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O universo descrito por Nelson Rodrigues criou vertentes. Deturpado, maldito, tarado, doente mental, classifiquem-no como quiserem, o homem Nelson não deixou barato e continuou sua tara de escrever a vida como ela é. Sofreu críticas, é verdade. Sua alma suja, como diziam os puristas da literatura e do cinema, não foi afetada. Sua obra está aí provando que a sujeira está na mente humana e no ambiente em que ela se desenvolve. Pecaminoso é não dizer dela. Não retratá-la, aliás, é crime!
Pois bem, não entrando no mérito do enredo dos seus trabalhos, que são muitos e por demais conhecidos, quero dizer de uma história de realidade cortante e cruel, dada e passada numa cidade baiana que, em muito pouco, difere da realidade de qualquer outra cidade brasileira tida e reconhecida violenta, tal como o Rio de Janeiro, que serviu de nascimento e berço da obra de Nelson.
Vamos lá?
Rosita é uma boa moça. Ponto parágrafo.
Filha de gente pobre com gente ruim. Ponto continuando. A mais nova de onze irmãos e também a mais bonita. Linda! Ponto de exclamação.
Vítima da fome que dói e corrói as entranhas, aos treze anos, foi passada de mão beijada pelo pai para um caixeiro viajante, nascido e corrompido na baixada fluminense, terra de bicheiros que ainda transitam alegremente por aí. Deivide, era seu nome. Tinha sessenta anos e um marca-passo incrustado no peito doente de doente machista. Orgulhava-se de ser afilhado de um Capo do Jogo do Bicho e benemérito de uma escola de samba de muitas premiações. Pensem num cara mentiroso! Pensaram? Multipliquem por dez!
Nas rodas de amigos bebedores de cerveja e uísque falsificado, dizia Deivide que Rosita tinha um botão de flor apertadinho e peitinhos naturais de bicos durinhos e no formato do morro do Pão de Açúcar. - É mole? – perguntava aos imbecilizados expectadores baianos que lhe serviam de baba-ovos.
Porém, sempre existe na vida um porém, além de cardíaco, Deivide era diabético sem freios. E falava para a curriola:
- Não sintam inveja de mim. Joãosinho Trinta, meu grande amigo, já dizia que, pela lei do mundo capitalista ou não, quem gosta de miséria é intelectual, verdade? Fiz da Rosita uma “leide”, moçada! Da miséria ao caviar, entendem? Uma surra todo dia e ela bate o ponto, sempre fogosa e radiante para lamber meu agigantado membro. A diaba tem uma garganta profunda e gulosa. Se a surra for pequena, lá se vem uma merda de lambidinha sem graça! Se grande, o mundo pega fogo! Meu gozo demora até ficar de língua para fora e com o corpo em picadinho. E sabem o que ela quer de mim?
Ninguém se arriscava a dizer nada. Bastava ouvir. Deivide não era homem de esperar resposta de gente que não sabia o que era ser carioca da gema, afilhado de bicheiro famoso, amigo do carnavalesco Joãosinho Trinta, de saudosa memória e dono de Rosita, uma baiana de botão de rosa apertado e peitinhos duros, com o formato do Pão de Açúcar.
- Ela queria de mim um cachorro Poodle. Talvez para sentir-se uma madame. Somente isso! Dei ou não dei?
...
- Dei. Paguei cem conto de réis por um melequento de cruza duvidosa e, junto com uma flor de papoula, em papel de presente dourado, mandei pra diaba, antes de dar-lhe uma surra das boas. Um homem como eu não atira no escuro e nem gasta bala com gente incompetente. Depois disso, dessa acrobacia melosa, acreditem, a noite foi de orgia e de muita sacanagem. O meu “moleque” ficou esfoladão.
Esse foi o último encontro do nosso personagem canastrão com seus amigos da roda de cerveja e uísque falsificado.
Foi agora, depois do carnaval, que “Leide” Rosita tomou chá de sumiço. Ela e seu Poodle Bingo – o tomba-latas.
Em dezembro do ano passado, expulsos de casa, foram parar em um muquifo alugado por Deivide. E foi na cama simples desse muquifo que, em decúbito dorsal, ele foi encontrado em estado de decomposição. Não havia sinais de violência. Tudo indicava que a morte foi natural.
Na emissora de rádio local da cidade baiana, por toda a manhã, antes de concluída a investigação, os radialistas amigos de Deivide noticiaram aos brados:
MULHER MATOU O MARIDO E FUGIU COM O CACHORRO.
Rosita foi localizada em uma fazendola pelo irmão mais velho. Já prestou depoimento e jura inocência. A história contada por ela foi bem diferente e convenceu o delegado a mandá-la de volta para casa e esperar o resultado do processo em liberdade.
No seu relato, claro e lúcido, disse que Deivide a perseguia e queria, a todo custo, que ela não conversasse com ninguém, que não trabalhasse e não saísse de casa, nem que fosse para a igreja que costumava frequentar. E foi na quarta-feira de cinzas que, embriagado, entrou no muquifo para tomar satisfações por ela ter ido com uma amiga ver um bloco de sujo que passava na avenida. Disse que ele já entrou com um cinto nas mãos para açoitá-la. E foi então que, assustada, pulou a janela e sumiu com seu cachorro Bingo para a fazendola onde foi encontrada.
Assim é a vida. A vida como ela é...
O universo descrito por Nelson Rodrigues criou vertentes. Deturpado, maldito, tarado, doente mental, classifiquem-no como quiserem, o homem Nelson não deixou barato e continuou sua tara de escrever a vida como ela é. Sofreu críticas, é verdade. Sua alma suja, como diziam os puristas da literatura e do cinema, não foi afetada. Sua obra está aí provando que a sujeira está na mente humana e no ambiente em que ela se desenvolve. Pecaminoso é não dizer dela. Não retratá-la, aliás, é crime!
Pois bem, não entrando no mérito do enredo dos seus trabalhos, que são muitos e por demais conhecidos, quero dizer de uma história de realidade cortante e cruel, dada e passada numa cidade baiana que, em muito pouco, difere da realidade de qualquer outra cidade brasileira tida e reconhecida violenta, tal como o Rio de Janeiro, que serviu de nascimento e berço da obra de Nelson.
Vamos lá?
Rosita é uma boa moça. Ponto parágrafo.
Filha de gente pobre com gente ruim. Ponto continuando. A mais nova de onze irmãos e também a mais bonita. Linda! Ponto de exclamação.
Vítima da fome que dói e corrói as entranhas, aos treze anos, foi passada de mão beijada pelo pai para um caixeiro viajante, nascido e corrompido na baixada fluminense, terra de bicheiros que ainda transitam alegremente por aí. Deivide, era seu nome. Tinha sessenta anos e um marca-passo incrustado no peito doente de doente machista. Orgulhava-se de ser afilhado de um Capo do Jogo do Bicho e benemérito de uma escola de samba de muitas premiações. Pensem num cara mentiroso! Pensaram? Multipliquem por dez!
Nas rodas de amigos bebedores de cerveja e uísque falsificado, dizia Deivide que Rosita tinha um botão de flor apertadinho e peitinhos naturais de bicos durinhos e no formato do morro do Pão de Açúcar. - É mole? – perguntava aos imbecilizados expectadores baianos que lhe serviam de baba-ovos.
Porém, sempre existe na vida um porém, além de cardíaco, Deivide era diabético sem freios. E falava para a curriola:
- Não sintam inveja de mim. Joãosinho Trinta, meu grande amigo, já dizia que, pela lei do mundo capitalista ou não, quem gosta de miséria é intelectual, verdade? Fiz da Rosita uma “leide”, moçada! Da miséria ao caviar, entendem? Uma surra todo dia e ela bate o ponto, sempre fogosa e radiante para lamber meu agigantado membro. A diaba tem uma garganta profunda e gulosa. Se a surra for pequena, lá se vem uma merda de lambidinha sem graça! Se grande, o mundo pega fogo! Meu gozo demora até ficar de língua para fora e com o corpo em picadinho. E sabem o que ela quer de mim?
Ninguém se arriscava a dizer nada. Bastava ouvir. Deivide não era homem de esperar resposta de gente que não sabia o que era ser carioca da gema, afilhado de bicheiro famoso, amigo do carnavalesco Joãosinho Trinta, de saudosa memória e dono de Rosita, uma baiana de botão de rosa apertado e peitinhos duros, com o formato do Pão de Açúcar.
- Ela queria de mim um cachorro Poodle. Talvez para sentir-se uma madame. Somente isso! Dei ou não dei?
...
- Dei. Paguei cem conto de réis por um melequento de cruza duvidosa e, junto com uma flor de papoula, em papel de presente dourado, mandei pra diaba, antes de dar-lhe uma surra das boas. Um homem como eu não atira no escuro e nem gasta bala com gente incompetente. Depois disso, dessa acrobacia melosa, acreditem, a noite foi de orgia e de muita sacanagem. O meu “moleque” ficou esfoladão.
Esse foi o último encontro do nosso personagem canastrão com seus amigos da roda de cerveja e uísque falsificado.
Foi agora, depois do carnaval, que “Leide” Rosita tomou chá de sumiço. Ela e seu Poodle Bingo – o tomba-latas.
Em dezembro do ano passado, expulsos de casa, foram parar em um muquifo alugado por Deivide. E foi na cama simples desse muquifo que, em decúbito dorsal, ele foi encontrado em estado de decomposição. Não havia sinais de violência. Tudo indicava que a morte foi natural.
Na emissora de rádio local da cidade baiana, por toda a manhã, antes de concluída a investigação, os radialistas amigos de Deivide noticiaram aos brados:
MULHER MATOU O MARIDO E FUGIU COM O CACHORRO.
Rosita foi localizada em uma fazendola pelo irmão mais velho. Já prestou depoimento e jura inocência. A história contada por ela foi bem diferente e convenceu o delegado a mandá-la de volta para casa e esperar o resultado do processo em liberdade.
No seu relato, claro e lúcido, disse que Deivide a perseguia e queria, a todo custo, que ela não conversasse com ninguém, que não trabalhasse e não saísse de casa, nem que fosse para a igreja que costumava frequentar. E foi na quarta-feira de cinzas que, embriagado, entrou no muquifo para tomar satisfações por ela ter ido com uma amiga ver um bloco de sujo que passava na avenida. Disse que ele já entrou com um cinto nas mãos para açoitá-la. E foi então que, assustada, pulou a janela e sumiu com seu cachorro Bingo para a fazendola onde foi encontrada.
Assim é a vida. A vida como ela é...
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