Profª. Inês Lacerda Araújo
No curso Nascimento da Biopolítica (Collège de France, 1978-1979) Foucault continua o curso anterior sobre o tipo de governo centrado na razão de Estado. Razão de Estado como uma arte de governar, é analisada por um novo ângulo. Não o da história dos regimes políticos, mas a de uma prática de governar o Estado, um tipo de racionalidade, de cálculo, responsável, ao mesmo tempo, pela construção do Estado, o enriquecimento pelo acúmulo monetário, que ocorrre paralelamente ao aumento populacional e à concorrência entre países. Outro aspecto é a organização policial e um aparelho militar e diplomático para tentar um equilíbrio na Europa. O Estado nada tem do monstro frio, no estilo do Estado absoluto analisado por Hobbes, mas sim um modo de governar que surge no século XVII, bem diferente dos Estados medievais centrados no poder soberano e teocrático, em que o direito era exercido pelo rei.
No século XVIII ocorre nova transformação, que ampliou e serviu para melhor implantar a razão de Estado. Não é possível governar sem a economia política, é preciso organizar, distribuir e limitar os poderes, manter certo equilíbrio para haver concorrência. Os governos despóticos serviam muito bem ao controle e expansão da economia. No lugar de questionar a legitimidade de suas práticas, esses governos precisam controlar os efeitos de suas práticas, serem bem sucedidos, algo tipicamente utilitarista.
A pergunta que os governantes se fazem é: será que eu governo bem dentro desses limites do que é necessário para lidar com a natureza das coisas?
E isso é o liberalismo, ele requer a criação de métodos próprios para definir os limites das práticas de governo. A abordagem de Foucault não envereda pela costumeira crítica (e condenação) ideológica de governos. Ele faz análise histórica das práticas de governar.
Neste sentido, o liberalismo que nasceu na segunda metade do século XVIII, permanece nos governos europeus dos anos 60 e 70, diz Foucault.
O mercado regula preços por meio de seus "mecanismos naturais". O poder público intervém para aparar os efeitos de mercado não desejáveis para a própria capacidade de governar. Qual é o valor em termos de utilidade do governo e de suas ações, em uma sociedade em que a troca determina o verdadeiro valor das coisas?
O neoliberalismo propõe não apenar deixar o mercado ordenar-se naturalmente, como o liberalismo, mas ainda que os governos sigam regras institucionais e do direito. Assim se instaura uma ordem social regrada economicamente pelo mercado. Há uma valorização da "empresa" como principal agente econômico. Nasce assim, segundo Foucault, uma nova arte de governar, que atende ao chamado "capital humano", certo nível de emprego, de renda, de saúde da população, isso tudo é necessário para o Estado funcionar. E também indivíduos treinados, aptos a desempenhar o papel de "empreendedores de si mesmos".
Essa é nossa atual "arte de governar": mercado, regras institucionais, indivíduos produtores e, claro, consumidores. A cada crise, é isso que governos precisam salvar para manter a concorrência e a produção. As ações se transformam em "desafios". Desapareceram termos para analisar e propor metas, como "dificuldade", "problemas" e os planificadores, os empreendedores preferem o termo esportivo, concorrencial "desafio".
Viver se tornou uma corrida de obstáculos!
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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos.
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