quarta-feira, 22 de abril de 2020

4 e 5 de abril. 2020

João de Jesus Paes Loureiro
Foto: Valmir Lima

Eu olho da janela e vejo o entardecer.
As mangueiras abarrotadas de garças.
E penso nestes dias
                                     E penso nestes dias.
Ah! Esse fardo de tristeza
curvando o ombro das horas.
Lamentações desgrenhadas
ecoam do beco das almas.
A manada dos carros
em fúria vai mugindo pelas ruas.
E retorna o silêncio,
essa esfinge indecifrável do medo.
As angústias espreitam das janelas.
Os presságios confabulam nas esquinas.
As palavras de amor
                                                engaioladas
no silêncio da voz, sangram suas asas
nos espinhos da flor da liberdade.
Quem diria que a Barca de Caronte,
a transportar a morte à outra margem,
teria agora novo comandante.
O rumor seco do medo rasga lento
o aveludado silêncio do crepúsculo.
Um belo rosto de mulher passa e sorri
talvez na direção de um nunca mais.
No tempo sem poesia
                    morrem sem ar as palavras sufocadas.
No rio ao longe a lua antiga
afoga-se encenando a terna Ofélia.
A brasa das estrelas apaga
                                                           esfria.
Em noites como esta
apenas o luar é o manto que recobre
tantos meninos e meninas de rua.
Há um cão sem dono a farejar o lixo.
O solitário bêbado cambaleia
                     a caminhar sem rumo feito o meu País.
O amor distante dói como um pecado.
Que mente humana será capaz de conceber
que algo pode ser maior que a vida?
Ah! Se eu pudesse ter um verso lâmina
capaz de degolar o preconceito.
Ah! Por que o poema não seria
para todos o pão de cada dia?
Ah! Por que os países do egoísmo
são insolventes com a democracia?
Passarinhos pousam nas plantas da janela.
A esperança tambatajá não morre nunca
pois vive a renascer e renascer.
                                                                 E renascer.
Eu fecho a janela e abro o celular.
Vejo Helena, minha neta e seu sorriso
no jardim de um ano e meio florescendo.
E no meu coração a brasa da esperança
torna-se chama,
                                            torna-se fogueira
de amor amor e amor por toda a humanidade
agora a renascer nessa criança.

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Poema publicado originalmente em: 

sábado, 18 de abril de 2020

FRANCIS NUNES

Compositora acreana nascida no município de Mâncio Lima, extremo ocidental do Acre e do Brasil. Seu pai conviveu por décadas com os índios Papavô, etnia dada como desaparecida e que era temida pelos genocidas a mando dos seringalistas. Cresceu aprendendo sobre as culturas indígenas do Juruá e participando das manifestações de Reisado, Marujada, Pastoril entre outras.
Com 20 anos de idade mudou-se para Rio Branco, onde por décadas foi pioneira nas produções artísticas tanto de sua obra musical quanto de parceiros como Helio Melo, Da Costa, Pedro Sabiá, Monteirinho, Maestro Sandoval, João do Bandolim e outros. Realizava eventos musicais com objetivo de caridade, no hospital psiquiátrico, colônias de hansenianos, orfanatos, atuou em escolas, compositora de mais de 4000 canções, dezenas de peças de teatro e artes híbridas autorais em forma de folguedo.
Na década de 1990 desenvolveu forte intercambio com o meio musical do Porto Alegre, RS, produzindo alguns álbuns e shows em parceria com Mary Terezinha, Teixeirinha Filho, e integrando Monteirinho e João do Bandolim com Renato Borghetti e Plauto Cruz.
Este álbum foi gravado no estúdio JRC em Porto Alegre, RS, foi co arranjado entre músicos acreanos e gaúchos, resultando nessa obra prima com as composições de Francis Nunes. Mesmo com alguns ritmos desconhecidos pelos sulistas, o resultado consegue demonstrar parte da linguagem da musica do Acre, e podemos desfrutar de uma boa mixagem feita para o vinil.
Sua música une poética e critica social sob o olhar da floresta, dos colonos e dos indígenas.
 

quarta-feira, 8 de abril de 2020

SANTA RAIMUNDA: ALMA DO BOM SUCESSO

Santa Raimunda, também chamada de “Alma do Bom Sucesso”, e ainda “Santa Raimunda do Bom Sucesso” é, na verdade, uma santa da devoção popular, considerada santa pelo povo da região do Rio Iaco, região seringueira do Acre e das vizinhanças do Peru e Bolívia.

Trata-se de uma região que faz parte do município acreano chamado Assis Brasil. É uma devoção que valoriza a mulher, vítima do machismo. Santa Raimunda ainda não é canonizada pela Igreja. Isso, porém, não impediu que um grande número de pessoas recebesse graças através de sua intercessão.
 
A vida de santidade

A história de Santa Raimunda é contada pelos habitantes do Seringal Cumaru, um seringal que fica dentro do município de Assis Brasil, no Estado amazônico do Acre. Segundo as narrativas, Santa Raimunda era uma mulher muito caridosa e simples, que faleceu sozinha de complicações no parto, ao pé de uma grande seringueira.

Ela estava acompanhando o marido, que era seringueiro e estava trabalhando num caminho de seringas. Raimunda já estava nos últimos dias de sua gravidez, com uma enorme barriga. Por isso, em determinado momento, ela não conseguiu mais acompanhar o marido. Este, irritado e bruto, a deixou ali sozinha. Alguns relatos afirmam que ele teria, inclusive, batido nela, antes de deixá-la. Então, sozinha ali, Santa Raimunda entrou em trabalho de parto e teve complicações sérias, que a levaram à morte.

Seu marido, estranhando a demora, voltou à procura de Raimunda e encontrou-a morta, no pé de uma grande seringueira. O filho, porém, sobreviveu e foi levado pelo pai. Conta-se que o marido chamou outros homens para que ajudassem a levar o corpo de sua esposa para sepultá-la na cidade. Porém, ele teria ficado tão pesado que não conseguiram tirá-lo dali.

Por isso, ela foi sepultada ali mesmo. Testemunhas contam que, no local onde Raimunda faleceu e foi sepultada, um perfume celestial nunca sentido na terra passou a ser sentido por todos os que chegavam ali. Assim começou a devoção a Santa Raimunda. E muitas pessoas receberam graças pedindo ajuda a ela.

Milagre de Santa Raimunda

Raimunda, na verdade, começou a ser chamada de “santa” depois de um fato extraordinário acontecido com um seringueiro. Este estava contaminado pela malária e não poderia tomar uma chuva fria na floresta. Mas o pobre não podia parar de trabalhar, sob o risco de ser mandado embora e perder o sustento de sua família. E, para piorar, começou a cair uma chuva torrencial.

O homem, então, pediu que Santa Raimunda lhe protegesse. Conta-se que a chuva não parou de cair, mas o seringueiro não se molhava e conseguiu trabalhar sem se molhar. O fato se espalhou e o povo começou a fazer promessas a Santa Raimunda. No local onde está o seu túmulo, foi construída uma capela.

Pessoas de várias regiões, inclusive Peru e Bolívia, fazem romarias e peregrinações até a capela, cumprindo promessas a Santa Raimunda. Hoje, a Capela de Santa Raimunda pertence à paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na cidade de Assis Brasil, no estado do Acre.

Relatos de quem conviveu com Santa Raimunda

Dom Júlio Mattioli, Administrador Apostólico da região de Assis Brasil nos anos de 1943, ouvindo a história de Santa Raimunda, recolheu relatos de pessoas que a conheceram ou tinham convivido com ela.

Antes de escrever os relatos das pessoas, Dom Júlio assim escreveu o que ouviu: “Em Bom Sucesso, colocação no Seringal Icuriã, não longe das cabeceiras do rio Xapuri existe uma sepultura muito visitada por devotos vindos todos os lugares trazendo suas promessas. Levantaram sobre a sepultura uma minúscula Capela de paxiúba (planta nativa), onde em 14 de dezembro de 1943 o Administrador Apostólico visitou e benzeu a mesma”.

O destino do filho

O Administrador Apostólico continua escrevendo: “O Sr. Mariano José dos Santos, seringueiro, morador na colocação do Benfica, Icuriã, Iaco, conheceu Raimunda Moreno da Silva, a alma do Bom Sucesso; casou no rio Caeté, nas passagens de Mons. Leite, em 1901. Foi para Icuriã com seu marido João Moreno, seringueiro, o qual está agora no rio Caeté. Afirma ter sido a referida Senhora muito boa ‘ofendendo apenas a comida que comia’. Morreu de parto em 1909. A criancinha foi levada por parentes ao Ceará”.

Narração de mulher que conheceu Raimunda

Veja o testemunho de dona Beatriz Sena Araújo, também recolhido e escrito por Dom Júlio Mattioli. Dom Júlio escreveu conservando o português simples de dona Beatriz: “Ela vinha muito cansada e o marido era muito ruim, passou e deixou-a para trás, sozinha, com a carga e com o ‘buchão’. Aí ela cansou e ficou sentada neste canto. Acho que quando esfriou o corpo, o cansaço foi demais até o ponto que ela não resistiu e morreu. Aí ele ficou esperando ela, e quando chegou na frente onde tinha gente, ali ficou e ela não chegou. Ele voltou, e quando chegou no local onde ela estava a encontrou já morta. Aí uns falam que pelejou para conseguir tirar ela do canto e não conseguiram tirar, e então ali mesmo cavaram o buraco e enterraram ela”.

Sobre o perfume no local da morte

Dom Júlio também escreveu sobre o fenômeno do perfume que se percebia no local onde Santa Raimunda foi sepultada. Ele dizia que a área de terra que o corpo de Santa Raimunda ocupou era “um lugar diferente”. Segundo seus escritos, naquele exato local sentia-se um aroma tão bom e diferente “que aqui na terra não tinha aquele perfume”. Estas citações foram tiradas do livro chamado: História da Diocese de Rio Branco, cujo autor é o bispo chamado Dom Joaquín Pertiñez.
 
Túmulo de Santa Raimunda. Foto: Juan Diaz
Devoção a Santa Raimunda

O dia de comemoração de Santa Raimunda é o dia 15 de agosto, dia em que ela faleceu, no ano de 1910. A história de Santa Raimunda é um apelo contra a violência. A violência contra a mulher. É extraordinário que em 1910, quando o Estado do Acre era muito pouco habitado, sua história tenha se espalhado no meio da floresta e conquistado milhares de fiéis desde a época de sua morte.
Imagem de Santa Raimunda. Foto: Juan Diaz