segunda-feira, 27 de junho de 2011

O QUE DIZ FOUCAULT A RESPEITO DO NEOLIBERALISMO

Profª. Inês Lacerda Araújo


No curso Nascimento da Biopolítica (Collège de France, 1978-1979) Foucault continua o curso anterior sobre o tipo de governo centrado na razão de Estado. Razão de Estado como uma arte de governar, é analisada por um novo ângulo. Não o da história dos regimes políticos, mas a de uma prática de governar o Estado, um tipo de racionalidade, de cálculo, responsável, ao mesmo tempo, pela construção do Estado, o enriquecimento pelo acúmulo monetário, que ocorrre paralelamente ao aumento populacional e à concorrência entre países. Outro aspecto é a organização policial e um aparelho militar e diplomático para tentar um equilíbrio na Europa. O Estado nada tem do monstro frio, no estilo do Estado absoluto analisado por Hobbes, mas sim um modo de governar que surge no século XVII, bem diferente dos Estados medievais centrados no poder soberano e teocrático, em que o direito era exercido pelo rei.

No século XVIII ocorre nova transformação, que ampliou e serviu para melhor implantar a razão de Estado. Não é possível governar sem a economia política, é preciso organizar, distribuir e limitar os poderes, manter certo equilíbrio para haver concorrência. Os governos despóticos serviam muito bem ao controle e expansão da economia. No lugar de questionar a legitimidade de suas práticas, esses governos precisam controlar os efeitos de suas práticas, serem bem sucedidos, algo tipicamente utilitarista.

A pergunta que os governantes se fazem é: será que eu governo bem dentro desses limites do que é necessário para lidar com a natureza das coisas?

E isso é o liberalismo, ele requer a criação de métodos próprios para definir os limites das práticas de governo. A abordagem de Foucault não envereda pela costumeira crítica (e condenação) ideológica de governos. Ele faz análise histórica das práticas de governar.

Neste sentido, o liberalismo que nasceu na segunda metade do século XVIII, permanece nos governos europeus dos anos 60 e 70, diz Foucault.

O mercado regula preços por meio de seus "mecanismos naturais". O poder público intervém para aparar os efeitos de mercado não desejáveis para a própria capacidade de governar. Qual é o valor em termos de utilidade do governo e de suas ações, em uma sociedade em que a troca determina o verdadeiro valor das coisas?

O neoliberalismo propõe não apenar deixar o mercado ordenar-se naturalmente, como o liberalismo, mas ainda que os governos sigam regras institucionais e do direito. Assim se instaura uma ordem social regrada economicamente pelo mercado. Há uma valorização da "empresa" como principal agente econômico. Nasce assim, segundo Foucault, uma nova arte de governar, que atende ao chamado "capital humano", certo nível de emprego, de renda, de saúde da população, isso tudo é necessário para o Estado funcionar. E também indivíduos treinados, aptos a desempenhar o papel de "empreendedores de si mesmos".

Essa é nossa atual "arte de governar": mercado, regras institucionais, indivíduos produtores e, claro, consumidores. A cada crise, é isso que governos precisam salvar para manter a concorrência e a produção. As ações se transformam em "desafios". Desapareceram termos para analisar e propor metas, como "dificuldade", "problemas" e os planificadores, os empreendedores preferem o termo esportivo, concorrencial "desafio".

Viver se tornou uma corrida de obstáculos!

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

ACREANA LANÇA LIVRO NOS ESTADOS UNIDOS

A HISTÓRIA DE CORAGEM E AMOR DE HELENA COLLINS NO APOIO A MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA


Tomo a liberdade de citar um pequeno trecho de um e-mail que, recentemente, recebi de uma amiga informando sobre o lançamento de seu livro: “Querido Isaac e todos os acreanos; abaixo você encontra o link para meu livro. Espero que (1) muitos acreanos vão ser capazes de ler o mesmo em inglês, e (2) que tanto as mulheres e crianças vítimas de violência doméstica como os homens, que dirigem sua própria raiva às suas próprias esposas e filhos, sejam capazes de se beneficiar com tal leitura. Pensei traduzir tal livro para o português, mas depois de praticamente 25 anos aqui minha habilidade com tal língua não é mais tão boa como 25 anos atrás.” Essas palavras são de Maria Helena Vanderlei Collins, acreana de Tarauacá, que desde agosto de 1986 reside nos Estados Unidos. Helena Collins trabalha como profissional de saúde mental bilíngue (inglês e espanhol) no Choices Counseling Center Of Memphis (Centro de Aconselhamento), em Memphis, no estado do Tennessee, onde oferece ajuda profissional às vítimas de crimes como estupro, sequestro e violência por parceiro íntimo.

Helena Collins fez diversos cursos de inglês e espanhol, sendo licenciada para ensinar espanhol (I, I, e III) e psicologia, em nível secundário. Concluiu os cursos de Psicologia e Mestrado em "Community Agency Counseling (Mental Health Counselor)", ambos pela "Memphis State University". Em 1999, iniciou o programa em "Clinical Psychology (PhD)" pela “Fielding Graduate University”, em Santa Bárbara, Califórnia, quando, em 2004, teve que deixar por, entre outros motivos, o de sofrer discriminação racial. Ingressou no "Educational Leadership and Change”, onde concluiu seu doutorado em 2010.

O fato de sofrer constante discriminação racial, e mesmo agressões físicas por parte de seus alunos, entre outros, forçou-a a se aposentar como professora. Em Memphis, onde reside, atende inúmeras pessoas vítimas das mais diversas formas de violência, a quem muitas vezes presta um trabalho voluntário, quando não, cobra apenas um preço simbólico. Por causa de tal serviço sua própria vida muitas vezes esteve em perigo. Mas, como Helena costuma dizer: “Who does not live to serve others does not serve to live” (quem não vive para servir não serve para viver).

Helena Collins, entre tantos desafios que enfrentou durante esses anos, construiu uma história marcada pela coragem, pela fé e pelo amor, expresso no serviço e dedicação a tantas vítimas de violência. Prestamos, aqui, nossa homenagem de gratidão, carinho e respeito à Helena Collins pelo seu trabalho e pela sua história de vida. Que acreanos e, sobretudo, os norte-americanos tenham sempre em mente o testemunho de alguém que veio a este mundo para fazer o bem, seja aonde for.

SOBRE O LIVRO


Violência doméstica é uma condição opressiva que se estende através da raça, classe e sexo (masculino/feminino) nos Estados Unidos (Sokoloff, 2005). Nesse estudo, Collins examinou mulheres de origem Hispana que já estiveram em situação de violência doméstica e a relação delas em busca de ajuda (iniciativa própria para buscar assistência).

Em particular, a pesquisa enfocou as percepções de mulheres Mexicanas Imigrantes e Mexicanas Americanas em relação aos serviços sociais disponíveis a elas. O estudo também explorou como o comportamento dessas mulheres, na busca de ajuda, é afetado por seu grau de aculturação e pela incidência de violência entre duas pessoas que tiveram ou ainda mantém um relacionamento íntimo de caráter sexual. A intenção da autora era compreender se existe diferença(s) entre estes dois grupos éticos e similares. Para isso, ela revisou tais diferenças de percepção individual sobre a situação dessas mulheres, como também o conhecimento (se estão informadas) sobre a qualidade de serviços sociais disponíveis a elas. Para estudar tais fenômenos, Collins entrevistou dez mulheres mexicanas imigrantes e sete mulheres mexicanas americanas que estavam vivendo em Memphis, Tennessee, com as quais trabalhou na coleta de dados. Para investigar esse fenômeno usou uma combinação de métodos de pesquisa. Para coletar dados de natureza quantitativos usou ARSMA-II, (Cuéllar & Maldonado, 1995), o Inventory of Abusive Conduct (Shepard & Campbell, 1992) e uma entrevista desenhada diretamente para esse estudo - parte demográfica. Os dados de tipo qualitativo foram obtidos através da aplicação de uma entrevista tipo semi-parcial. O método descritivo foi usado, bem como, testes e análises constante de comparação para analisar e reportar as perguntas quantitativas. Tais métodos foram inicialmente usados em outros estudos (Glaser, 1965). Collins reporta ainda aos obstáculos que as mulheres de origem Hispana encontram quando tentam buscar ajuda de profissionais da área social, tais como psicólogos, trabalhadores sociais, polícia, corte, juiz, imigração, médicos, abrigos, pastores, padres, e outras pessoas (amigos, família, vizinho) e a ausência de diferenças entre o nível de aculturação e a incidência de violência doméstica entre casais, independentemente se eram mexicanas imigrantes ou mexicanas americanas. Por fim, a autora, nesse estudo, incluiu algumas recomendações para melhorar a qualidade de serviços prestados a esta população, como também, sugestões para futuras pesquisas científicas.

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Aos que desejarem adquirir o livro, 
acesse aqui.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

TIA NECA, ZÉ TAVEIRA E SÃO JOÃO - Leila Jalul

“Brincadeira na fogueira
André & Mazinho

Tem tanta fogueira
Tem tanto balão
Tem tanta brincadeira
Todo mundo no terreiro
Faz adivinhação
Meu São João eu não
Eu não tenho alegria
Só porque não vem
Só porque não vem
Quem tanto eu queria (bis)

Danei a faca
No tronco da bananeira
Não gostei da brincadeira
Santo Antonio me enganou
Sai correndo
Lá pra beira da fogueira
Ver meu rosto na bacia
A água se derramou”.

O Recanto da Serrinha do velho Antonio João de Campinas e de Dona Constância virou reduto das grandes comemorações juninas nas redondezas do Riozinho das Capivaras. Por ter nascido no dia de Santo Antonio, ainda no início do século passado, o chefão e bom nordestino começava pelo novenário, já no primeiro dia, só dando por encerrada a festança no morrer do mês. Ficavam as saudades...

Os filhos, Adonay e João Alberto de Campinas, pessoas de forte influência na cidade, traziam amigos e mais um magote de gente da classe alta. Quem fazia a festa, mesmo, eram os sitiantes e os filhos deles. O povo da cidade só comia e apreciava de longe, quase por imposição das relações de amizade. Essa gente melindrosa não se mistura facilmente. E nem gosta de aluá!

Na cozinha, suando que nem chaleira, Sebastiana Preta, ainda que manquitolando sobre a perna menor que a outra uns vinte centímetros, comandava as quituteiras de acordo com as ordens de Dona Constância. Com olhos de lince e sorriso de gavião ela espiava o ponto do mungunzá (ou chá de burro, como chamava), a corada do guisado de capelão ou guariba e o acerto do ponto das demais iguarias dos santos de junho. – “Comidas pra inglês nenhum ponhar defeito”, dizia a dona da casa.

Tia Neca e Zé Taveira, viúva e filho do finado Aldenor Taveira, assumiam o terreiro. A lenha das fogueiras era “ponhada” em lugar seco e coberta com uma lona de caminhão para não ficar enjambrada com a umidade. - “Fogo bom é fogo pipocante e sem fumacê” - asseverava Tia Neca, vaidosa e consciente de sua relevante função. Quando elogiada pelo dentista Dr. Calixto ou por outro visitante pela beleza do fogaréu, alargava o sorriso de dois dentes e abraçada ao filho, dizia:

- Seu dotô, eu e Zé Taveira não queremos omilhar o Aldenor, nem depois dele mortinho e enterradinho. Era dele a função de atiçar o fogo pra alegria e viço dos santo. Enquanto viveu, foi vaqueiro e responsavi de fazer arder os pau. Agora, nas memória e nas honra dele, é eu e esse menino aqui, o meu Zé. Ele só tem doze anos maise já se declara como homi e pau pra toda obra.

Doutor Calixto, escutando aquela prosa, virou-se para Tia Neca e reclamou:

- Pois bem, Dona Neca, todas as crianças estão brincando, menos seu menino Zé Taveira. Deixe ele ir brincar com os garotos. Não prenda ele, tá certo?

- Tudo bem, ele vai, mais só adispois de fazer o que tem que ser feito. Minhas pernas não atura mais ir pra lá e pra cá pegá pau pra atiçar a fogueira. No final, fique tronquilo, ele vai se desbaldá de brincá e fazê zoeira. Deixe o Padre Antunes sair, tás me ouvindo? O padre disse pra nóis que os santo fica triste quando o fogo não alteia e fica murcho, vosmicê entende? Ele ainda me avisou que, sem fogueira, na outra festa os santinho fica aborrecido, não passa nem na frente da casa e zarpa pra outras banda.

Por volta das duas da manhã do dia 24, foi-se a comitiva da cidade. Quase não havia mais comida nem aluá e, só então, Zé Taveira pôde ir para a corrida da caça ao boi fujão. A corrida consistia numa variação do esconde-esconde. Um menino era o boi e saía em disparada para um esconderijo. Os outros, feito malucos, procuravam encontrar o fujão. Quem encontrasse ganhava prenda. A prenda da vez era uma bola de futebol, das legítimas, patrocinada pela esposa do Dr. Calixto. O Zé Taveira, que conhecia cada palmo das terras mas nunca havia possuído uma bola, aloprou na busca. Desabou com gana e não passou pela cerca de arame farpado. A pancada foi grande demais e, quando voltou do impacto, tascou a cabeça num toco de pau de aquariquara e desmaiou. Não achou o boi fujão, mas ganhou a bola. Na impossibilidade de ir até o hospital da cidade, a sangue frio, Dr. Calixto remendou a boca do moleque e deu uma olhada no seu côco para ver se não tinha afundado. A bola, assim, virou uma espécie moeda de enganar besta e anestesiar curativos. Deu certo!

Cinco anos depois desse acontecido, já em 1975, com o olhar perdido da bobeira, Tia Neca não mais cuidou de atiçar os “pau” da fogueira. Seu menino Zé Taveira, engraçado e “enfeitiçado” por Nina Rosa, uma moça velha de seus trinta e lá vai pancada de anos, largou a mãe e foi viver com seu rabo de saia bem longe do Recanto da Serrinha. Desde então ela não quis mais saber de fogueira. Numa cadeira de balangar ao lado de Seu Antonio João de Campinas e do Dr. Calixto, agarrada à bola ganha por Zé Taveira, ela escutava a música preferida do falecido marido Aldenor.

Olha pro céu
(Luiz Gonzaga e José Fernandes)

Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Foi numa noite, igual a esta
Que tu me deste o teu coração
O céu estava, assim em festa
Pois era noite de São João
Havia balões no ar
Xote, baião no salão
E no terreiro
O teu olhar, que incendiou
Meu coração.

Do nada pro nada, deu um pulo e berrou a plenos pulmões:

- Zé Taveira, garoto encapetado, chega aqui seu danado! Ocê num vai correr atrás de boi nenhum! Toma, pega tua bola e brinca aqui perto d’eu e do teu pai! Anda, diabo!

Violenta, arremessou o brinquedo de estimação do filho, ganho na noite em que perseguiu um boi fujão, rasgou a cara e quase teve o crânio afundado.

A bola quicou no terreiro, uma, duas, três e mais vezes. Até que parou...

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Nota: Conto publicado originalmente em Lima Coelho.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Série A POESIA ACREANA > Claudemir Mesquita

“O geógrafo e confrade Claudemir Mesquita é homem de raríssima sensibilidade e possuidor de talento invejável. Tudo quanto diz e escreve ganha um sentido especial, dado o amor que impregna seu fazer, a trilha de sua vida dedicada ao estudo de rios, lagos, igarapés.”
Luísa Galvão Lessa


“O rio, sempre o rio, unido ao homem, em associação quase mística”, estas palavras de Leandro Tocantins se aplicam de modo formidável a Claudemir Mesquita. Se os grandes rios do mundo tiveram o seu poeta e defensor, assim como o Amazonas tem Thiago de Mello, o Rio Acre também tem o seu, e ninguém melhor do que o geógrafo Claudemir Mesquita, que há anos vem se dedicando ao estudo, com vários livros publicados, e a defesa de nossos rios e igarapés, sobretudo. É tanto que, como gesto de gratidão, a Câmara Municipal de Vereadores de Rio Branco o condecorou com o título de Cidadão Verde e Riobranquense.

Num tempo em que a natureza é tão vilipendiada e agredida, ter homens e poetas com a visão e a sensibilidade de um Claudemir Mesquita é imprescindível, pois são eles que não deixam a humanidade fenecer de todo.

Prestamos, aqui, nosso preito de gratidão a esse géografo, poeta, imortal da Academia Acreana de Letras, e, acima de tudo, um ser humano valoroso, que para melhor amar o ser humano, começou respeitando e ensinando a respeitar a natureza.

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O RIO...*
Claudemir Mesquita

O rio é escultor
Memorável

Sua pureza flutua emoção
Em todo ser

Nasceu e se fez grande
Antes mesmo dos homens
Das aves e dos animais

Tão logo habitamos suas margens
Fomos acolhidos e amados

Mas por tola ganância
Teimamos em não respeitar
A obra de vossas mãos

Ecoou então um grito de dor
Quando a floresta o homem
Derrubou

O rio é frágil, finito e dependente
Da cultura e da sensibilidade
De cada homem

* Poema originalmente sem título.


QUANDO NASCI!!!
Claudemir Mesquita

Quando nasci nesta terra
Rios eram vestidos de florestas
A água seguia suavemente
A alternância das chuvas:
Ora baixa, ora alta pêndulo do luar.

Quando nasci nesta terra
Onde havia um rio
Havia um rio de fartura
Água liminocrena da floresta jorrar.

Abrolhar do horizonte inexplicavelmente a vida
O rio era o responsável pela vida
Formação da nossa identidade
Construiu hábitos, costumes,
Ritos e arte

Rio, sol do planeta
Vidas crescentes de águas correntes
Seres
O rio é alguém dotado de limo e lama
Onde o rio está é lá que estarei.

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MESQUITA, Claudemir. Lágrimas. Rio Branco: Gráfica Editora Floresta, 2008.

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Nota: Recomendo ainda a leitura do artigo “O Príncipe do Rio Acre” de autoria da Profª. Luísa Lessa sobre o mais recente livro de Claudemir Mesquita.

terça-feira, 14 de junho de 2011

I FEIRA DE ARTE E CULTURA DO ESPAÇO GAYA-ALDEIA DO SER – RIO BRANCO/AC

Caros artistas acreanos, sobretudo, os que estão iniciando, a artista plástica Simone Bichara está realizando a I Feira de Arte e Cultura, em Rio Branco, em seu próprio espaço Gaya-Aldeia do Ser, um lugar belíssimo e com um ambiente propício para acolher as mais diversas formas de artes! Participe e tenha mais uma oportunidade de mostrar sua arte e seu trabalho ao grande público. Quero deixar o convite sobretudo aos artistas do interior que às vezes encontra tantas barreiras para expor sua obra num público maior e fora de sua cidade.

A I FEIRA DE ARTE E CULTURA DO ESPAÇO GAYA-ALDEIA DO SER SERÁ REALIZADA NOS DIAS 22, 23 E 24 DE JULHO/2011.

Reproduzo, a seguir, o texto oficial disponibilizado
pelas organizadoras do evento ou
poderão também consultar diretamente em

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Atenção Artistas Acreanos!

Vem aí a oportunidade que faltava para difundir a sua arte ao grande público, ganhar espaço junto à imprensa local e oportunizar uma grande ação social e humanitária!
O Espaço Gaya Aldeia do Ser procurando unificar e valorizar as diferentes manifestações artísticas do Estado propõe a I Feria de Arte e Cultura, na qual, reunirá artistas regionais, nas diversas áreas do segmento, visando difundir suas expressões máximas e genuínas.

Compreendendo a necessidade que se faz de viabilizar espaço para a arte nas suas mais diversas facetas, o projeto se pauta na motivação em oportunizar a construção e expansão de literatura, música, teatro, exposições, entre outros, de forma lúdica, una e abrangente. Consolidando assim, a cultura como um todo, desde a sua forma apurada de intelecto até a sua primária de formação humanística.

O evento contará com oficinas, exposições, exibição de filmes de artes, espetáculos, shows, gastronomia e um bazar; para tanto, o projeto conta com a parceria de artistas que estejam interessados em divulgar o seu trabalho (a divulgação será ampla na imprensa local, distribuição de folders e banners e internet), difundirem seus ideais ao grande público e oportunizar uma ação social-cultural, que visa consolidar em um projeto permanente.

A I FEIRA DE ARTE E CULTURA DO ESPAÇO GAYA-ALDEIA DO SER SERÁ REALIZADA NOS DIAS 22, 23 E 24 DE JULHO/2011.

Sendo que no primeiro dia (22/07) a entrada será gratuita para uma festa de abertura, que contará com atrações regionais, fogueira em comemoração a um arraial fora de época e comercialização de comidas típicas.

Nos dias 23 e 24 será cobrado um valor simbólico de R$ 3,00 - preço único - do público em geral (exceções dos artistas que irão se apresentar, imprensa e apoios), para conferir as apresentações culturais, oficinas, shows, peças teatrais, filmes de arte, exposições, etc.

Os artistas interessados a participarem da mostra, favor solicitar a Ficha de Inscrição através do e-mail: gayaaldeaidoser@gmail.com

Até o dia 20 de junho de 2011.


Ps. Como estamos na fase de elaboração da programação, pedimos que a ficha de inscrição seja preenchida e enviada o quanto antes.


Maiores informações: (68) 8115-9555 (68) 8115-9555 (Tim) / (68) 9984-6237 (68) 9984-6237 (Vivo) ou escreva-nos: gayaaldeiadoser@gmail.com

Espaço Gaya-Aldeia do Ser – Rua Antônio Só de Barros, Vila Ivonete – Rio Branco/AC – Atrás da Saudosa Maloca.


"A arte de um povo é um reflexo autêntico de sua mentalidade."
Nehru

segunda-feira, 13 de junho de 2011

NADA É PERFEITO! SÓ DE VEZ EM QUANDO!

Leila Jalul*


Hoje, depois de uma noite de contenda com Deus, amanheci disposta a contar das bodas de Dona Luisinha com o Dr. Mundico ocorridas ontem, na Chácara Vila Verde, especialmente preparada para o evento. Ufa! Desde o ano passado que tava o combinatório e não passava disso. Mas, segundo a própria Dona Luisinha, na sua vida e nas de outros seres privilegiados, as coisas acontecem no dia certo, na hora exata e com tudo o que lhes é permitido. Procede!

Outras pessoas, entretanto, parecem viver de acumular desgostos sobre desgostos. E vem daí a minha insatisfação com Deus. Ele, segundo consta, manda dividir o pão, mas, vem justamente Dele as divisões injustas. E mais: a parte do pão dada aos bichados, costumeiramente, cai com a manteiga virada para o chão. Cansei de dizer isso e já me corrijo: Deus é Deus e sabe o que faz! Quem não estiver satisfeito que peça as contas!

Sob minha responsabilidade estava confeccionar o arranjo de muguetes. Evidentemente que de flores naturais e não aqueles que fazia na base do boleador e da lamparina, como escrevi na crônica Brincar de Voltar. Nada disso! Todas as flores que fizeram parte do bouquet e da decoração da festa eram naturais. Foi um momento de grande emoção. Preparei dois arranjos: um somente de muguetes e outro de muguetes intercalados com botões de camélia. À medida que “tecia” os mimos para Dona Luisinha o pranto rolou suavemente no meu rosto. Voltei no tempo. Revi as minhas imagens, mas, o interessante nesse retroceder, é que não sofri. As lágrimas, antes de dor, foram de alívio! Estavam indo embora aquelas lembranças travosas. A felicidade de Dona Luisinha é real e isso me bastou.

Pois bem, voltando ao assunto que mais interessa, devo dizer que a solenidade de núpcias de Dona Luisinha mais Dr. Mundico foi uma festa perfeita. Bem comparando, foi uma festa de rainha, igual ou melhor que a da Lady Kate e do Príncipe William. Acho que melhor, haja vista que não tinha lá a presença da enfarruscada Queen Elizabeth e do mequetrefe mosca morta do marido dela. As filhas do Dr. Mundico até poderiam estar a remoer suas invejas e ambições, porém disfarçaram a contento. Como engoliram as bílis produzidas, não interessa!

O planejamento foi cumprido à risca: capela, ornamentação de capela, frios, canapés, doces, salgados e o jantar de frutos do mar, nada a dizer. Havia, inclusive, uma escultura de gelo de dois enormes pombinhos se beijando. E o que falar da cascata de camarões? E dos vinhos brancos Corvo Duca di Salaparuta? E dos champagnes Veuve Clicquot e Dom Pérignon (Moët & Chandon)?

Trocando em miúdos, posso assegurar que a mais cafajeste colunista social, acaso ali estivesse, ficaria de queixo caído e sem ter o que dizer, considerando que não faltava uma vírgula. É que uma vírgula, por pequena que seja, atiça maldades no povinho da imprensa marrom desbotada. Não faltou!

O vestido de renda francesa vestiu como uma luva o corpo esbelto da noiva. O preço dele não foi revelado, mas, por baixo, pode-se dizer que foi bem mais caro do que imagina a nossa vã filosofia e a nossa estúpida curiosidade. Dizem que sou hiperlativa e não é à toa! Por baixo, não pelo valor da renda, uns dez mil contos de euros. Vestido vale pela assinatura, também e principalmente! Pareceu-me um Dior.

O tempo de duração do casamento foi cronometrado nos acordos. Os relógios estavam sincronizados com o da torre do Big-ben londrino. Hora impreterível de começar e hora mais impreterível, ainda, de terminar. As pessoas foram anotadas e recebidas mediante a apresentação dos convites. Nada de crianças, nada de penetras! Para a noiva, dispensar as agonias das festas de hoje era questão de honra. Quando a calígrafa preencheu os convites o fez com observância da lista organizada pela noiva. Nada de Fulano de tal e família, O negócio era Senhor e Senhora Vieira Chaves. Dois eram dois e um era apenas um, sem a companhia de mais nenhum! O mais era resto e o resto não foi convidado. Esse pequeno detalhe foi relevante na festa. Não se viu crianças berrando entre os convidados, menos correndo e derrubando a louça inglesa, menos ainda atrapalhando a conversa dos adultos. A exceção somente foi aberta para os netos do Dr. Mundico que, por sinal, comportaram-se como mandava o figurino.

Com olhos de boa observadora não deixei de registrar a alegria do Dr. Mundico. O elegante cavalheiro não estava apenas cumprindo uma mera formalidade de regularizar a união. Nada disso! Estava ali um homem que amava a companheira acima de todas as coisas no mundo. A expressão desse amor era visível até no simples gesto de segurar as mãos dela. Ao beijá-la, no final da cerimônia, foi como se agradecesse a Deus pelo amor que dela recebia. Deixou transparecer uma verdade que poucos sabem exteriorizar. Um momento lindo! O mais lindo que pude registrar! Um momento de enternecimento e carinho.

Outro destaque foi a marcação de lugares nas mesas. Conhecendo muito bem o seu eleitorado, com critérios bem objetivos, aproximou os mais próximos e criou uma ala especial para os mais distantes. Quero dizer com isso que o povo de umbanda era o povo de umbanda e o povo de outras bandas era o povo de outras bandas. Nada de misturas. Realmente Dona Luisinha é mestra em tudo que realiza. Na saída, das mãos do casal, os convidados receberam além do tradicional bem-casado, numa embalagem finíssima, uma outra lembrança nada convencional: uma pequena caixa transparente vaporizada com Chanel n. 5 contendo um ramalhete de muguetes e um cartão de agradecimento pela presença.

Ao despedir-me, não foi possível conter a língua e sugeri que Dona Luisinha aproveitasse a lua-de-mel em Portugal fazendo uma viagem de barco no Rio D’Ouro.

- Como você ficou sabendo que vou para Portugal?

Ciente da mancada não pude deixar de revelar que soube pela Glorinha. Elas são brancas e vão se entender. Espero!

Meu motorista já estava na frente da Chácara. Entrei no carro, troquei as sapatilhas pela surrada chinela de dedo e fui para a casa de Mariette. Nem acabei de chegar e já fui contando do casamento espetacular de Luisinha e Dr. Mundico. Fiquei de língua seca, mas contei tudo. Mariette só me olhava e balançava a cabeça, com cara de abobalhada.

- Não está acreditando, Mariette?

- É claro que estou! É que estava lembrando o meu casório que foi um verdadeiro conto de terror! Vovô Sabino decidiu morrer na véspera! Imagine com que cara estava minha mãe no altar! Saiu do cemitério direto para a cerimônia do casamento. Rosto inchado, nariz avermelhado, mal se mantinha de pé. O Hotel da cidade turística onde iríamos passar a lua-de-mel cancelou nossa reserva e ocupou a vaga. Com muita luta conseguimos um pardieiro duas estrelas e lá ficamos. Sem ar condicionado, sem TV a cabo, pense só no abacaxi! Foi brochante!

- Caramba, eu não sabia disso!

- Você não sabe é de nada! Casei num mês de agosto, quente pra dedéu e o banquete arruinou. Maionese podre, arroz azedo e o creme do macarrão já dando sinais de decomposição. Entrei em desespero e mandei jogar tudo no lixo. A minha tia Malva tem mania de colocar pimentão, tomate e ervilhas em qualquer comida. Não deu outra! Estes ingredientes são os grandes vilões para as comidas preparadas com antecedência. Em terras quentes, claro! Por sorte havia alguns centos de salgadinhos que aliviaram a barra. No dia seguinte, fiquei sabendo, foi um comentário geral. Comentários mentirosos, diga-se, uma vez que ninguém provou das comidas estragadas.

- Um prejuizão, hein, amiga!

- Olhe, se o prejuízo tivesse sido apenas este, seria irrelevante! Você conheceu a mãe do Leandro?

- Não!

- Então não sabe o que é prejuízo! Nem o que é inferno!

Diante do que ouvi vou escrever um conto sobre o meu casamento. Não agora. Não estou nem um pouco disposta a ter outro enfrentamento com Deus. Por hoje prefiro ficar limpando a mente com a lembrança do casamento de Lady Luisinha e Dr. Mundico. É mais sadio e faz bem pro coração e pras vistas. Agora é dormir, sonhar... e desejar ao “novo” casal uma vida plena de desfrutes e prazeres. Eles merecem! Seja na Chácara Vila Verde, seja em Paris, seja em Lisboa, eles merecem!

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* Leila Jalul é escritora acreana. Autora, entre outros, de "Das cobras, meu veneno" (2010).

segunda-feira, 6 de junho de 2011

"ACRI" - José Alves dos Santos


As mariposas enlaçam seus pares,
Nas luzes enevoadas do ambiente,
As musas perfilam-se montadas por garrafas, copos
e mulheres,
A cerveja soa e ri dos copos secos.

O canto do poeta confunde-se com o palavreado
das ninfas,
E as risadas barulhentas dos seguidores de baco,
Lá fora os natívagos rolam e enlambuzam-se na
lama fétida
do Altiplano papouquiano,
é madrugada.

A república está inquieta,
Os tempos de glória: tomada de Xapuri e Puerto Alonso
Afloram no cérebro dos revolucionários de 24 de
janeiro,
Na pessoa dos netos e bisnetos...
Num brinde uníssono entre: brabos, arigós, índios,
caboclos,
paulistas, paranaenses, bolivianos, peruanos,
ingleses, americanos e
peões dantinianos.

A orquestra na batuta do mestre Pedrinho da Estação.
Zezinho no saco, compadrinho no banjo, Lona no
controle do som,
Empina Jó na bateria e Roberto Roberto cantanto,
Segura o ritmo do velho Biriba – O Saloon do
Inferno Verde,
Do pulmão do mundo, da hiléia dos coronéis de
barranco.

De repente – A orquestra pára – silêncio...
Uma voz anuncia: Tenemos uma buena notícia:
“Anália, nesse instante, acaba de aportar na
beira do Rio Acre –
Local denominado: Praia Copabase e trouxe de Belém e
Manaus,
No Benjamin, uma encomenda do Coronel Raimundo
Sargento de 100 putas”.
Tumulto geral: Homem largando homem, a velha Deodora,
A única feminista do baile – fica desconsolada,
Há um corre-corre em busca das mulheres:
Uns vão de burro, uns de canoa, uns de chata, outros
de ônibus,
Outros de regatão e nosotros de Boeing.

A notícia chega aos ouvidos de Galvez,
Que nessa hora estava reunido com o Chico Doido,
Prefeito respectivamente de Penápolis e Rio Branco,
Hablando sobre a ponte de cima e ponte de baixo,
Que ligaria o Alto Purus ao Alto Juruá,
E outros projetos como a transamazônica, a
perimetral norte,
O projeto Jari, o Projeto Carajás, a Mono-Grande-
Pecuária
E a construção do Teatro Amazonas. – A reunião é
Suspensa –
Galvez ordena ao comandante que reuna todos os homens,
O policiamento vai butar orde no local, os políticos,
as autoridades municipais, civis, militares e
eclesiásticas são convidadas –
Todos foram acolher a comitiva da Anália.

A grande festa foi marcada para o Dia Nacional de
Devastação e Desertificação da Amazônia,
Todo dia naves espaciais multicoloridas descem no
aeroporto,
Internacional com convidados da F.M.I., BIRD, BM
BANCO DA AMAZÔNIA,
E representantes do Banco dos Seringueiros,
castanheiros,
Madeireiros e outros eiros da Amazônia legal,

A festa está prestes a começar,
O Biriba vai renascer imponente e sagrado,
Uma salva de tiros de espingarda – quebra o silêncio,

“Let’s Go Everybody to play, to dancy, to drink
and to love with peace and without war”.
Depois discursos de putas, putos e prostitutos,
A festança começou.

O inesperado acontece: os bolivianos cercam o
Papouco.
E representantes
Imediatamente as oligarquias, os coronéis de
barranco,
E representantes do Bolivan Syndicate – Reagem:
“lutar até morrer”.
O fogo está cerrado – o Biriba vira trincheira,
A aflição aumenta, todos temem morrer – quem dos
leitores não teme?
O padre Pedro reza, pede aos Deuses que
ressuscitem os revolucionários de 24 e se
esconde no quarto da Anália,
A seringueirada, os índios e os peões entram na
linha de frente da batalha,
Galvez e Plácido reunem-se com as oligarquias e
coronéis de barranco no Palácio Central,
O clarão das bombas atômicas e das bombas de
neutrons,
Alumiam toda a cidade – substituindo a eletrovela,
Há muito choro,
Mães aflitas,
Corpos ensanguentados rolam barranco abaixo,
Manchando as águas barrentas da praia do Papouco.

Mas, no meio do conflito – o Chiquinho do tambor,
A Maria do saco plástico e a mulata da praça – cantam
em coro
As músicas do Da Costa: OH! Rapaz... Essa mulher do

Papo-uco...
Um garoto passa no fogo cerrado, gritando: Gooolll
do Flamengo
Gooolll do Zico, Goooooooooooollllllllllllllllll.

Nem tudo está perdido:
Eis que surge na canoa – Barão do Rio Branco –
Itamaraty & Cia,
O cumpadre Zezinho que num gesto heróico, puxa do
saco plástico um baita crucifixo e grita: Viva a
república independente do Papouco,
Viva o Papouco.

O Vate tava tomando umas e outras
Junto com Castro Alves, Homero, Byron, Dante
Virgílio, Shakespeare, Goethe, Whitman, Ênio Vinicio,
Danielle e Hélio Melo – assistiu tudo boquiaberto –
Pagou o débito,
Dormiu,
Pela manhã foi trabalhar de peão para os donos do
Aquiry,
Lá no seringal Desengano, colocação Vai-Quem-Quer.

A festa já terminava,
Quando os repórteres chegavam: Fotos, Fatos,
Manchetes.
The End.

Só isso.


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Nota: Poema retirado do livro “Algumas Poesias Acreanas” (Recife: Editora Massangana, 1982), publicado pelo Serviço Social do Comércio do Acre, em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco e Fundação Cultural do Acre. O poema é belíssimo e mostra a versatilidade do poeta, o jogo de imagens e metáforas, entrelaçados por um senso crítico e domínio da história acreana. Assim, se utiliza, com maestria, dos elementos históricos do passado para construir-denunciar a história do presente. Enfim, uma pequena obra-prima, que não pode passar despercebida ante nossos olhos. José Alves dos Santos, segundo nos foi informado, é atualmente delegado da Polícia Civil em Rio Branco, sendo um dos mais respeitados pelo seu trabalho, prestado com seriedade e ética, além de ser conhecido pela sua preocupação com o social.

Imagem: História Multimídia de Xapuri.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

AS PALAVRAS FAZEM HISTÓRIAS DE VIDA

Profª. Luísa Galvão Lessa


O texto fala de palavras que contam histórias, pois a vida se constrói por meio das palavras, não há outra forma. Por isso mesmo alguém já disse que há palavras que nos atrapalham e outras que nos ajudam a viver. A escritora Clarice Lispector certa vez disse: "Mas você sabe que a pessoa pode encalhar numa palavra e perder anos de vida?"

E como seria isso possível, alguém encalhar numa palavra? Seria mais ou menos assim: a pessoa segue a vida como se estivesse dentro de um barquinho e, repentinamente, encalha numa palavra. Pode ser qualquer palavra: espírito, pai, trabalho, medo, paixão, aposentadoria, inconformismo, esperança, grandeza, alma, ferida, dor, ladrão, fome... Algumas palavras são paralisantes. O Brasil, por exemplo, já encalhou na febre amarela, na ditadura, na censura, na inflação. Agora está encalhado no desemprego, na corrupção, no subdesenvolvimento, na má política educacional, má saúde, falta de trabalho, muita fome.

Percebe-se, então, dos exemplos aqui postos, que com essa forma de se plantarem na nossa vida, as palavras alimentam-nos e nos matam, são remédio e veneno, iguais aos produtos de uma farmácia, são drogas que matam ou curam. De sorte que é uma questão de alquimia verbal saber administrá-las. E Aurélio Buarque, o farmacêutico de plantão, aconselha: “temos que dar oportunidade às palavras”. Quer dizer: elas não podem ficar por aí desprezadas no amorfo dicionário, têm de ser desfrutadas, expor-se à luz do nosso prazer, no uso de nossas vidas.

Como saber quais palavras paralisam ou constroem nossas vidas? É um exercício simples:: com um lápis e um papel a gente anota as palavras que paralisaram ou fizeram nossa vida avançar — palavras-coisas, palavras-pessoas. Depois, a gente analise como superá-las, vencê-las. Ao fazer isso a pessoa estará saindo das dificuldades, é um caminho, uma sugestão nessa luta da vida com as palavras.

Vê-se, então, que as palavras são espelhos d’alma. Elas traduzem os momentos de felicidade ou infelicidade de nossas vidas. Elas participam do nosso viver: encalham, reencalham, desencalham, são paralisantes, plantam-se na nossa alma, alimentam-nos, fuzilam-nos, são remédio e veneno, drogas para matar e para curar, não podem ser desprezadas, têm que ser desfrutadas, enfim, são palavras-coisas, palavras-pessoas.

Assim, esse dinamismo das palavras está relacionado à multiplicidade de sentidos que elas podem adquirir em função dos diferentes contextos e situações de uso. A essa multiplicidade de sentidos, chamamos de polissemia. Certas palavras têm uma história tão interessante que vale a pena contá-las; elas são parte da própria história e nos ajudam a entender melhor o mundo em que vivemos e o mundo do qual viemos. Deleitemos-nos, pois, com essas palavras que contam histórias.

A palavra escravo serve para que tenhamos uma visão mais ampla do problema da escravidão, muitas vezes situada apenas em termos da escravidão negra. Faz-se necessário entender que a escravidão era uma prática plenamente aceita, assim como a guerra e o saque, em tempos bem mais cruéis que os atuais. A escravidão primordial, que se estendeu por toda a Antigüidade, era basicamente uma escravidão de homens brancos, o que é cabalmente demonstrado pelo fato de a palavra escravo ser oriunda de sclavu(m) que, por sua vez, provém de slavu(m), que significava eslavo, um povo que vivia nas fronteiras do Império Romano e era freqüentemente capturado para servir de escravo. Daí a evolução do significado da palavra para o significado que permanece até hoje.

A palavra amor tinha originalmente um sentido passivo, indicando a qualidade de ser amado; será a influência germânica, com sua sociedade que valorizava bem mais as mulheres do que a sociedade romana, que transformará o sentido da palavra amor em ativo, indicando o sentimento de amar.

Finalizando o artigo, diz-se que o verdadeiro valor das palavras não se encontra no fato de elas serem ditas por lábios belos, com suavidade, gentileza e eloqüência, mas quando elas são proferidas com sabedoria, sobre uma verdade, e ditadas pelo coração daquele que fala.

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* LUÍSA GALVÃO LESSA é Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestra em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Ocupa a cadeira de número 34 da Academia Acreana de Letras. É colunista do Jornal A Gazeta (Acre) e do Site Gosto de Ler.