sábado, 30 de março de 2013

MEU DEUS, FERIDO ESTOU...

Verlaine


Meu Deus, ferido estou de teu amor
E o ferimento ainda em mim palpita,
Meu Deus, ferido estou de teu amor.

Meu Deus, temor de ti me derrubou
E a queimadura ainda me crucia
Meu Deus, temor de ti me derrubou.

Meu Deus, eu soube enfim que tudo é vil
E vossa glória em mim já se instalou,
Meu Deus, eu soube enfim que tudo é vil.

Afogai-me a alma em mar de vosso vinho,
Fundi-me a vida e o Pão de vossa mesa,
Afogai-me a alma em mar de vosso vinho.

Eis meu sangue que não se derramou,
Eis minha carne indigna de tormento,
Eis meu sangue que não se derramou.

Eis minha fronte que é toda rubor,
Para escabelo destes vossos pés,
Eis minha fronte que é toda rubor.

Eis meu braço que nunca trabalhou
Para o ardente carvão e o incenso raro,
Eis meu braço que nunca trabalhou.

Eis o meu coração pulsando embalde
Para bater nas sarças do Calvário
Eis o meu coração pulsando embalde.

Eis os meus pés, errantes e ociosos,
Para acorrer à voz de vossa Graça,
Eis os meus pés, errantes e ociosos.

Eis minha voz, rumor áspero e falso,
Para os opróbios do arrependimento
Eis minha voz, rumor áspero e falso.

Eis meus olhos, acesas tochas do erro,
Para morrerem aos choros da prece,
Eis meus olhos, acesas tochas do erro.

Olhai, Deus de oferenda e Piedade,
Este poço de muita ingratidão,
Olhai, Deus de oferenda e Piedade.

Deus de terror e Deus de Santidade,
Olhai o negro abismo de meu crime,
Deus de terror e Deus de Santidade.

Vós, Deus de paz, de júbilo e ventura
Os meus temores, minhas ignorâncias,
Vós, Deus de paz, de júbilo e ventura.

Vós conheceis tudo isto certamente
Mais que ninguém em pobreza pereço,
Vós conheceis tudo isto certamente.

Mas, meu Deus, o que eu tenho eu te ofereço.


VERLAINE, Paul Marie. Poemas. (Trad. Jamil Almansur Haddad). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. p.183-184

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