quinta-feira, 21 de março de 2013

SOBRE O TEMPO PASSADO E FUTURO

Profª. Inês Lacerda Araújo
FILOSOFIA DE TODO DIA


Costuma-se declarar com alto grau de convicção algo óbvio: que o passado já era, não volta, é como um cadáver sepultado; e que o futuro ainda não é, portanto, incerto, misterioso e fora do alcance de nossas decisões.

Sim, o passado ficou para trás. Mas não morto! Sem nosso passado não teríamos nossa história de vida, o que fizemos, o que deixamos de fazer, realizações satisfeitas, sonhos impossíveis, acontecimentos banais do cotidiano, acontecimentos marcantes - isso tudo é descarregado em nosso presente, o passado constitui, pode-se dizer, nosso presente.

É impossível modificar o que deixou de existir?

Contra o senso comum, pode-se afirmar o inverso. Acontecimentos não voltam, mas podem ser vistos, avaliados, perscrutados e compreendidos de outros modos, por outras perspectivas. A cada fase de nossas vidas, na medida em que nossas experiências ganham mais consistência, a maturidade e a velhice levam a novas e surpreendentes interpretações do que somos hoje em função do modo como lembramos e vivenciamos fatos passados.

Um acontecimento que a psicanálise chama de traumático, pode ser revisto, pode ser compreendido de outros modos, subitamente se desperta para situações que envolveram ou ocasionaram este ou aquele episódio. O passado tanto pode assombrar como renovar o que hoje somos.

É nesse sentido que a análise psicológica ou psicanalítica conduz a pessoa a mudanças, a revisões, e mesmo a um aperfeiçoamento de si. É assim também que a vasta e rica literatura de memórias enriquece pessoas e culturas.

Isso sem mencionar a história de povos, de nações, a história natural, a evolução da vida no planeta.

Assim, as incursões no passado mostram o quanto ele está vivo!

E o futuro? A Deus pertence, como se diz?

Por mais incerto e imprevisível, o futuro de certo modo, a nós pertence.

Do contrário não planejaríamos, não pouparíamos, deixaríamos tudo ao encargo da providência divina. Mas não é isso que acontece. O tempo todo nosso presente nos lança para frente, precisamos administrar nosso tempo, e projetar o que faremos, como decidiremos, como enfrentaremos tal ou tal problema (uma doença, ou uma reviravolta financeira), como comemoraremos tal ou tal data, e as expectativas com relação a uma viagem, a uma proposta. 

Somos responsáveis pelo nosso futuro, em que pesem as surpresas e o acaso. Somos nossa liberdade, nosso projeto, como afirmou Sartre. Somos nossa própria possibilidade de ser. Um obstáculo, uma adversidade não é argumento contra nossa liberdade, "por que é por nós, ou seja, pelo posicionamento prévio de um fim, que surge o coeficiente de adversidade" (Sartre, "O Ser e o Nada"). O que faço com o inevitável? Como enfrento os obstáculos? Que atitude tomar diante de uma adversidade? São atos livres.

Somos ser-no-tempo, Dasein, ser aí, para Heidegger. Diante das possibilidades de ser isso ou aquilo, surge a angústia, e esta revela que o modo de ser do homem é o cuidado. Importar-se, marcar presença, saber e poder decidir, saber-se existente, portanto mortal.

Passado, presente e futuro formam um todo.


* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.

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