de História, músico e compositor acreano.