sexta-feira, 12 de maio de 2023

SÓLON DA CUNHA, O FILHO DE EUCLIDES DA CUNHA ASSASSINADO NO ACRE EM 1916

JORNAL OFICIAL – Semanário da Prefeitura

Ano I – 21 de maio de 1916 – número 6

Cidade de Tarauacá

 

COMO SE DEU O LAMENTÁVEL ACONTECIMENTO

Para o conhecimento de todos reproduzimos na íntegra os ofícios enviados ao Exmo. Sr. Dr. Prefeito pelo Sr. Dr. Sancho Pinto Ferreira Gomes, escrivão da polícia que acompanhou o nobre delegado Sólon da Cunha, na trágica diligência:

 

Vila Feijó, 12 de Maio de 1916.

Exmº. Sr. Dr. José Thomaz da Cunha Vasconcellos, m.d. Prefeito de Tarauacá.

 

Com o mais profundo pesar, cumpro o dever de levar ao conhecimento de V. Ex. o lamentável incidente em que foi vitimado o nobre e saudoso Delegado Auxiliar de Polícia deste 2° Termo, cidadão Solon da Cunha, no dia 6 de maio, sábado, às 9 horas da noite.

Sólon da Cunha (no primeiro plano, à esquerda) e o irmão Euclides Filho conversam com o jornalista Leal de Souza, em 1909, dia seguinte ao assassinato de Euclides da Cunha. Revista A Careta, 21/8/1909 edição 64, p. 28.

Pelo ofício número vinte e quatro, aquela autoridade comunicou a V. Ex. que iria fazer a diligência para abrir inquérito e prender os culpados da tragédia do dia 21 de abril, da qual foram protagonistas João Muniz Correia Lima, sócio da firma Correia Lima & Cia, seu irmão Francisco Muniz Correia Lima, seu aviado e criminoso impune Antonio Sobralino de Albuquerque, seus fregueses João Ribeiro, Pedro Paulo Pessoa (vulgo Pedro Coxo), João Ignácio, José Malaquias, Frutuoso de Tal e mais 28 homens armados de rifles e em balados, cujos nomes ignoro, dos seringais Santa Cruz e Sant’Anna; e Possidonio de Oliveira, sócio da firma Cardoso & Oliveira, João Nogueira e o velho João Baptista Lima, José Candido de Oliveira e Manoel Monteiro, do seringal Mira-Flores, tendo sido assassinados os três primeiros deste seringal, e se evadido os dois últimos.

Dos seringais Santa Cruz e Sant’Anna somente consta ter sido ferido, com uma bala no braço esquerdo, perto do ombro, Francisco Muniz Correia Lima.

Partindo dessa Vila, no dia 1° deste, às 6 horas da manhã, chegando no seringal Mira-Flores do rio Jurupary, propriedade de Cardoso & Oliveira, deste 2° termo e do 7° distrito de polícia no dia 4 às três horas da tarde, acompanhado pelo cabo e duas praças aqui destacadas; aí foram notificados 8 homens deste seringal e partimos no dia seguinte a 1 hora da tarde para o local das gravíssimas ocorrências que já aludi. Pernoitamos numa barraca do seringal Mira-Flores, de onde partimos no dia 5 às 8 horas da manhã passando ainda às 10 horas na barraca de “Carneiro”, e às duas horas da tarde passamos na barraca “Maracujá” pertencente ao seringal Santa Cruz, propriedade dos senhores Correia Lima e Cia. e aí efetuamos a prisão de Mariano e Bernardino de tal, fregueses da firma, que nos acompanharam até a barraca dos “Ambrosio”, nas proximidades da qual prendemos ainda Luiz de Almeida, que nos acompanhou também. Ao chegarmos à referida barraca fez-se um reconhecimento verificando-se que lá encontravam-se quatro indivíduos preparados para resistir a quem chegasse, pois estavam deitados em suas redes com os rifles ao alcance das mãos. O preso Luiz de Almeida fez ver ao delegado que dois daqueles homens entregavam-se resistindo, porém, outros dois, efetivamente assim aconteceu. Dissera ainda Luiz de Almeida, que tendo morto um nambú e indo deixá-la na barraca aos companheiros, momentos antes de ser preso, os encontrou todos quatro de rifles em punho e os quaes lhe disseram: Quando você se aproximar da barraca, faça sinal gritando de longe. Depois de estarmos senhores do terreno, o delegado saiu na frente do terreiro, acompanhado pelo cabo, os dois soldados e os notificados, ficando eu e Luiz Barroso guardando os três presos, entrincheirados na boca de uma estrada de seringueira, a cinco metros de distância da dita barraca, indo o delegado um pouco adiante pediu licença subindo as escadas da barraca, e disse: sou delegado de polícia. Os dois atacaram-no de rifles em punho, tendo o criminoso Francisco Leandro disparado seu rifle no delegado e o projétil atinjindo-o nas proximidades do umbigo, do lado direito. Apesar de ferido Solon desfechou um tiro no peito do assassino prostando-o e deu ordem de fogo, no que foi obedecido, caindo em seguida o outro companheiro que de rifle em punho jurava vingar a morte de Francisco Leandro, o qual chamava-se Bernardino de tal; os outros dois aproveitaram-se da ocasião e evadiram-se em vertiginosa carreira. Tudo isso não demorou mais que dois minutos. Sendo sabedor por Luiz Almeida, freguês de Correia Lima e Cia., que a uma hora de distância se achava em uma barraca o criminoso Antonio Sobralino de Albuquerque, aviado da dita firma acima, com nove homens armados, de rifles esperando qualquer aviso, achei prudente, regressar dali em continente para obter socorro para o delegado que estava mortalmente ferido e fiz partir a toda pressa dois dos notificados, Luiz Barros e Alexandre Albuquerque para buscar medicamentos no barracão Mira-Flores e gente. Já eram seis horas da tarde e receiava-se um novo ataque, tratando logo da condução de Sólon, em uma rede que se fez, partindo dali às 6 horas da tarde, e assim andamos em busca da barraca “Revolta”, por um varadouro horrível até 9 horas da noite, hora em que o saudoso delegado fez parar o pessoal e perguntou se estava com a fala mudada dizendo estar quase cego, dando em seguida um longo suspiro e disse: aí meu pai! Assim faleceu o nobre e distinto brasileiro Sólon da Cunha, no sagrado cumprimento de seus deveres. Prosseguimos com o cadáver até a uma hora da madrugada, ora por varadouros, ora por estrada de rodagem. Ali esperamos que o dia amanhecesse. Demos-lhe sepultura nas proximidades da barraca de Carneiro de tal, freguês da firma Cardoso & Oliveira, do seringal Mira-Flores. Após ter-lhe dado sepultura, segui para o seringal acima citado e de lá regressei a esta Vila, conduzindo Luiz Almeida e mais três testemunhas que presenciaram as ocorrências de 21 de Abril passado, bem como cinco rifles, que apreendi à uma hora na barraca “Maracujá” e os quatros últimos na barraca dos “Monteiros”, onde se deram as tristes e lamentáveis ocorrências que acabo de expor.

Sólon da Cunha, em foto dedicada à mãe Anna de Assis. In ELUF, Luiza Nagib. Matar ou morrer: o caso Euclides da Cunha. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 112

Cumpri-me ainda levar ao conhecimento de V. Exa. que o brioso e nobre Sólon da Cunha, ao sair desta Vila, para a infeliz diligência, despediu-se de todos dizendo ter certeza de morrer, na mesma, ao ponto de ter deixado cartas para a sua noiva e seu irmão; apezar disto sempre alegre, delicado, destemido como bravo, colocando sempre o sagrado cumprimento de seus deveres acima de tudo. Com o desaparecimento do morto ilustre perdeu-se um dos leais e dedicados servidores, e a “pátria brasileira” um moço de honestidade reconhecida e de um caráter puro e sem mancha, virtudes estas que rarissimamente se encontram em nosso país, que chora a falta de homens da fibratura de Sólon da Cunha.

                                                Saudações,

                                    Sancho Pinto Ferreira Gomes

 

Referência

MESQUITA JUNIOR, Geraldo. O Acre e a vida dramática de Euclides da Cunha. Brasília: Senado Federal, 2006. p. 46-49

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