terça-feira, 30 de maio de 2023

O DRONE DE YEBÁ BURÓ: um poema cosmopolítico


A TATARANETA DE YEBÁ BURÓ

Thiago Roney

 

Eu sou a Ângela Boreka,

tataraneta de Yebá Buró,

nascida da fibra de Miriti

na periferia de Manaós.

Batizada no rio Negro e

No vermelho – de sangue –

do exército de reserva indígena

do Pólo Industrial de Manaus.

 

Refundei mais de dez cidades

– àquelas que existem em nós –

– goela adentro e também afora –

todas contidas no mapa da memória.

 

Desde cedo, destinada à cachaça,

o anti-ipadu da civilização e da massa,

traguei seus delírios gélidos e elétricos

dentro do mosaico líquido deletério

da república bêbada de pobreza e esquecimento

nas palafita de mudo gemido f-lutuoso (à moda filgueiriana)

fincadas na várzea da desolação e da desgraça:

a ventura da vida urbana amazônica

– fiança do PIM para morrer no crédito.

 

Resistir a prumo de entrar

no sindicato dos inválidos,

bastavam as etílicas porradas e

as aparições trágicas do boto escroto

do homem chamado pai, pátria e patrão.

 

Afundei também outras cidades da ilusão,

as cidadelas das igrejas-empresas de deus

& das drogas ilícitas & outras canções malignas.

 

Eu ameríndia dessana de peito-flecha teimosa,

naveguei na nossa sufocada história,

massacrada e aterrada pelos deuses em voga,

para entrar na cidade-maloca sem fim

na selvagem poesia do vazio adentro e afora.

 

Na universidade quis conhecer o drone do mundo,

encontrei um grande supermercado do passado

& do presente com produtos sem futuro,

nenhuma mercadoria trazia a diversidade

as cores e os batuques dos meus antepassados,

somente a sinfonia dos vencedores que entorpece tanto:

as canções históricas do homem branco.

 

Eu ameríndia dessana de peito-flecha teimosa,

naveguei na nossa sufocada história,

massacrada e aterrada pelos deuses em voga,

para entrar na cidade-maloca sem fim

na selvagem poesia do vazio adentro e afora.

 

Angustiada com o mundo mínimo,

refugiei me no Zen-budismo.

Desiludida com a academia,

reinventei-me na poesia.

Desamparada com a política parlamentar,

reorganizei-me nas lógicas imprevistas.

Para todos os barões e tubarões,

sou apenas uma ruína mal paga e maldita:

professora, poeta, zen e índia

sem riso, sem terra e sem floresta.

 

Eu ameríndia dessana de peito-flecha teimosa,

naveguei na nossa sufocada história,

massacrada e aterrada pelos deuses em voga,

para entrar na cidade-maloca sem fim

na selvagem poesia do vazio adentro e afora.

 

Mas sou muito mais que isso,

o zazen, o kenshō e o satori

transfiguraram-me

num potente peixe-pajé,

com os olhos sempre abertos

para a verdadeira realidade do que se é,

dispondo me em permanente samādhi,

a condição do intenso onçar do coração,

para o reencontro abissal com a mítica avó,

deixando-me furar pelo drone de Yebá Buró.

 

Mas sou muito mais que isso,

sou nada mais que as formas,

sou nada mais que o vazio,

[nós somos cada um uma forma]

“a forma é o vazio, e o vazio é a forma”.

 

Dentro deste vazio eu sou uma pedra sólida

                                        que é o próprio vazio.

Dentro deste vazio eu sou os humanos e não-humanos

                                        que são o próprio vazio.

Dentro deste vazio eu sou a poesia de ninguém

                                        que é o próprio vazio.

 

Dentro deste vazio,

                                         absoluta-mente

 

eu sou a Ângela Boreka Këhíri,

eu sou os Dessana Kéhíripõrã,

eu sou o homem que ateou fogo no próprio corpo na Cidade das Luzes,

eu sou a constelação de povos ameríndios do Parque das Tribos,

eu sou os mais de dois mil Waimiri-Atroari assassinados na ditadura civil-militar,

eu sou o homem que desenterrou a avó do túmulo para dançar com seu cadáver,

eu sou a floresta amazônica queimando todo dia e sua tórrida cinza,

eu sou a mulher que desenterrou avó do mundo para dançar com o vazio,

eu sou o drone de Yebá Buró,

eu sou a própria Yebá Buró

                                        que é o próprio vazio.

 

RONEY, Thiago. O drone de Yebá Buró: um poemacosmopolítico. Manaus: Valer, 2022. p. 41-45

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domingo, 21 de maio de 2023

AGULHA DE COSER O ESPANTO: Diego Mendes Sousa

Depois de “Rosa Numinosa” (2022), o poeta parnaibano Diego Mendes Sousa apresenta, ao público, a obra “Agulha de coser o espanto” (2023), o seu mais recente poemário, publicado pelo Instituto Amostragem, do Piauí.

O livro traz um prefácio assinado pela saudosa Nélida Piñon (1937-2022). Com textos, ainda, do imortal Carlos Nejar, na quarta-capa; e a orelha assinada por João Carlos Carvalho, estudioso da obra completa do poeta. A capa e as ilustrações são de autoria de Irineu Santiago.

Nélida Piñon, assim destacou, no prefácio:

“uma poesia bela, muito poderosa, um fluido de vida. (...) E tem um percurso brilhante, de bela genealogia épica e lírica, com traços da grande prosa (e com traços bíblicos), além do mergulho na origem sentimental das pessoas, de cada existência (...)”

Diego Mendes Sousa nasceu em Parnaíba, no litoral do Piauí. Poeta, jornalista, advogado, indigenista, com atuação em Cruzeiro do Sul, vale do Juruá, Acre. É autor de Divagações (2006); Metafísica do Encanto (2008); 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (2010); Fogo de Alabastro (2011); Candelabro de Álamo (2012); Alma Litorânea (2014); Coração Costeiro (2016); O Viajor de Altaíba (2019); Gravidade das Xananas (2019); Tinteiros da Casa e do Coração Desertos (2019); Velas Náufragas (2019); Fanais dos Verdes Luzeiros (2019) e Rosa Numinosa (2022).

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AVE DOÍDA

 

O poeta

é aquele

ser risível

que opera,

pesa, sente,

sangra

e galopa

insano.

 

Dói

o espanto

e se

descoisificam

os nomes.

 

Como dói o espanto?

Como dói o espanto!

Como dói o espanto.

 

O poeta dói-dói

é essa ave doída

ridícula e ferida

que sonda

o abismo

o tempo

a vida

 

as ruínas

 

e voa

só voa só voa 

só voa

 

***

 

CERTEZA

 

Poesia

é o pássaro

afogado

no mar

 

o peixe alado

sobre a terra

firme

 

a luz fugidia

na manhã

 

o diáfano 

no deserto

 

o rosto

sem tempo

 

a matéria

sangrenta

 

o vento

estático

da vida

 

e o segredo

 

Poesia

é a fé

e a febre

 

a dor e o amor

 

o olhar

no silêncio

e o degredo

 

a mudez do grito

a vela do incêndio

a ausência

do destino

 

Poesia

é o pensamento

é o sentimento

é o deslumbramento

desse canto

amargo

 

Antes de tudo

e depois do nada

 

o fim do começo

e o início do fim  

 

Poesia

é a mãe

do mistério

e a solidão 

da sombra

 

(a casa

íntima

da alma)

 

Poesia

é a agulha

de coser

o espanto 

 

a vaga lírica

a tristeza da alegria

magra

 

o encanto

 

* * *

 

CONSTATAÇÃO

 

Poesia

é uma coisa

de doido.

 

* * *

 

REVELAÇÃO

 

Poesia é uma doída

consoada ao nada.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

À PRAÇA

Eneida (1904-1971)

O assunto desta crônica talvez pareça – principalmente para a crítica cruel dos meus amigos – uma demonstração de vaidade, sentimento inconcebível numa mulher banal. A crueldade crítica de meus amigos não deve espantar ninguém. Só é amigo aquele que critica com justeza e força, uma vez que aos inimigos cabe apenas, exclusivamente, destruir, negar, liquidar. Isto posto, devo dizer que sou forçada a fazer esta declaração que talvez melhor ficasse num canto de página, como matéria paga e título em negrita: “À praça”. E todos sentiriam, desde logo, que a mencionada praça nada teria a ver com o comércio em geral ou em particular. A praça seria os meus queridos leitores e os meus citados e implacáveis amigos.

O fato é que várias pessoas querem saber seriamente por que assino apenas o meu nome de batismo, por que risquei definitivamente meus sobrenomes. Há os que dizem: qualquer mulher com o nome igual ao teu poderá se dizer autora de teus trabalhos. Outros acham que parece um esnobismo, um cabotinismo, essa história de aparecer sem o nome do pai, principalmente. É por tudo isso que vou declarar à praça que não tenho sobrenomes, que nunca usei e que sinto-me profundamente feliz homenageando de alguma maneira todas as Eneidas existentes neste país. E deve haver lindas, inteligentes, boas; deve haver feias, más, tristes, pobres e a todas homenageio fraternalmente, pois que afinal somos irmãs, no nome.

De onde vieram vocês, como e por que se chamam assim? O meu nome foi um presente – sim, perdoem todos, mas gosto muito dele – de uma mulher maravilhosa, tão bela, tão alegre, tão inteligente que, apesar de estar de mim definitivamente separada há anos, muitos anos, ainda existe dentro de meus olhos. Dela sei de cor, até hoje, os gestos de mãos longas, o riso de dentes claros, a alegria constante e o som que algumas palavras adquiriam em sua voz. Foi com ela que aprendi o valor de certas palavras e determinados sentimentos: morte, amor, vida, sonho, luta. E outras mais longas: lealdade, persistência, coragem. Principalmente coragem.

Para dizer verdade, devo confessar que tenho sofrido muito com o meu nome. Os trocadilhos – infames, muito infames – já puseram frios e arrepios na minha espinha dorsal. Tenho livros oferecidos por autores nacionais dizendo, por exemplo, assim: “a última edição da Eneida”. Outro diz “a mais primorosa edição”. Como veem, tive razões de sobra para os arrepios. Havia também (ou melhor, ainda há hoje, se bem que em menor escala) cavalheiros que depois de apresentados sentiam coceiras culturais e perguntavam: – “de que Virgílio?” ou coisa parecida. Também não poderei esconder que alguns falavam em Homero, confundindo assim gregos e latinos. Afinal, não dizem vários autores que Virgílio andou copiando Homero para escrever a Eneida? Felizmente os tempos mudaram e os rapazes do futebol tomaram conta de tudo neste país, jogando para o lixo definitivo Virgílio e outros cavalheiros desnecessários.

Como meu nome de batismo deu todo esse trabalho à minha vida, resolvi um dia mantê-lo solto, limpo, sozinho, meio desafiante. E assim estou com ele homenageando, como disse, todas as mulheres que tiverem um nome idêntico. O que tenho feito na vida é tão simples, tão banal, tão possível de ser realizado por todos, que meus sobrenomes nada viriam acrescentar ou grifar.

Assim fica bem claro que assinando como assino não levo nenhum cabotinismo, nenhuma vontade “de me faire remarquer” (como se dizia no meu tempo de Sion) e também nenhum desdouro pelo nome simplório de meu pai, caboclo paraense semianalfabeto que um dia a borracha enriqueceu. Minha árvore genealógica é simples, de galhos curtos, completamente despida de grandeza. Uma árvore perdida entre milhares de árvores da floresta amazônica.

Saudando as Eneidas e pedindo que usem de mim, de meu nome, fazendo dele o que bem lhes aprouver, deixo à praça esta declaração.

 

ENEIDA. Cão da Madrugada. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954. p. 144-146

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Eneida (1904-1971), jornalista, militante política, feminista e escritora paraense, falecida no Rio de Janeiro. Autora de Terra Verde (1929, poesia), Cão da Madrugada (1954, crônica), Aruanda (1957, crônica), História do Carnaval Carioca (1958, ensaio) e Banho de Cheiro (1962, crônica).

sexta-feira, 12 de maio de 2023

SÓLON DA CUNHA, O FILHO DE EUCLIDES DA CUNHA ASSASSINADO NO ACRE EM 1916

JORNAL OFICIAL – Semanário da Prefeitura

Ano I – 21 de maio de 1916 – número 6

Cidade de Tarauacá

 

COMO SE DEU O LAMENTÁVEL ACONTECIMENTO

Para o conhecimento de todos reproduzimos na íntegra os ofícios enviados ao Exmo. Sr. Dr. Prefeito pelo Sr. Dr. Sancho Pinto Ferreira Gomes, escrivão da polícia que acompanhou o nobre delegado Sólon da Cunha, na trágica diligência:

 

Vila Feijó, 12 de Maio de 1916.

Exmº. Sr. Dr. José Thomaz da Cunha Vasconcellos, m.d. Prefeito de Tarauacá.

 

Com o mais profundo pesar, cumpro o dever de levar ao conhecimento de V. Ex. o lamentável incidente em que foi vitimado o nobre e saudoso Delegado Auxiliar de Polícia deste 2° Termo, cidadão Solon da Cunha, no dia 6 de maio, sábado, às 9 horas da noite.

Sólon da Cunha (no primeiro plano, à esquerda) e o irmão Euclides Filho conversam com o jornalista Leal de Souza, em 1909, dia seguinte ao assassinato de Euclides da Cunha. Revista A Careta, 21/8/1909 edição 64, p. 28.

Pelo ofício número vinte e quatro, aquela autoridade comunicou a V. Ex. que iria fazer a diligência para abrir inquérito e prender os culpados da tragédia do dia 21 de abril, da qual foram protagonistas João Muniz Correia Lima, sócio da firma Correia Lima & Cia, seu irmão Francisco Muniz Correia Lima, seu aviado e criminoso impune Antonio Sobralino de Albuquerque, seus fregueses João Ribeiro, Pedro Paulo Pessoa (vulgo Pedro Coxo), João Ignácio, José Malaquias, Frutuoso de Tal e mais 28 homens armados de rifles e em balados, cujos nomes ignoro, dos seringais Santa Cruz e Sant’Anna; e Possidonio de Oliveira, sócio da firma Cardoso & Oliveira, João Nogueira e o velho João Baptista Lima, José Candido de Oliveira e Manoel Monteiro, do seringal Mira-Flores, tendo sido assassinados os três primeiros deste seringal, e se evadido os dois últimos.

Dos seringais Santa Cruz e Sant’Anna somente consta ter sido ferido, com uma bala no braço esquerdo, perto do ombro, Francisco Muniz Correia Lima.

Partindo dessa Vila, no dia 1° deste, às 6 horas da manhã, chegando no seringal Mira-Flores do rio Jurupary, propriedade de Cardoso & Oliveira, deste 2° termo e do 7° distrito de polícia no dia 4 às três horas da tarde, acompanhado pelo cabo e duas praças aqui destacadas; aí foram notificados 8 homens deste seringal e partimos no dia seguinte a 1 hora da tarde para o local das gravíssimas ocorrências que já aludi. Pernoitamos numa barraca do seringal Mira-Flores, de onde partimos no dia 5 às 8 horas da manhã passando ainda às 10 horas na barraca de “Carneiro”, e às duas horas da tarde passamos na barraca “Maracujá” pertencente ao seringal Santa Cruz, propriedade dos senhores Correia Lima e Cia. e aí efetuamos a prisão de Mariano e Bernardino de tal, fregueses da firma, que nos acompanharam até a barraca dos “Ambrosio”, nas proximidades da qual prendemos ainda Luiz de Almeida, que nos acompanhou também. Ao chegarmos à referida barraca fez-se um reconhecimento verificando-se que lá encontravam-se quatro indivíduos preparados para resistir a quem chegasse, pois estavam deitados em suas redes com os rifles ao alcance das mãos. O preso Luiz de Almeida fez ver ao delegado que dois daqueles homens entregavam-se resistindo, porém, outros dois, efetivamente assim aconteceu. Dissera ainda Luiz de Almeida, que tendo morto um nambú e indo deixá-la na barraca aos companheiros, momentos antes de ser preso, os encontrou todos quatro de rifles em punho e os quaes lhe disseram: Quando você se aproximar da barraca, faça sinal gritando de longe. Depois de estarmos senhores do terreno, o delegado saiu na frente do terreiro, acompanhado pelo cabo, os dois soldados e os notificados, ficando eu e Luiz Barroso guardando os três presos, entrincheirados na boca de uma estrada de seringueira, a cinco metros de distância da dita barraca, indo o delegado um pouco adiante pediu licença subindo as escadas da barraca, e disse: sou delegado de polícia. Os dois atacaram-no de rifles em punho, tendo o criminoso Francisco Leandro disparado seu rifle no delegado e o projétil atinjindo-o nas proximidades do umbigo, do lado direito. Apesar de ferido Solon desfechou um tiro no peito do assassino prostando-o e deu ordem de fogo, no que foi obedecido, caindo em seguida o outro companheiro que de rifle em punho jurava vingar a morte de Francisco Leandro, o qual chamava-se Bernardino de tal; os outros dois aproveitaram-se da ocasião e evadiram-se em vertiginosa carreira. Tudo isso não demorou mais que dois minutos. Sendo sabedor por Luiz Almeida, freguês de Correia Lima e Cia., que a uma hora de distância se achava em uma barraca o criminoso Antonio Sobralino de Albuquerque, aviado da dita firma acima, com nove homens armados, de rifles esperando qualquer aviso, achei prudente, regressar dali em continente para obter socorro para o delegado que estava mortalmente ferido e fiz partir a toda pressa dois dos notificados, Luiz Barros e Alexandre Albuquerque para buscar medicamentos no barracão Mira-Flores e gente. Já eram seis horas da tarde e receiava-se um novo ataque, tratando logo da condução de Sólon, em uma rede que se fez, partindo dali às 6 horas da tarde, e assim andamos em busca da barraca “Revolta”, por um varadouro horrível até 9 horas da noite, hora em que o saudoso delegado fez parar o pessoal e perguntou se estava com a fala mudada dizendo estar quase cego, dando em seguida um longo suspiro e disse: aí meu pai! Assim faleceu o nobre e distinto brasileiro Sólon da Cunha, no sagrado cumprimento de seus deveres. Prosseguimos com o cadáver até a uma hora da madrugada, ora por varadouros, ora por estrada de rodagem. Ali esperamos que o dia amanhecesse. Demos-lhe sepultura nas proximidades da barraca de Carneiro de tal, freguês da firma Cardoso & Oliveira, do seringal Mira-Flores. Após ter-lhe dado sepultura, segui para o seringal acima citado e de lá regressei a esta Vila, conduzindo Luiz Almeida e mais três testemunhas que presenciaram as ocorrências de 21 de Abril passado, bem como cinco rifles, que apreendi à uma hora na barraca “Maracujá” e os quatros últimos na barraca dos “Monteiros”, onde se deram as tristes e lamentáveis ocorrências que acabo de expor.

Sólon da Cunha, em foto dedicada à mãe Anna de Assis. In ELUF, Luiza Nagib. Matar ou morrer: o caso Euclides da Cunha. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 112

Cumpri-me ainda levar ao conhecimento de V. Exa. que o brioso e nobre Sólon da Cunha, ao sair desta Vila, para a infeliz diligência, despediu-se de todos dizendo ter certeza de morrer, na mesma, ao ponto de ter deixado cartas para a sua noiva e seu irmão; apezar disto sempre alegre, delicado, destemido como bravo, colocando sempre o sagrado cumprimento de seus deveres acima de tudo. Com o desaparecimento do morto ilustre perdeu-se um dos leais e dedicados servidores, e a “pátria brasileira” um moço de honestidade reconhecida e de um caráter puro e sem mancha, virtudes estas que rarissimamente se encontram em nosso país, que chora a falta de homens da fibratura de Sólon da Cunha.

                                                Saudações,

                                    Sancho Pinto Ferreira Gomes

 

Referência

MESQUITA JUNIOR, Geraldo. O Acre e a vida dramática de Euclides da Cunha. Brasília: Senado Federal, 2006. p. 46-49