domingo, 31 de março de 2013

PÁSCOA NA REDE JESUS

Clodomir Monteiro


Páscoa que nada no corpo
alma danada de porto
presa na água conforto
espuma olho de morto

Páscoa com tudo de horto
calma aninhada do torto
na granja seca ovo afoito
espinha em sesta absorto

Páscoa que nada na alma
pesca da paz como acalma
leva na mão gema apalma
espinho em sexta que salva

Páscoa que sobe da cruz
convida peixe conduz
cravada mão palma luz
Páscoa na rede Jesus

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Pai pesca o dor
 de alegoria 
em páscoa viva
 com alegria

Clodomir Monteiro
27.03.13

Abraão, subo o monte
sei mais vejo o que sou
sou o amor em poema
muda cor não teus olhos
mudo encontro o mesmo
se poupares sou filho

sábado, 30 de março de 2013

MEU DEUS, FERIDO ESTOU...

Verlaine


Meu Deus, ferido estou de teu amor
E o ferimento ainda em mim palpita,
Meu Deus, ferido estou de teu amor.

Meu Deus, temor de ti me derrubou
E a queimadura ainda me crucia
Meu Deus, temor de ti me derrubou.

Meu Deus, eu soube enfim que tudo é vil
E vossa glória em mim já se instalou,
Meu Deus, eu soube enfim que tudo é vil.

Afogai-me a alma em mar de vosso vinho,
Fundi-me a vida e o Pão de vossa mesa,
Afogai-me a alma em mar de vosso vinho.

Eis meu sangue que não se derramou,
Eis minha carne indigna de tormento,
Eis meu sangue que não se derramou.

Eis minha fronte que é toda rubor,
Para escabelo destes vossos pés,
Eis minha fronte que é toda rubor.

Eis meu braço que nunca trabalhou
Para o ardente carvão e o incenso raro,
Eis meu braço que nunca trabalhou.

Eis o meu coração pulsando embalde
Para bater nas sarças do Calvário
Eis o meu coração pulsando embalde.

Eis os meus pés, errantes e ociosos,
Para acorrer à voz de vossa Graça,
Eis os meus pés, errantes e ociosos.

Eis minha voz, rumor áspero e falso,
Para os opróbios do arrependimento
Eis minha voz, rumor áspero e falso.

Eis meus olhos, acesas tochas do erro,
Para morrerem aos choros da prece,
Eis meus olhos, acesas tochas do erro.

Olhai, Deus de oferenda e Piedade,
Este poço de muita ingratidão,
Olhai, Deus de oferenda e Piedade.

Deus de terror e Deus de Santidade,
Olhai o negro abismo de meu crime,
Deus de terror e Deus de Santidade.

Vós, Deus de paz, de júbilo e ventura
Os meus temores, minhas ignorâncias,
Vós, Deus de paz, de júbilo e ventura.

Vós conheceis tudo isto certamente
Mais que ninguém em pobreza pereço,
Vós conheceis tudo isto certamente.

Mas, meu Deus, o que eu tenho eu te ofereço.


VERLAINE, Paul Marie. Poemas. (Trad. Jamil Almansur Haddad). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. p.183-184

sexta-feira, 29 de março de 2013

CRISTO CRUCIFICADO DE SALVADOR DALI


De nota particular é a impressionante capacidade atlética com que o Salvador crucificado está representado. Até mesmo os buracos de pregos nas palmas das mãos e dos pés não estão presentes, é como Salvador mostra-nos a sua redenção perfeita. A cruz em si, um cubo octaédrica de oito faces, representa a reflexão teórica de um possível mundo separado 4-dimensional. O fascínio de Dalí com a matemática é incorporada ao seu retorno à sua fé Católica na vida adulta. Esta união representa a afirmação de Dalí de que podem coexistir os dois mundos aparentemente diametralmente oposto de fé e ciência. Com seis pés de altura, este quadro pode ser considerada uma das 18 Obras-primas, assim chamado pelo Sr. Reynolds Morse. Gala, Dalí olha a crucificação como uma testemunha reverente, envolto em vestes brancas e douradas, de pé sobre um grande tabuleiro de xadrez, enquanto o contorno familiar das montanhas da Catalunha aparecem na distância. // Nota do blog Artegnose.

PELADAS

Armando Nogueira 


Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto. 

E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: "eu jogo na linha! eu sou o Lula!; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe." Uma gritaria, todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha. 

Oito de cada lado e, para não confundir, um time fica como está; o outro jogo sem camisa. 

Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula. 

Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho. 

Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: "Copa Rio-Oficial", "FIFA - Especial." Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!) jamais seria barrada em recepção do Itamarati. 

No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha. 

Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona, que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.

Nova saída. 

Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas. 

O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar.

Em cada gomo o coração de uma criança. 


Texto postado no site RELEITURAS, que extraiu do livro "Os melhores da crônica brasileira", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1977, pág. 29.

quinta-feira, 28 de março de 2013

CARTAS CAÍDAS

Walt Whitman 


E digo à humanidade: - não sejas curiosa sobre Deus,
pois eu que sou curioso sobre todas as coisas de Deus não sou curioso.
(Não há palavras que logrem dizer quanto me sinto em paz
perante Deus e a morte.)

Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora não entenda
Deus nem um pouquinho,
assim como não entendo que possa alguém ser mais maravilhoso do que eu.

Por que deveria eu querer ver Deus melhor do que neste dia?
Eu vejo algo de Deus a cada uma das vinte e quatro horas,
e a cada momento delas,
nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus, e no meu
próprio rosto pelo espelho,
acho cartas de Deus caídas pela rua e todas assinadas com o nome de Deus,
e as deixo onde elas estão, pois sei que aonde quer que eu vá
outras hão de chegar pontualmente sempre e por todo o sempre.


WHITMAN, Walt. Folhas de relva. (trad. Geir Campos). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964). p.36  // * Título dado por mim. Não consta no original.