domingo, 29 de novembro de 2015

COMO VIVER SÓ (filme)

Esse filme é uma montagem aleatória de imagens captadas pelo Coletivo Entre Olhos, durante os primeiros seis meses de 2014. O filme foi montado no Adobe Premiere em apenas quatro horas. Ele também nasceu com a possibilidade de ser um material pedagógico de um encontro formativo do Coletivo Entre Olhos, que talvez nunca tenha chegado a ocorrer. O encontro visava pensar a seguinte questão: O que é uma comunidade? Apesar da voz do Peter Pal Pélbert ter sido usada sem permissão, mais tarde ele chegou a se referir ao filme como um “presente”. Até hoje, Ali Farka Touré (que compõe a trilha do filme também usada sem permissão e sem os créditos) nunca se pronunciou sobre a obra. (Daniel C. Valentim)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

5ª SEMANA DE FILOSOFIA DA UFAC


JUSTIFICAÇÃO DE SÓCRATES

Platão (428-348 a.C.)
A morte de Sócrates - Jacques-Louis David

Alguém, talvez, pergunte: “Não te pejas, ó Sócrates, de te haveres dedicado a uma ocupação que te põe agora em risco de morrer?” Eu lhe daria esta resposta justa: “Estás enganado, homem, se pensas que um varão de algum préstimo deve pesar as possibilidades de vida e morte em vez de considerar apenas este aspecto de seus atos: se o que faz é justo ou injusto, de homem de brio ou de covarde. No teu entender, não teriam méritos os semideuses que pereceram em Tróia; entre eles o filho de Tétis, que desdenhava tanto o perigo em confronto com o passar por vergonha. Querendo ele matar a Heitor, sua mãe, uma deusa, lhe disse parece que mais ou menos estas palavras: “Filho, se matares a Heitor para vingar a morte de teu amigo Pátroclo, tu próprio morrerás; pois, dizia ela, o teu destino te espera logo depois de Heitor.” Ele, apesar de ouvir a advertência, fez pouco caso do perigo da morte e, porque temia muito mais viver com desonra, respondeu: “Morra eu assim que castigue o culpado, mas não fique por aqui, alvo de risos junto das curvas naus, como um fardo da terra.” Cuidas que ele se preocupou com o perigo da morte?” A verdade, Atenienses, é esta: quando a gente toma uma posição, seja por a considerar a melhor, seja porque tal foi a ordem do comandante, aí, na minha opinião, deve permanecer diante dos perigos, sem pesar o risco de morte ou qualquer outro, salvo o da desonra.

Grave falta, Atenienses, teria cometido eu, que, em Potideia, em Anfípolis e Délio, permaneci, como qualquer outro, no posto designado pelos chefes por vós eleitos para me comandar e ali enfrentei a morte, se, quando um deus, como eu acreditava e admitia, me mandava levar vida de filósofo, submetendo a provas a mim mesmo e aos outros, desertasse o meu posto por temor da morte ou de outro mal qualquer. Seria grave e então deveras com justiça me haveriam trazido ao tribunal pelo crime de não crer nos deuses, pois teria desobedecido ao oráculo por temor da morte e supondo ser sábio sem que o fosse.

Com efeito, senhores, temer a morte é o mesmo que supor-se sábio quem não o é, porque é supor que sabe o que não sabe. Ninguém sabe o que é a morte, nem se, porventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem, como se soubessem ser ela o maior dos males. A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não sabe? É talvez nesse ponto, senhores, que difiro do comum dos homens; se nalguma coisa me posso dizer mais sábio que alguém, é nisto de, não sabendo o bastante sobre o Hades, não pensar que o saiba. Sei, porém, que é mau e vergonhoso praticar o mal, desobedecer a um melhor do que eu, seja deus, seja homem; por isso, na alternativa com males que conheço como tais, jamais fugirei de medo do que não sei se será um bem.

Portanto, mesmo que agora me dispensásseis, desatendendo ao parecer de Ânito, segundo o qual, antes do mais, ou eu não devia ter vindo aqui, ou, já que vim, é impossível deixar de condenar-me à morte, asseverando ele que, se eu lograr absolvição, logo todos os vossos filhos, pondo em prática os ensinamentos de Sócrates, estarão inteiramente corrompidos; mesmo que, apesar disso, me dissésseis: “Sócrates, por ora não atenderemos a Ânito e te deixamos ir, mas com a condição de abandonares essa investigação e a filosofia; se fores apanhado de novo nessa prática, morrerás”; mesmo, repito, que me dispensásseis com essa condição, eu vos responderia: “Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos quero bem, mas obedecerei antes ao deus que a vós; enquanto eu tiver alento e puder fazê-lo, jamais deixarei de filosofar, de vos dirigir exortações, de ministrar ensinamentos em toda ocasião àquele de vós que eu deparar, dizendo-lhe o que costumo: ‘Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais importante e mais respeitada por sua cultura e poderio, não te pejas de cuidares de adquirir o máximo de riquezas, fama e honrarias, e de não te importares nem cogitares da razão, da verdade e de melhorar quanto mais a tua alma?’ ” E se algum de vós redarguir que se importa, não me irei embora deixando-o, mas o hei de interrogar, examinar e confundir e, se me parecer que afirma ter adquirido a virtude e não a adquiriu, hei de repreendê-lo por estimar menos o que vale mais e mais o que vale menos. É o que hei de fazer a quem eu encontrar, moço ou velho, forasteiro ou cidadão, principalmente aos cidadãos, porque me estais mais próximo no sangue. Tais são as ordens que o deus me deu, ficai certos. E eu acredito que jamais aconteceu à cidade maior bem que minha obediência ao deus.

Outra coisa não faço senão andar por aí persuadindo-vos, moços e velhos, a cuidar tão aferradamente do corpo e das riquezas, como melhorar o mais possível a alma, dizendo-vos que dos haveres não vem a virtude para os homens, mas da virtude vêm os haveres e todos os outros bens particulares e públicos. Se com esses discursos corrompo a mocidade, seriam nocivos esses preceitos; se alguém afirmar que digo outras coisas e não essas, mente. Por tudo isso, Atenienses, diria eu, quer atendais a Ânito, quer não, quer me dispenseis, quer não, não hei de fazer outra coisa, ainda que tenha de morrer muitas vezes.


PLATÃO. Defesa de Sócrates. São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Col. Os Pensadores) p.20-21

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

PAULO JACOB: CHUVA BRANCA

Primeiro capítulo de «Chuva branca» (Rio de Janeiro, Ed. Nórdica, 1981. 2ª ed.)


É sempre esse rio rolando, cheias, vazantes. O barro carregado nas águas, amarelas. Pedaços de paus, tronqueiras, galhadas, matupás, canaranas membecas, murerus, correndo na correnteza, rodopiando nos remansos, nas enseadas. Menino ainda, aqui mesmo, nessa vida, mão no remo, puxando bons surubins, dos pintados, caparari. Dando adjutório no roçado, os pais ai, carregando maniva no jamaxi, basculho, roçando, limpando o terreiro. Desde menino a mesma vida, apertura que nem hoje. Tinha companheiro, nos quatro anos por ai assim. Brincadeira, era olhar o rio, jogar aninga pra jacaré, o bicho alvoriçado, a boca trancada. Agarrar urubu no anzol, arpoar boto, gostar da arrancada do bicho arrastando a igarité. Andar nos lagos, armar irapuca, apanhar rolinha, trucau, inambu. Flechar peixe, nadar quando maior. Contar vantagem de marisco, de casco bom pra furar lago, de canoa ronceira. Madeira para isso e para aquilo. Trepar nas árvores, tirar frutas, não por brincadeira, fome isto sim. Zé Pretinho também mariscava, pegava mas era só mandi. Menino entanguido, dois dentes faltando na frente, cara amargosa, empambado. Um dia o jacaré jogou o rabo no cedro, aparou o bichinho na boca. Lã se foi o companheiro. Bubuiou o sangue, a água era vermelha. A água era vermelha, cor de miséria, assim magino sempre. Na baixa das águas, pedaços de ossos se viu, branquinhos como garça. A mãe ajeitou a ossada, enterrou no aceiro da casa. Senti a ausência, mais do sangue lembrava, o tempo esqueceu. Se curumim, assinzinho, maior por dizer nada, morre por coisa pouca. Derréia, secando, o corpo descaindo, é vê cara de macaco. Afogado, defluxo, febre, desaparecido sem como se saiba. Muitas dessas. Nas cheias, a mata afogada na água. É secar, fica o barreiro na beira. Vem o sol tosta tudo, raxa. A terra é frestada e quente, esfumaça no sol. Aquela distância de lavrado, igual terreiro varrido, duro, escaldando. Primeiros dias. Azulando aos poucos, depois, o que a vista der é verde fechado. Só miséria, cor de sangue. Não fosse o lago, no tempo de carestia. .. Despensa do pessoal todo por aqui, vizinhança. Do que digo vizinhos, uma barraca aqui outra acolá naquela lonjura, curva de rio, lago, igarapé. Barro amarelo, ruim, ingrato, pobre também. Ingrato é, só dá mais é malícia, matapasto. Farinha, alguns alqueires, e só. Tentar aproveitar o eito, vá rasgar a terra, macaxeira mirrada, outra quadra a trabalhar. Esta não dá mais, cansou. Terra firme é pobre. Nessa nesga de varge, coisinha melhor. Lavada nas grandes águas, fartura se vê no plantio. É tudo assim. A mata aí confronto ao aceiro, comendo o terreiro, a capoeira engrossando. A barraca distiorada, o mato chegando perto. Telhado aberto que só renda, as estrelas entrando pela cumeeira. Respinga, mas chuva mesmo é quase um nada. Serena, sem molhar. O caminho do porto, fundo, roçado, furado de pés de tantos anos. Mulher, dois filhos, só na necessidade. Nascidos ao Deus dará, servindo de parteira à mulher. Mais o Tiririca, ossudo, pirento, cachorro bom. Alarma tudo, avisa até calango passando no terreiro. Com a onça arrepia, gane, rosna, late mas não enfrenta. É olhar um lado vê matinha de varge, ligada a matão fechado. O descampado é roça, farinha pelo menos. Chá, café às vezes, e beiju. Fome, chuva miúda, tristeza de inverno. Miséria tem cor de sangue. Deveras! Pode até ser, dar de esbarro com a anta. Rasto fresquinho vi dias passados, cortando o varadouro da terra firme. Avezou-se a comer piolhos do buriti. Não custa tentar. Até quem sabe Luís Chato. Dias sem nada em casa, na farinha com água. A meninada pedindo comer, o pessoal na fraqueza. Diabo de inverno, chuveiro danado, dificultando peixe. As águas tomando as restingas, avançando nas terras, os bichos metidos no igapó. Tem lá quem fisgue um esse que seja. Na fartura de comida lá pra eles, arisco em pegar anzol. Quando escasseia a despensa, a coisa não anda boa. Deveras, o melhor é vasculhar o vestígio da bicha, se voltou ao buritizal.

- Mulher vou ao mato, quem sabe se dá na sorte de pegar a anta.

O mais tardar à tardinha, volto. Saiu logo aí detrás do cagador cresce a mata alta, terra disconforme. Na comidia deve de estar, enquanto fruta cair não abandona. Duas ou três vezes vi rasto dela, vindo daquela direção. O rumo é este, beirando o igarapé até cruzar o primeiro afluente. Aquele do lado de lá, servindo de ponte o pau caído. Daí é centrar na terra alta, depois cortar pelo atalho da mãe-do-rio. No cuidado em centrar, com terras gerais ninguém brinca. O sol mal-a-mal dando sinal de claro de vir daquelas bandas. A ciência é não tirar vista da posição da picada. Tem outra melhor, mas muito pisada, um atoleiro dos infernos. Ainda assim é um bordejo, vai sair muito acima do buritizal comidia dela. Caminhada mais longa, arriscado espantar a bicha ao tomar chegada. Andando destabocado, distante de casa é coisa muita, pelo claro se vê. Mas deveras mesmo, o certo é especular as pegadas na travessia do varadouro, aqui ao lado. Eita! tou na sorte. Passou cedo por aqui. Terra molhada, pegada nova. Cala a boca, Luís Chato, o animal num de repente cisma, cai mata afora. Uma baitela fêmea, rasto aberto não engana. Maior que essa, só vi matar compadre Juvenal. Mas cuidado é que é, falando alto não vai prestar. E olhe só, aqui comeu a imbaúba, resina fresca escorrendo. Dessa vez, pego. Sustou seguida, rasgou o cacho do croatá. Assustou-se, cismou, que teria de havido? Afundou o pé no tijuco chega esparramou. Se anda corrida de onça, nem o diabo vai encontrar. Graças a Deus, como pensei não era, saiu devagar. Foi até ali, bordejou acolá, tomou direção naquela paragem mais entaniçada. É um fechado de cipó a atrapalhar qualquer um. Firmou caminhada nesse rumo. Com a ajuda de Deus, não passa de hoje. Começou a voltear, deve de estar deitada. Apitei, não respondeu. Andando sempre devagar, calcando leve o terreno. Ainda falsear o pé chato de merda, fez zoada. No calado, vai longe o estrupício. Se arisca, toma por outros lados. Amaciar o pé, o mais e mais. Tinha dito, dizia bem. Deitou-se, mas já se arriou de centro. Tomar reparo na cama. Fria, nem mosca por perto. Quando foi lã isso que deitou. É andar, andar, bicha danada pra rasgar mata.

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PAULO JACOB
Rogel Samuel

Sob vários aspectos, ele é o maior romancista da Amazônia.
Não é muito lido, conhecido, porque autor difícil, sofisticado.
Sua morte, no dia 7 de abril do ano passado, abre questão grave quanto à divulgação da cultura nacional brasileira.
Sua morte não chamou atenção.
Não se soube.
Eu mesmo, amazonense de Manaus, onde morava o escritor, não tive conhecimento.

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Vim a ouvir da boca de um chofer de táxi, em Manaus, no dia 18 de junho.
Dizia-me ele:
- ...Por ali , na rua onde morava aquele desembargador, que morreu no ano passado...
A rua, cujo nome não me ocorre, fica ao lado do Igarapé.
A casa, em frente ao igarapé, exibe a vocação de Paulo Jacob. Em Manaus, mas sempre voltado para a Floresta. Que ele conheceu bem, pois foi juiz em Canutama, no rio Purus, em 1952, e durante 10 anos viajou pelo Amazonas.
Até que, nos anos 60, foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça.

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Paulo Jacob escreveu muito. Muito. Cerca de 10 romances bem trabalhados.
Quase ganhou o maior prêmio nacional de literatura da sua época, o Walmap, em 1969, com «Dos ditos passados nos acercador do Cassianã», 2º lugar. Excelente livro, imenso, denso, 359 páginas de um tipo pequeno, corpo 10 (Rio de Janeiro, Bloch, 1969). 
O Walmap tinha juízes como Jorge Amado, Guimarães Rosa e Antônio Olinto.
Os três deram o 4º lugar para «Chuva branca», em 1967, um dos seus mais belos livros. Outro livro, «Vila rica das queimadas», título bem atual, ecológico, também ficou entre os finalistas do Walmap.  O título denuncia, como o livro: «O coração da mata, dos rios, dos igarapés e dos igapós morrendo», sobre o desmatamento. «Chãos de Maíconã» também «menção honrosa» do Concurso Walmap.

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Festejado foi pela crítica, Paulo Jacob.
Leila Miccolis o considera «o Guimarães Rosa da Amazônia».
Guimarães Rosa ficou entusiasmado com «Chuva branca».
Aguinaldo Silva diz que ele fez «o primeiro grande romance da Amazônia».
Assis Brasil compara «Chuva branca» a «Sagarana» de Rosa e a «The wild palms» de Willian Faulkner.

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Ler Paulo Jacob é dificuldade. Chega que ele, em «Chãos de Maíconã», anexou um vocabulário da língua ianoname, no fim do livro.
De um «Dicionário da língua popular da Amazônia» também ele é autor

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Paulo Jacob nasceu em 24 de fevereiro de 1921 e faleceu no dia 7 de abril de 2004. Escreveu ainda: Muralha verde (1964), Andirá (1965), Estirão de mundo (1979), A noite cobria o rio caminhando (1983), O gaiola tirante rumo do rio da borracha (1987), além dos citados acima.

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Em «Chuva branca», o personagem vai-se adentrando, vai-se assimilando na floresta, vai-se afastando da civilização, até que no fim parece que nem existiu - vira mito. No fim, na morte, ele tira a roupa, fica nu, perdido na mata, integrado nela, sabendo que vai morrer, perdido e integrado, no mitificado.

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«O gaiola tirante rumo do rio da borracha» narra a viagem de um navio, um gaiola, um barco a vapor, saindo de Belém até o outro lado da Amazônia, no rio Purus até subir o rio Iaco, onde o navio naufragou e ali se soube que o preço da borracha despencara, de quinze mil réis caiu para oito, pondo na falência todos os coronéis. O personagem é o Comandante Antonio Damasceno.

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Paulo Jacob foi professor universitário e Presidente do Tribunal de Justiça. Como Presidente de tribunal chegou a assumir o Governo do estado, em 1982. Sua morte deixa aberta a vaga de melhor romancista da região Norte.


domingo, 22 de novembro de 2015

O PSICOPATA DA TRANSACREANA

Erlan Nogueira de Moura


A estrada parecia que estava evaporando; as motos corriam no asfalto a mais de 200km/h. O grupo de jovens tinha pressa para chegar na fazenda, que ficava localizada na Estrada da Transacreana, no km 70, em um ramal ao lado do bar do Catraeiro. A viagem é cansativa, só tem asfalto até uma certa parte da estrada. Eles já estão passando pela fazenda do Chiquim Marizal, quando um carro passa por eles em alta velocidade e quase bate em Horácio, que vai guiando sua moto, com sua namorada na garupa. Michele fica nervosa na hora, e xinga o condutor do carro, que chega a reduzir, mas depois vai embora.

O verão daquele mês de setembro agita mais ainda os jovens naquela viagem; quando vão passando em frente ao bar do sr. Juarez resolvem parar para beber algum refrigerante, água e comer uns dois salgados. Na saída, se despedem dos proprietários e continuam a viagem; um pouco preocupados com a história que o sr. Juarez contou. Um ex-presidiário que tinha saído há pouco tempo da cadeia estava morando lá perto de onde eles iam ficar. Antônio, que também guiava sua moto com sua namorada na garupa, foi na frente reconhecendo o lugar, fazia tempo que não visitava os parentes na fazenda.

Depois que chegaram, lavaram as motos e foram para o açude aliviar o calor; quando voltaram encontraram um carro no portão da fazenda; marrom com vidros escuros. Antônio visualiza e percebe que é o mesmo carro que passou por eles lá na estrada e que quase atropelou Horácio e Michele. Ele vai até o portão e tenta falar com o motorista, mas quando chega perto, o carro dispara levantando poeira no ramal e vai embora.

Antônio volta para casa e conversa com seus amigos, Michele e Ana pedem para irem para casa, mas Horácio insiste em ficar; ele vai pedir Michele em casamento; resolvem ficar, mas atentos a qualquer ruído. Horácio e Michele vão para o quarto que escolheram para dormir; Ana e Antônio ficam mais um pouco na sala de estar. O relógio na parede marca as horas do tempo que passou, e anuncia a chegada do terror; alguns segundos e tudo pode mudar. Depois do banho todos se reúnem outra vez para jantar e conversar mais um pouco; Horácio chega cantando:

__ Queira, basta ser sincero e desejar profundo, você será capaz de sacudir o mundo, tente outra vez. Michele vem acompanhando com o violão, e por alguns minutos esquecem o que aconteceu na estrada. Ana ainda continua no quarto penteando o cabelo, e Antônio já está na cozinha preparando a comida. Eles tocam um pouco de violão e cantam, a alegria é contagiante; só eles não sabem o que vai acontecer dentro de algumas horas.

Durante o jantar comentaram sobre o episódio na viagem, mas logo mudaram de assunto, estavam com medo e não queriam fala sobre isso. Antes de começarem a comer, agradeceram a Deus pelo alimento e depois brindaram aquele momento especial, principalmente para Horácio, que vai pedir Michele em casamento. Depois do silêncio das taças batendo no brinde, Horácio levanta, ajoelha-se aos pés de Michele e cantando uma música romântica, pede Michele em casamento. Ela aceita, e em seguida chora emocionada, Horácio levanta e abraça sua futura esposa, que ele escolhera para o resto de sua vida. Fazem uma oração antes de levantarem da mesa, Antônio e Ana desejam felicidades para o casal, vão para seus quartos.

Ana abre a janela e fica olhando a bela paisagem noturna, muito campo, algumas castanheiras, os pés de buriti perto do cacimbão, o gado repousando num imenso tapete verde. Antônio vem e abraça Ana, e os dois ficam admirando aquele lugar. O vento que chega forte, entrando pela janela, tenta avisá-lo do perigo que se aproxima; Antônio ensaia algumas frases em espanhol, e fica trocando palavras com sua namorada, que também aprendeu um pouco do idioma quando estudou na Bolívia.

De repente avistam uma luz bem próximo do portão da fazenda, e ficam olhando. Antônio não lembra de ter luz naquele canto da fazenda, só pode ser no ramal. Eles fixam o olhar na luz, e depois de alguns segundos ela apaga; Antônio não quer acreditar, mas tem quase certeza que é o cara da estrada, o ex-presidiário. Não fala nada para não assustar Ana e os outros, e chama sua namorada para irem pra cama e fecharem a janela. Ela percebe sua preocupação, mas também não fala nada, e os dois deitam sem fazer barulho. Antes de serem levados pelo sono, escutam um barulho vindo lá do portão, Antônio não levanta para olhar e fica abraçado com Ana.

O homem que quase atropela Horácio e Michele, entra na fazenda com três comparsas; primeiro entram no quarto onde estavam Horácio e Michele. Batem na porta, Ana pensa que é Antônio ou Ana e abre; eles entram já espancando os dois; amarram e amordaçam o casal. Depois vão no quarto de Antônio e Ana, ele já está dormindo, mas Ana ainda vaga seus olhos pelo teto, tentando dormir. São surpreendidos pelo chute na porta, dado por um dos homens, que já entrou apontando um revólver para a cabeça de Antônio, enquanto o outro espancava Ana. Depois de todos amarrados, eles começam a bater em Antônio e depois em Horácio. Os quatro homens violentos estão muito alterados, Ana sente um forte cheiro de álcool, parece que eles beberam. Antônio fica calado, mas Horácio resmunga e acaba irritando mais ainda um deles, e justamente o que já tinha matado mais de três pessoas antes de ir para o presídio. Era o mais malvado de todos.

Eles pegam Horácio e levam para o fundo do quintal e obrigam ele a cavar um buraco; os outros dois criminosos ficam com Antônio, Ana e Michele no quarto. Horácio demora aproximadamente uma hora e uns quarenta minutos cavando o buraco que ele não sabe nem pra que servirá. Antônio pensa num plano para escapar daquela situação e salvar seus amigos. Depois de acabar de cavar, Horácio é agredido com socos e pontapés; e um dos bandidos fala em tom ameaçador:

__ Você vai encontrar o caminho de volta.

Horácio acredita que vai morrer, e começa a pedir perdão para aqueles homens que agora não estão mais alterados, é como se eles tivessem descarregado sua ira batendo em Horácio. Um deles diz que Horácio tem que pedir perdão é pra Deus, porque eles não perdoam ninguém; e pede para Horácio começar a rezar. Michele, no quarto, amarrada com os outros amigos, começa a chorar copiosamente, parece que seu futuro marido vai morrer; Ana tenta acalentá-la e acaba chorando também. Enquanto isso, lá fora, Horácio se prepara para morrer.

Os criminosos pedem para Horácio ficar de joelhos; e ele insiste em pedir perdão, mas os dois fingem não escutar. Um deles fala alguma coisa para o outro e vai dentro de casa pegar algo; volta com uma espécie de gafo na mão, cordas penduradas no ombro e um caderno com algumas anotações. Conversa em voz baixa com o comparsa, aponta para o caderno, depois coloca as cordas no chão perto do buraco cavado e vai em direção de Horácio com o gafo gigante na mão. Michele mesmo sem ver Horácio, grita seu nome; mas o pensamento ruim já dominou a mente dos dois criminosos.

Agora, já com a certeza da morte, Horácio começa a chorar, com o nariz sangrando bastante, um dos olhos quase fechado de socos e chutes, a respiração ofegante por causa das porradas que também levou na barriga, ele rasteja no barro tentando escapar. Um dos criminosos puxa ele pela camisa e enfia o gafo em seu pescoço, atravessando uma parte da garganta, depois golpeia outra vez, e mais outra. Horácio sem voz tenta respirar; outro golpe, desta vez debaixo do queixo subindo até os olhos. O criminoso ergue o rosto de Horácio e observa seus últimos suspiros. O outro criminoso, que também quer participar do ato macabro, pede para terminar o serviço; Horácio no chão  sem vida, é cortado em vários pedaços com um machado. Depois eles jogam os restos mortais de Horácio no buraco e começam a enterrar; jogam apenas uma parte do barro cavado em cima dos pedaços de Horácio e voltam para casa.

Os criminosos colocam Antônio, Ana e Michele amarrados no meio da sala, pegam uma bebida que encontraram no freezer; uma cachaça que fazia tempo que um caseiro tinha tomado um pouco e deixado o resto lá. Eles sentaram em um sofá próximo dos amigos aprisionados e começaram a beber a cachaça envelhecida; enquanto Antônio sangrava bastante na cabeça; um dos criminosos bateu com o cabo do revólver na cabeça de Antônio. O criminoso homicida começa a elaborar um plano de tortura para castigar os amigos amarrados e espancados; e fala do plano em voz alta, deixando as vítimas mais apavoradas.

A cachaça acaba, e o desejo de matar aumenta, todos querem beber mais; um deles vai procurar mais bebida pela casa. O assassino pergunta para Antônio se ainda tem bebida em algum lugar daquela fazenda; Antônio rapidamente responde que não. O criminoso levanta, vai até Antônio e olha nos olhos dele e pergunta mais uma vez?

           __ Tem mais alguma bebida na casa?

Antônio repete a mesma resposta de antes. E o assassino diz:

            __ Se eu encontrar bebida vou arrancar os teus olhos com uma faca.

E vai procurar bebida com os outros comparsas, ficando apenas um para vigiar os amigos. Eles procuram em vários cômodos na parte interna; Antônio fica apreensivo porque não tinha certeza se tinha bebida ou não. Mas de uma certa forma foi bom porque ficou só um criminoso com eles; podendo executar seu plano de fuga. Enquanto os outros bandidos procuram mais cachaça, Antônio tenta desviar a atenção do bandido que ficou vigiando eles, e imita o som de um animal da floresta, preocupando o criminoso em querer saber que barulho estranho era aquele.

            Michele e Ana conseguem ficar mais calma, outra vez Antônio imita o animal, o criminoso pergunta se eles, os amarrados, ouviram o ruído, eles respondem que não. Um tiro é disparado; o assassino cruel encontrou um litro de conhaque e comemorou dando um tiro pra cima; e grita bem alto lá de fora da casa:

            __Encontrei a bebida.

Antônio fica com medo e tenta se soltar das cordas, mas não consegue. O terror volta a abalar Ana e Michele.

            __Será que ele vai ter coragem de fazer o que disse?  Perguntou Michele.

O criminoso que tinha ficado vigiando, escuta o comentário de Michele, e diz que ele faz, sim.

            Eles voltam para casa com o conhaque e começam a beber sentados no mesmo sofá; Antônio não tira os olhos do homicida, que também o encara com o olhar frio. Todos os bandidos bebem uma dose do conhaque, menos o assassino, que permanece sentado no sofá encarando os jovens assustados. Um dos criminosos encontra o violão num banco ao lado da mesa da cozinha, e pede para Antônio tocar uma música. Uma oportunidade para uma possível fuga; o assassino diz que não, e fala para seu comparsa esquecer isso. Ele não satisfeito com a decisão do assassino, diz que sim, e aproxima-se de Antônio, Michele e Ana, que estão amarrados no meio da sala, para soltar Antônio, para que ele possa tocar uma música. Dois dos bandidos exibem uma arma de fogo na cintura, menos o assassino, que carrega apenas uma faca nas mãos. Quando o bandido abaixa-se para desamarrar Antônio, o assassino vai em sua direção sem que ele perceba, tira a arma da cintura do criminoso que queria ouvir a música, e rapidamente aponta para a cabeça do comparsa, e ordena que ele se afaste das vítimas; o bandido, se sentindo humilhado, e já um pouco alterado da bebida, finge que obedece e tenta tomar a arma do assassino; aplicando-lhe um soco no homicida, que com sua experiência e habilidade no mundo do crime, e nos anos que ficou na prisão; tendo muitas vezes que brigar para não virar capacho na cadeia, e até mesmo para sobreviver, esquivou-se do soco, e em seguida acerta um chute derrubando-o, e antes que ele levantasse, o assassino dispara um tiro na testa de seu, agora ex-comparsa, que tem morte instantânea.

            O outro bandido começa a discutir com o assassino, fala que ele não precisava ter matado o parceiro; o homicida vai em direção de Antônio, os olhos de Antônio tremem, o assassino diz que a culpa é deles, e dar um chute na boca de Antônio, e inicia uma sessão de espancamento, até as mulheres são torturadas. O assassino decide então fazer o que tinha falado para Antônio, se caso achasse outra bebida ali. Ana entra em desespero, começa a se mexer, e consegue se livrar do pano que tapava sua boca, e começa a gritar; um dos bandidos dar uma porrada com um pedaço de longarina no rosto de Ana e ela desmaia. O bando desamarra Antônio, desprendendo de Ana e Michele, e levam para outro lugar da casa. Antes de matar Antônio, o assassino quer cumprir a sua palavra, e arrancar os olhos daquele homem, que apenas tinha vindo passar alguns dias na fazenda de seus familiares com seus amigos, e agora estava perto de morrer.

            Com a faca na mão, o criminoso segura nos cabelos de Antônio, com a maior frieza e uma gargalhada sarcástica, ele enfia a ponta da faca no olho esquerdo de Antônio e tenta arrancá-lo. Antônio vira a cabeça para os lados, mas o assassino segura com força e consegue arrancar um dos olhos de Antônio. Já perdendo a paciência o homicida passa a faca no pescoço de Antônio; o sangue é jorrado no chão como uma cascata de água escura. O assassino continua segurando Antônio, e observa sorridente seus últimos segundos de vida; Antônio ainda reage tentando se soltar das garras da morte, mas o assassino cruel faz mais uma vítima. O assassino resolve soltá-lo, e ele cai no chão já sem vida; mas o assassino continua sua prática, e com a faca que cortou o pescoço de Antônio, ele decepa os braços de sua vítima, abre a barriga dele e arranca os órgãos internos, com as mãos, chegando a comer alguns pedaços. Não satisfeito com tanta maldade, ele pega um corote cheio de gasolina, que usavam no motossera e joga em cima dos restos mortais de Antônio e toca fogo. O cheiro de carne humana percorre toda a casa e ainda se espalha pelo ramal; agora só as mulheres estão vivas, e o desespero é total entre elas.

            Eles resolvem enterrar também o corpo do ex-parceiro numa cova rasa. Michele e Ana continuam amarradas; mas o assassino cruel dá uma notícia que os deixa mais calma; elas não vão ser assassinadas, mas vão ser levadas como escudo para os bandidos para fugirem do local. O bando pega um pouco de comida na casa, procuram dinheiro, mas não acham; e antes de sair ameaçam Ana e Michele de morte, se elas tentarem fugir. Um dos bandidos quer sair do grupo e tentar seguir outro caminho sozinho; o assassino cruel diz que é melhor não, que se começaram juntos, vão ter que terminar juntos; e apressa os outros a irem embora. Colocam as mulheres no carro deles e seguem viagem. Antes de chegarem no primeiro vizinho, que fica do lado direito do ramal, eles avistam um carro branco lá na frente, Ana e Michele não estão mais amarradas; foi conversado com elas que iam fingir que eram todos amigos, e que estavam indo para um passeio.

            Ao se aproximarem do carro branco, perceberam que se tratava de um veículo da prefeitura de Rio Branco, e que tinha quebrado ali, no meio do ramal. Quando os servidores público viram o carro dos bandidos foram acenando com as mãos e pedindo ajuda. O motorista do carro que era o ex-presidiário, sabe que não pode passar direto sem ao menos parar e falar com os servidores; eles podem desconfiar. Então o assassino reduz a velocidade e encosta do lado do ramal; uma mulher que estava no carro da prefeitura vem logo ao encontro dos bandidos. Antes de chegar mais perto do carro, o assassino sai e vai falar com a mulher, enquanto o restante do pessoal fica dentro do carro. Ela diz que o carro desligou e não liga mais, o motorista é novato e não entende muito bem; o assassino fala que pode ser problema no motor, e que ele está sem nenhuma chave e que também está apressado.

            Ela lamenta, e pergunta se eles não tem um pouco de água para beber; o assassino diz que sim, e vai buscar no carro. Quando o assassino vem voltando com a água, a servidora pública percebe uma mancha escura na calça do assassino; mas não desconfia do que pode ter acontecido, e recebe a garrafa com água das mãos do assassino e bebe olhando para a mancha na calça o assassino. Ele percebe que ela olhou, mas não vê o que é, e apenas olha para ela e espera a garrafa térmica de 8 litros das mãos da moça. Depois de beber ela entrega para ele e volta para o carro com os amigos. O assassino entra no carro rapidamente, desvia o carro parado no meio do ramal e segue em frente. O assassino não sabe, mas aquela servidora o reconheceu do jornal, quando ele foi preso, e lembrou que tinha sido por homicídio, e contou para os amigos.

            A servidora que conversou com o bandido já tinha trabalhado na polícia, passou em um concurso que tinha um salário melhor, e foi seguir outra carreira. Mas seu instinto de policial não lhe deixava quieta; a frieza do assassino, a mancha escura na calça; ela sentia que tinha algo errado, ele parecia muito tranquilo pra quem disse que estava atrasado. Uns quinze minutos depois passa um caminhão; o motorista desce para ajudá-los; e condena o carro da prefeitura, diz que só um guincho para tirar o carro dali. Os servidores decidem voltar para Rio Branco e pegam uma carona do caminhoneiro. Os bandidos continuam na estrada, Ana e Michele não falam nada; um dos bandidos pede para o assassino parar o carro.
            __ Para ae “coletor” que eu quero urinar.

Num descuido ele fala o apelido do assassino, que responde com tom ameaçador:
            __ Você falou demais.

O comparsa fica calado, sabe que não podia ter falado; eles tinham prometido que não iam matar as mulheres, mas agora elas sabiam o apelido de um deles.

            Chegando à parte de asfalto eles conseguem ir mais rápido; o rádio entra em sintonia, e a música que toca é de um cantor desconhecido, lá do interior do Ceará; a letra fala de um assassinato que aconteceu num rio, em um barco de viagem. Ana começa a chorar; Michele já venceu o medo, e não se importa mais com a morte. Coletor tenta mudar a estação do rádio e não percebe que um animal atravessa a estrada, é quando todos gritam ao mesmo tempo:

            __ Cuidado!!!

O assassino consegue desviar o animal que quase morre atropelado; e continuam a viagem. A música agora é outra, desta vez de um cantor bastante conhecido do mundo do rock brasileiro nos anos 80 e 90, e que faz tempo que não lança outro CD. De repente o som é interrompido pelo barulho de um trovão, que parece rachar o céu sem piedade. O silêncio toma conta do interior do carro, preocupados com o que acontecerá dali pra frente, eles não falam mais nada. O caminhão que vai levando os servidores para em um bar próximo da estrada. Lá encontram um homem que conta uma história, que deixa a servidora, que conversou com o bandido, preocupada. Ele disse que mora numa colônia perto da fazenda onde estavam os jovens; e disse que ouviu alguns gritos e barulho de tiro. Um quebra-cabeça é formado na mente daquela servidora; não tem certeza, mas suspeita que algo terrível esteja acontecendo e decide ligar para a polícia. Seus amigos percebem o teor da ligação, e falam que ela não deveria se meter nisso; mas ela convence todos com o argumento:

            __ E se fosse vocês que estivessem sendo sequestrados?
Em poucos minutos a atendente policial recebe a ligação do outro lado da linha.

            __ Polícia. Em que posso ajudar?

A servidora sem titubear, fala detalhadamente tudo que viu na estrada. No final a atendente disse que vai enviar uma viatura até o local para averiguação.

            Os criminosos passam agora em frente ao colégio agrícola; estão mais calmos; Coletor, que comanda o bando, acelera mais e pede para todos ficarem calados, um telefone está tocando dentro do carro, ele procura o aparelho, os outros bandidos também procuram; um deles acha debaixo do banco do motorista; mas quando vai atender, o celular para de tocar. Coletor fica preocupado para saber quem está ligando, e pede para ver o aparelho. O celular é o seu, que tinha deixado no carro esse tempo todo em que esteva na fazenda. Ele não reconhece o número, e resolve retornar a ligação; em poucos segundos a outra pessoa atende, e vai logo perguntando:

            __ Onde você está?

Coletor não responde. A pessoa fica perguntando a mesma coisa e ele desconfia, ninguém que ele conhece fala assim com ele. Coletor desliga o telefone e continua a fuga.

            O bando precisa abastecer o carro, o combustível está acabando; Michele e Ana deslizam os olhos pelo vidro lateral do carro, e tentam ver a paisagem que passa rapidamente pelos seus olhos. Coletor planeja ir para a Bolívia, ficar um tempo morando por lá; os outros dois bandidos não querem ir para aquele país. Eles temem serem mortos; nos últimos anos mataram muitos brasileiros por lá. Mas o “Lorim” que é morador do São Francisco, diz que vai sair da cidade, e vai passar um tempo sem voltar por aqui. “Esporão”, o outro bandido, que é morador do Preventório, prefere não comentar sobre seu destino, e diz que vai se separar do grupo na próxima parada. Saem da estrada da Transacreana e vão em direção ao bairro Floresta.

            Os corpos são achados pelos moradores vizinhos da fazenda, a polícia é avisada imediatamente, e é iniciada a caçada ao bando. A polícia não sabe ainda que duas mulheres continuam sequestradas. A servidora é chamada verificar algumas fotografias de bandidos na delegacia; depois da sexta imagem ela reconhece a foto do bandido que ela encontrou na estrada, não tem dúvidas, o olhar frio e uma cicatriz no supercílio direito, ela identificou o assassino; agora a polícia já sabe quem é, falta só identificar os outros, e localizar o veículo. Coletor sem querer avança o sinal, e o veículo é fotografado; eles param para abastecer o carro num posto de gasolina perto do shopping, colocam apenas 30 reais; não é suficiente para eles chegarem até Brasiléia e atravessar para a Bolívia; abastecem e continuam a fuga.

            No posto, Michele foi ao banheiro e encontrou uma mulher lá dentro, e fez sinal com os olhos como se quisesse dizer alguma coisa, mas foi rápido, e tinha um dos bandidos na porta esperando; e quando Michele saiu, ele agarrou ela como se fosse sua namorada e foram para o carro. A mulher do banheiro conta para os funcionários do posto e eles não dão muita atenção, até porque viram eles agarrados entrando no carro. Esporão pede pra ficar na próxima esquina; eles estão passando pelo conjunto Esperança; Coletor pede pra ele esperar mais um pouco enquanto passam na casa de um amigo dele na Estação Experimental para pegar um dinheiro. Esporão não gosta muito da ideia, mas fica calado. Chegando a casa, ele pede para Esporão esperar no carro com os outros, que ele vai conseguir um dinheiro para ele; pode ser bom para Esporão levantar uma boca-de-fumo, então resolve esperar. Uns 10 minutos depois Coletor volta e diz que o amigo dele acabou de receber 3 quilos de droga e também estar com 15 mil reais; e chama Esporão para tomar a droga e o dinheiro de seu “amigo”. Esporão desconfia, mas tem consciência da gravidade do problema que estão envolvidos, e já que estão na chuva é para se molhar; e vai com coletor até a casa.

            No interior da casa, Coletor e Esporão encontram o seu amigo saindo de um dos quartos com algumas sacolas de plástico, e pede para eles irem à cozinha, para verem o que tem lá. Em cima da mesa um pedaço de aproximadamente uns 800 kg de maconha, e pergunta quantos eles vão querer. Coletor diz que vai querer 300 g, e esporão 200 g. O traficante e "amigo" de Coletor, pega uma faca que está ao lado do fumo, e começa a cortar um pedaço. Coletor vai para outro lado da mesa, finge que vai pegar algo na geladeira e quando vai passando por detrás do traficante, ele saca a arma e aponta pra cabeça de seu amigo e pede pra ele soltar a faca; e ele obedece. Enquanto o traficante está rendido, Coletor ordena que Esporão pegue toda maconha e coloque numa sacola, e pergunta pro traficante onde está o resto da droga e o dinheiro; como o traficante não responde, leva uma coronhada na cabeça, e começa a sangrar.

            No carro, do lado de fora da casa, os três cozinham num calor escaldante daquele verão, e esperam aflitos pelo desfecho daquilo tudo. De repente uma viatura da polícia militar passa do lado do carro deles; Lorim fica nervoso, olha se as chaves estão no carro, mas coletor levou quando saiu. Os policiais passam olhando e percebem que tem gente dentro do carro; Lorim mesmo nervoso, acena para os policiais, como se quisesse dizer que está tudo bem; e dá certo, os policiais vão embora. Dentro da casa, o traficante ainda não acreditando na trairagem do "amigo", observa parado, esporão revirar sua casa em busca do dinheiro e do resto da droga. Coletor pede para Esporão olhar num pequeno quintal nos fundos daquela casa.

            Seu instinto de assassino invade seu corpo e domina sua mente; Coletor pega a faca que o traficante usaria para cortar o fumo, coloca no pescoço do traficante e diz:

            __ Você conhecerá outro mundo, e quando tiver abandonado esse corpo, não lembrará mais desse momento.

Nessa hora esporão volta do fundo do quintal sem ter encontrado nada, está com pouca paciência, chega à sala e presencia aquela cena. Coletor não tem mais controle, olha nos olhos do traficante, e em seguida corta o pescoço de seu "amigo"; ele ainda se debate, mas Coletor segura pelo colarinho da camisa, e vai cortando até a cabeça quase sair do corpo. O sangue é jorrado na mesa de mármore, e derramado em cima da cadeira; enquanto o corpo dá os últimos espasmos, desmoronando em seguida no chão já sem vida. Coletor arranca totalmente a cabeça e fica olhando nos olhos, já fechados, do traficante agora sem corpo; e dá gargalhadas como se estivesse alcançado o cume da satisfação. Esporão observa atento, e quando coletor percebe sua presença tenta disfarçar seu ódio, rindo com o canto da boca, e em seguida chama seu parceiro para irem embora dali, e levar tudo que puderem.

            __ Não quero mais continuar essa viagem, exclama Esporão.

            __ Se prenderem a gente, vamos passar o resto da vida na cadeia.
Coletor para um pouco, olha para Esporão e fala:

            __ Temos que terminar o que começamos.

            __ Não comecei nada, foi você que matou essas pessoas.

Coletor desconversa e tenta convencer Esporão a entrar no carro e seguirem em frente; promete que deixará Esporão na próxima parada, como haviam combinados.

            Esporão não aceita, e pede uma parte do dinheiro, Coletor não encontra outra solução; concorda com Esporão sobre os assassinatos e diz que vai dar uma parte do dinheiro. Coletor pega uns dois mil reais e entrega para Esporão, que recebe de longe, muito desconfiado. Sempre mantendo a distância; Esporão decide abandonar o grupo, e sai da casa vigiando o olhar do Coletor; que percebe seu medo e o tranquiliza dizendo:

            __ Não faço mal aos meus parceiros de correria.

Mas Esporão não esqueceu o que ele fez com o outro parceiro; Coletor estende a mão para se despedir. Quando Coletor pega na mão de Esporão, segura firme e puxa um punhal da cintura, que ele tinha encontrado ali, no interior da casa, enquanto Esporão procurava o resto da droga no quintal, e tenta golpeá-lo. Mas esporão já estava esperando qualquer reação violenta de Coletor; e se esquiva do ataque. Começam a travar uma luta corporal; dentro da casa. Coletor, além do punhal, têm também na cintura um 38; mas não consegue sacar; Esporão está quase tomando seu punhal. Os dois caem no chão, e Coletor fica por cima de Esporão, mas sua mão que segura o punhal está presa pela mão de Esporão, que o segura fortemente, porque sabe se vacilar vai morrer; ele está travando uma luta com um psicopata frio e calculista.

            Naquele desespero para escapar da morte, ele não consegue segurar a mão do assassino por muito tempo, e solta a mão do Coletor que segurava o punhal. Tenta levantar do chão para escapar do punhal, consegue e dá um soco na cara de coletor, e em seguida levanta e vai em direção da porta, mas antes de abri-la, para na frente da porta, sente-se sem força, fica tonto; é então que percebe que foi atingido no peito pelo punhal; sente a frieza do sangue escorrendo no seu corpo, imagens do passado passam nos seus olhos, ele tenta raciocinar e continuar a fuga, mas os comandos do cérebro não são obedecidos pelo corpo, e desaba no chão, já manchado de sangue do traficante. Coletor levanta calmamente, e vai em direção de Esporão, que ainda está vivo; ajoelha-se ao seu lado e fica olhando para ele, esperando a morte vir buscá-lo. Esporão ainda respira, e Coletor tem pressa para ir embora, pega seu punhal novamente e começa a furar no peito esquerdo de Esporão, numa sequência assustadora de golpes, chegando a voar pedaços de seu coração; com os olhos ainda abertos, esporão se despede para sempre desse mundo, e é abraçado pela morte. Coletor continua perfurando o peito de seu ex-parceiro de correria, e depois de mais de trinta furadas, ele interrompe o ato cortando o pescoço de Esporão; sente alívio em ver o sangue invadindo o chão daquela casa, gosta de ter o controle da vida em suas mãos.

            Coletor volta para o carro com o dinheiro e a droga; Lorim e as duas vítimas já não estavam mais aguentando aquele calor. Partem novamente dando continuidade a fuga. Ninguém pergunta nada sobre o outro criminoso, Lorim sabe o que aconteceu, mas fica calado. Passam outra vez por outra viatura da polícia; Michele e Ana choram em silêncio, enquanto coletor tenta disfarçar o nervosismo; ele acha que não vai dar tempo chegar à Bolívia, acredita que vão ser presos antes. Eles seguem em direção a BR que vai para Brasiléia, e de lá fugirem para a Bolívia. Param num posto de gasolina, mas Coletor avisa logo que ninguém pode sair do carro, tem que sair logo dali daquela cidade, abastece o carro e seguem viagem. Perto de chegar à rotatória da Polícia Rodoviária Federal, Michele decide falar.

            __ Por favor moço, posso saber onde estamos indo?
Coletor olha para ela demonstrando piedade e fala:

            __ Não se preocupe, princesa, não vamos machucar vocês.
Agora na autoestrada, o destino fica incerto; Lorim continua calado, seu parceiro desconfia, e também escolhe o silêncio como companhia.

            De repente uma barreira policial, Coletor sabe que já estão sendo procurados; então vai reduzindo a velocidade do carro, como se fosse parar; o policial já acena para eles encostarem-se à lateral da estrada. Coletor vai seguindo a orientação do policial, e quando vai quase parando, acelera e fura o bloqueio. Imediatamente os policiais entram na viatura e iniciam uma perseguição. O policial que vai no banco do carona atira e tenta acertar o pneu do carro, Michele e Ana começam a gritar; Lorim quebra o silêncio e diz que agora não tem mais saída, e que vai até o fim daquela loucura. Coletor entrega o revólver para Lorim, e pede para ele atirar na polícia; ele sem pensar duas vezes, começa a atirar nos policiais. E eles revidam.

            Numa curva da estrada, coletor perde o controle do carro e eles saem da estrada, batem numa árvore e capotam várias vezes, indo parar na beira de um açude. A viatura da polícia para logo em seguida, e os policiais descem e vão em direção ao carro capotado; muita fumaça sai do motor, eles temem uma explosão. E correm para tentar salvar alguém. Antes de chegarem onde o carro está, encontram o corpo de um dos bandidos; é Lorim, que está desmaiado, e com várias fraturas no corpo, principalmente na cabeça. Somente quando os policiais chegam perto do carro, é que percebem que se trata dos bandidos que mataram algumas pessoas e sequestraram outras.

            Escutam o gemido de Michele, que soluça num choro preso; apesar da fumaça que sai do motor, os policiais encontram Ana no interior do carro, mas ao contrário de Michele, ela não esboça reação e está bastante machucada. Os policiais retiram as duas do carro e levam até a beira da estrada; o corpo de Lorim fica jogado no mesmo lugar onde foi cuspido pelo carro na hora do capotamento. Os policiais só encontraram Michele e Ana no carro; Coletor, o mentor de toda aquela tragédia não estava no carro. Um policial tenta conversar com Michele, mas ela está muito abalada e com cortes na boca, dificultando a dicção. Uma viatura do SAMU chega, e os médicos comprovam a morte de Lorim e Ana. Michele é levada para o hospital de Rio Branco, capital do Acre.


ERLAN NOGUEIRA DE MOURA é natural de Cruzeiro do Sul, e cursa Arquitetura e Urbanismo.