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segunda-feira, 27 de abril de 2015

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A PROSTITUIÇÃO NO PRESENTE E NO FUTURO (1892)

Georg Simmel (1858-1918)
Friné o Trata de Blancas – Débora Arango (1907-2005)

A indignação moral que a “boa sociedade” manifesta em relação à prostituição é, sob muitos aspectos, matéria de ceticismo. Como se a prostituição não fosse a consequência inevitável de um estado de coisas que essa “boa sociedade”, justamente, impõe ao conjunto da população! Como se fosse a vontade absolutamente livre das mulheres prostituir-se, como se fosse uma diversão para elas! Claro, entre a primeira vez em que o infortúnio, a solidão sem recursos, a ausência de alguma educação moral, ou ainda o mau exemplo do ambiente incitam uma moça a se oferecer por dinheiro e, por outro lado, a indescritível miséria em que, de ordinário, sua carreira se encerra, claro, entre esses dois extremos, existe na maior parte do tempo um período de prazer e despreocupação. Mas a que preço e quão breve! Nada mais falso do que chamar de “garotas de vida alegre”, essas infelizes criaturas e entender por aí que elas vivem efetivamente para a alegria: talvez para a alegria alheia, mas não decerto para a delas. Ou acaso se estima que seja uma delícia, noite após noite, em qualquer tempo – calor, chuva ou frio –, bater pernas pelas ruas para oferecer uma presa e servir de mecanismo ejaculatório ao primeiro indivíduo que aparecer, por mais repugnante que seja? Acaso se crê realmente que tal vida, ameaçada de um lado pelas doenças mais infectas, de outro pela miséria e pela fome, e em terceiro lugar pela polícia, acaso se crê que essa vida possa mesmo ser escolhida com esse livre-arbítrio que seria a única coisa a justificar, em contrapartida, a indignação moral? Sem dúvida, a prostituição superior, fora do controle, se vê melhor aquinhoada por mais tempo. Se a mulher for bonita e conhecer um pouco a arte da recusa, se ademais fizer teatro, então pode escolher os candidatos e mesmo as pulseiras brilhantes. À parte o fato de que a queda é, de ordinário, mais grave quando a interessada não tem mais à sua disposição os encantos que lhe permitiam comprar a vida in dulci jubilo, a sociedade se mostra curiosamente muito mais indulgente para com essa prostituição mais refinada (por certo capaz de se arranjar globalmente bem melhor do que a prostituição de rua e de bordel) do que para com a prostituição de nível baixo, a qual, no entanto – supondo-se que haja pecado nisso –, é muito mais sancionada pela miséria de sua existência do que a primeira. A atriz, que nada tem de mais moral do que a mulher de rua e, talvez, até se revele bem mais calculista e vampiresca, é recebida nos salões de que a prostituta de calçada seria expulsa por cães. As pessoas felizes, de fato, sempre têm razão, e a lei tão cruel que quer que se dê a quem possui e que se tome de quem nada tem não conhece executora mais severa do que a “boa sociedade”. Esta, que em toda parte só enforca os ladrõezinhos, também só despeja toda a sua indignação virtuosa sobre pobres mulheres de rua, mostrando pudor apenas em função da condição melhor ou pior das prostitutas. Isso porque a sociedade vê no infeliz seu inimigo – e não está errada nisso. Porque esse infeliz, o indivíduo desfavorecido por sua culpa ou não, sobre o qual pesa um juízo de exclusão equitativo ou não, será responsabilizado pela coletividade por não ter obtido melhor posição em seu seio. Ele a detestará, e ela o detestará em troca, lançando-o mais abaixo ainda. Do mesmo modo que o feliz possuidor recebe em acréscimo, além dos benefícios diretos da sua situação, um prêmio de felicidade devido ao fato de a sociedade respeitá-lo, elevá-lo ao pináculo e conceder-lhe por toda parte a prioridade, também o infeliz será, em acréscimo, punido por sua desgraça, porque a sociedade trata-o como seu inimigo nato. Pode-se observar todos os dias que o abastado escorraça o mendigo com cólera, como se fosse um erro moral ser pobre, como se isso justificasse, pois, a indignação virtuosa. Neste caso, como é frequente, a má consciência que o rico sete face ao pobre esconde-se atrás da máscara de uma legitimidade moral de maneira tão contínua, com pseudo-razões tão peremptórias, que a própria vítima acaba acreditando. A diferença que a sociedade estabelece assim no juízo e no tratamento que reserva à prostituição elegante e à prostituição miserável é um dos exemplos mais esclarecedores, ou mais tenebrosos, da equidade dessa sociedade, que torna o desgraçado, cada vez mais desgraçado, perseguindo-o por causa de sua desgraça, como se se tratasse de algum pecado cometido contra ela. Talvez o faça por uma obscura antecipação, a saber: ele poderia ter a forte tentação de cometer, de fato, um pecado contra ela.


SIMMEL, Georg. Filosofia do Amor. Tradução Luís Eduardo de Lima Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.1-4